Autointitulado registro de estreia da Bru._.Jo, identidade adotada pelos irmãos Bruno Qual (eletrônicos) e Joana Queiroz (clarinete, clarone e voz), o trabalho de nove composições é uma obra viva. Concebido na primeira semana de 2020, durante um período de imersão em uma floresta, o álbum levou mais dois anos até ser finalizado. Nesse intervalo de tempo, processamentos e filtragens eletrônicas foram incorporadas ao material que foi gravado sem isolamento acústico, deixando vazar a captação de elementos naturais. Um meticuloso processo criativo que tensiona e recompensa a experiência do ouvinte na mesma proporção.
De essência orgânica, como uma criatura em processo de transformação, o registro se revela aos poucos, sem pressa. Música de abertura do trabalho, Granulares Matinais funciona como uma boa representação desse resultado. São inserções sutis que partem dos sopros de Queiroz, incorporam elementos ao redor, mas que se completam pela tapeçaria eletrônica de Qual. É como um lento desvendar de informações, estrutura que ainda abre passagem para a posterior Formigas e Lagartas, composição de base graciosa, como uma cantiga infantil, mas que assume novos contornos à medida que a dupla avança criativamente.
Reducionista e adornada pelo cricrilar dos grilos, Névoa (Neblina, Bruma), vinda logo em sequência, ganha forma em uma medida própria de tempo. É como um preparativo para o que os dois artistas incorporam de maneira ainda mais interessante na composição seguinte, Floresta (Debaixo da Terra). São pouco mais de cinco minutos em que ambientações sutis, sopros e sobreposições eletrônicas se completam pelos sons da natureza, texturas e vozes, resultando em um remix torto daquilo que a própria Queiroz havia testado durante a produção do último trabalho em carreira solo, o também exploratório Tempo Sem Tempo (2020).
Uma vez apresentados todos os elementos que compõem o disco, Raízes e Troncos leva o trabalho para outra direção. Embora partilhe dos mesmos componentes orgânicos presentes no restante do material, chama a atenção a atmosfera densa e base eletrônica que cresce ao fundo da canção, proposta que faz lembrar das criações mais recentes do saxofonista norte-americano Colin Stetson. Tudo se projeta de maneira tão intensa que Chuva, vinda logo em sequência, quase acaba engolida. Uma desconfortável mudança de percurso, mas que partilha do mesmo refinamento estético e riqueza de detalhes da dupla.
Com a chegada de Líquens e Fungos, Qual e Queiroz mais uma vez brincam com as possibilidades. São pequenos acréscimos e costuras instrumentais que se completam pelo uso de elementos percussivos, proposta que concede à faixa um caráter quase ritualístico. Pena que a mesma riqueza de ideias não se percebe na posterior Bioluminescentes. Concebida em meio a ambientações enevoadas, a canção soa muito mais como um esboço do que necessariamente uma peça importante para o disco. É somente nos minutos finais da composição, quando as batidas ganham forma, que o ouvinte é mais uma vez seduzido.
Passado esse momento de maior instabilidade, Noite, Sobrevôo, Tamboro chega para encerrar o trabalho de forma grandiosa. Com quase dez minutos de duração, a composição avança aos poucos, encanta pela inserção de ruídos e captações de campo, porém, estabelece na forte relação entre os dois artistas o elemento central do registro. Enquanto o sopro de Queiroz detalha paisagens instrumentais, a base sintética de Qual ascende lentamente, culminando em um fechamento totalmente catártico. Um exercício criativo que sintetiza e ao mesmo tempo amplia tudo aquilo que a dupla busca desenvolver ao longo do material.
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