Há 50 anos, a estreia a solo do lobo solitário Neil Young fez-se com um dos seus discos mais trabalhados, que traz alguns clássicos que ecoam ainda nos dias de hoje
A segunda metade dos anos 60 foi agitada para Neil Young, o canadiano que deixou o seu país para tentar a sorte no íman musical que era, então, Los Angeles. Aí formou os Buffalo Springfield, banda que desde logo atingiu o sucesso, graças sobretudo à magia e composições de Young e de Stephen Stills. Após dois discos, os excessos e a volatilidade agressiva de Stills levam Young a abandonar a banda pela segunda vez, e agora de forma definitiva. Era altura de voar a solo, ainda que, para honrar compromissos contratuais, o mercado ainda conhecesse um terceiro disco dos Buffalo Springfield, antes de ter a oportunidade de ouvir o que Young tinha, afinal, para dar.
O músico tinha apenas 22 anos, mas tinha um grande passado atrás de si. A banda de juventude na terrinha, a viagem pelo Canadá para uma tournée a solo, a chegada sonhada a LA, o sucesso no circo rock n roll, o fim do grupo devido a conflitos internos. Apesar da sua juventude, era o tempo para um novo começo. E isso significava várias coisas: uma nova casa em Topanga Canyon, novos amigos, uma nova namorada com quem se casaria em breve, uma nova editora, um novo manager (Eliott Roberts, que era também agente da compatriota e amiga de Young, Joni Mitchell). Mais do que tudo isso, depois de sair dos Springfield no meio de uma luta de poder e de egos com Stephen Stills, Young tinha algo a provar.
Partiu para esse disco de estreia a solo, como o próprio admitiu, com a intenção de “criar a minha obra-prima”. Rodeou-se de dois magos que o poderiam ajudar. Primeiro Jack Nitzsche, produtor treinado como adjunto do mítico Phil Spector até se ter decidido a viver por si a vida rock n roll. Segundo, David Briggs, guitarrista que viria a co-produzir vários discos do canadiano.
Igual a si próprio, Young tinha montes de material. O truque estaria na gravação. Em estúdio, o trabalho foi organizado em dois blocos. Num deles, Young trabalhava com Briggs e músicos seus conhecidos da cena local, com o cantor a assumir vários instrumentos; no segundo, a direcção cabia a Nitzsche, com a ajuda de um jovem músico, de seu nome Ry Cooder, e com músicos de sessão de excelência.
Neil Young, o disco, acaba por ser uma belíssima amostra dos vários terrenos que o músico já pisava. Veja-se a abertura com “The Emperor of Wyoming”, um pitoresco apontamento instrumental que quase parece o genérico de um western, com violinos country e slide guitar; ou o rock de “The Loner”, com o seu abrasivo riff de abertura; ou ainda a balada “If I Can Have Her Tonight”, terna e íntima.
Os nossos destaques vão ainda assim, para outras músicas. “I’ve Been Waiting for You”, clássico imediato e um dos temas dessa altura que mereceria lugar num best-of de Neil Young; esta é também a casa do gigantesco “The Old Laughing Lady”, mais um clássico, numa versão trabalhadíssima em estúdio; e a ternurenta “Here We Are In The Years”, um hino à vida no campo que nos deixa a coçar a cabeça a pensar como alguém tão jovem podia já soar tão sábio.
O fecho é com “Last Trip to Tulsa”, o maior statement do disco com os seus quase dez minutos de duração. É um tema lento, circular, negro, quase lembrando o que Young viria a fazer quase seis anos mais tarde, no magnífico On the Beach.
A ambição de criar a tal “obra-prima” é palpável, sobretudo no que toca aos arranjos. Há camadas a entrar pela mistura, teclados com ecos do ácido do psicadelismo, cordas à discrição mas com bom gosto, guitarra acústica, eléctrica e slide, num caldeirão em que o country é o ponto de partida para inúmeras chegadas diferentes.
Neil Young acabaria por viver um episódio caricato que, de certa forma, marcou a imagem que dele ficou. O disco é lançado em Novembro de 1968, mas o seu criador ia tendo um ataque quando ouviu o vinil chegado da loja. A editora Reprise tinha feito a fita passar por um processo chamado Holzer Audio Engineering Compatible Stereo Generator, cujo objectivo era fazer com os que os discos gravados em stereo ainda soassem bem nos gira-discos mono, que ainda eram a larga maioria na altura. Resultado? Uma borrada total, que escondia a voz e não soava bem nem nos sistemas stereo nem nos sistemas mono!
Young ficou lívido e obrigou a Reprise a tirar os discos das lojas. Foi tudo remisturado mas, nas palavras do canadiano, nunca foi possível recuperar a opulência e profundidade das gravações originais. É por isso que Neil Young teve, na verdade, duas datas de edição: a primeira em Novembro de 1968, a que foi retirada; a segunda, a versão definitiva, no início do ano seguinte, passam agora 50 anos.
O músico nunca ficou totalmente satisfeito com esse primeiro disco a ostentar o seu nome (a capa original nem isso tinha, a reedição sim). Anos mais tarde, queixou-se de que o disco era demasiado produzido, com demasiados overdubs, admitindo que, então, estava a pensar demasiado. Muita cabeça e pouco nervo.
Na nossa modesta opinião, isto é algo injusto para com um belo disco. Mas essa ideia ficou. Só muito raramente Young voltaria a dedicar tanto tempo e tanta atenção aos arranjos e ao trabalho de estúdio (algo que até beneficiaria alguns discos, como os espontâneos álbuns dos últimos largos anos). E, acabadinho de sair de uma banda em cacos, o músico não gostou especialmente do modus operandi de compor praticamente sozinho em casa e de trabalhar fastidiosamente em estúdio. Sinal disso, nos anos seguintes entraria para o explosivo super-grupo Crosby, Stills, Nash & Young e, no seu segundo disco a solo, trabalharia de forma mais espontânea e imediata com um grupo de jovens chamados The Rockets, que muito pouco tempo depois mudaria de nome para os omnipresentes Crazy Horse.
O melhor período de Young foram os anos 70, mas Neil Young vem ainda contaminado por um ligeiro charme country psicadélico dos anos 60. Um disco de certa forma renegado, mas que não só é muito valioso por si só – e indispensável na colecção de qualquer fã de Young – como essencial para entender tudo o que viria na sua carreira nos gloriosos e agitados anos seguintes.
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