Cada novo trabalho da Viratempo parece servir de passagem para um território criativo completamente transformado. Enquanto o introdutório Cura (2018) apontava para o pop enevoado da década de 1980, com a chegada de Cidade Tropical Pensamento (2023, Independente), a banda formado pelos músicos Vallada (voz, sintetizadores), Danilo Albuquerque (guitarra), Hygor Miranda (sintetizadores, baixo) e Max Leblanc (bateria, samples) continua a viajar pelo mesmo período, porém, o direcionamento proposto agora é outro.
Inaugurada de forma atmosférica, a introdutória Não Volto Mais rapidamente sustenta na linha de baixo funkeada, harmonias de vozes, batidas e bases dançantes uma síntese clara de tudo aquilo que o grupo busca desenvolver ao longo da obra. São ecos de brazilian boogie e outros elementos que orientaram a produção brasileira há mais de quatro décadas, porém, partindo de um delicioso senso de atualização, estrutura que ganha ainda mais destaque na canção seguinte, a hipnótica Solar, composição que evoca nomes como Marcos Valle sem necessariamente corromper a identidade criativa do quarteto paulistano.
Com parte das regras apresentadas ao público, Te Quiero, vinda logo em sequência, potencializa ainda mais esse resultado. São pouco menos de quatro minutos em que o grupo vai do reggae ao soul em uma doce combinação de estilos que sustenta no romantismo dos versos um claro diálogo com a obra de Tim Maia e Cassiano. Nada que a posterior Paubá não dê conta de perverter. Da base cíclica que se conecta aos versos, passando pela riqueza das batidas e arranjos de cordas, cada fragmento da composição parece pensado para ampliar o campo de atuação do quarteto, proposta reforçada com a entrega de Tropical 08.
Embora distante de tudo aquilo que o grupo busca explorar nos minutos iniciais da obra, a composição que se entrega ao drum and bass em nenhum momento deixa de atrair a atenção do ouvinte. É como a passagem para um ambiente renovado, ainda que liricamente preso aos mesmos temas sentimentais que servem de sustento ao disco. Uma curva instrumental que se completa pelo acréscimo da vinheta Pare e ainda abre passagem para a melancólica Saudade. Concebida em parceria com a cantora Gab Ferreira, a faixa contrasta a potência das batidas com a sensibilidade dos versos, destacando a riqueza do material.
Passado esse momento de maior euforia, Azul/Vermelho desacelera consideravelmente, potencializa o uso dos sintetizadores que parecem saídos do repertório de Cura, porém, sustenta na bateria eletrônica e linha de baixo sempre carregada um diálogo consistente com o repertório de Cidade Tropical Pensamento. São ambientações sutis que avançam em uma medida própria de tempo, sem pressa, estímulo para o material entregue na música seguinte, Besbe. Com pouco menos de dois minutos, a canção, assim como a curtinha Pare, soa muito mais como um interlúdio do que necessariamente uma peça importante para o trabalho.
Ainda assim, a faixa de essência reducionista funciona como um preparativo para o que se revela de forma ainda mais interessante com a chegada de Prazer. Escolhida como música de encerramento do trabalho, a canção destaca a riqueza de ideias que orienta o som produzido pelo grupo durante toda a execução do material. São camadas de sintetizadores, batidas bem encaixadas e versos que parecem pensados para atrair a atenção do ouvinte logo na primeira audição. Uma colorida combinação de elementos que vai da imagem de capa a cada mínimo componente instrumental e poético que serve de sustento ao registro.
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