Dez aforismos para Lady Day

1.

Aos 43 anos, Billie parece um trapo velho. Já a minha avó me dizia: cuidado com as sopas de gim e heroína.

2.

A sua voz está rouca e envelhecida. Mas Billie não desiste de cantar. É tudo o que tem.

3.

Escolhe doze baladas sobre corações amarrotados e convida Ray Ellis. A orquestra é grande porque sabe que tem de ser pequena.

4.

Billy não canta, sofre; não interpreta, é. Entre a sua vida e a sua arte não há qualquer corrimão.

5.

O que lhe falta em extensão, sobeja-lhe em sentimento. Há quem, com setenta notas, não diga nada. Billy, com sete notas, diz tudo o que há num coração.

6.

Há peso em cada palavra, em cada silêncio. Peso, mesmo, matéria puxada para o chão.

7.

Ninguém sofreu tanto como Billie: preta, pobre, puta, saco de estupro e pancada. Nós, mimados, pensamos que está a cantar sobre nós. Deus dá a dor conforme a fortuna.

8.

Billie baixa o flanco, expondo a cicatriz. É precisa muita rijeza para tanta vulnerabilidade.

9.

Billie seduz com a sua voz felina: já não os meliantes de outrora, mas sim a própria morte. Por isso, a sua tristeza é serena: tem um pé cá e o outro lá.

10.

Morreria um ano depois. Na lápide fria, gravaríamos o epitáfio: se não fosse mulher seria trompete.