Um instantâneo perfeito da louca Madchester.

Depois de Jim Morrison morrer, Manzarek, Krieger e Densmore cometeram a traição e a parvoíce de gravar mais dois discos sob o nome Doors. Quando a tragédia chegou também a Ian Curtis, os seus companheiros foram bem mais dignos, enterrando, de imediato, os Joy Division, e refundando-se com um novo nome. Mesmo assim, o fantasma de Curtis continuou a assombrar os New Order durante longos anos, o ingrato.

Pode alguém ser quem não é? O ano de 1981 responde à pergunta. O primeiro álbum, Movement, pouco mais é do que um mau disco dos Joy Division, tão gótico como desinspirado. Porém, no mesmo ano, os New Order encontram uma nova identidade no single “Everything’s Gone Green”, um encantador e influente flirt com a electrónica. Este padrão esquizofrénico foi-se repetindo ao longo da década: álbuns mais indie rock (com pozinhos electrónicos)singles mais dançáveis (com pozinhos indie).

Só em 1989 é que os New Order conseguiram finalmente acabar com esta bipolaridade, gravando um álbum de estúdio igual aos seus singles: descaradamente pop, dançável e electrónico. Não é à toa que Technique é, de longe, o seu melhor disco. Reinventar a música de dança sempre fora o seu desígnio.

E porquê só em 1989? Porque era o espírito do tempo. No Reino Unido, estava a ocorrer o segundo summer of loveraves tórridas e hedonistas movidas a ecstasy e a acid house. Um dos epicentros era Manchester, que em poucos anos evoluíra de capital do pós-punk urbano-depressivo para a capital do êxtase nas pistas de dança. E os New Order tinham uma vantagem: eram os donos da mítica discoteca Haçienda, onde muita da loucura Madchester acontecia.

Como se não fossem suficientes estas credenciais, foram gravar Technique a outro dos centros da movida rave: Ibiza. Foi nesta espécie de “ilha dos amores” do século XX que os New Order consumiram ecstasy pela primeira vez. Gostaram tanto que convidaram os seus compinchas dos Happy Mondays para se juntarem à rambóia. Reza a lenda que, depois destas férias, Bez e Shaun Ryder se tornaram os primeiros fornecedores de MDMA em Manchester…

Escusado será dizer que as gravações em Ibiza foram muito pouco produtivas. Mas aquilo que desperdiçaram em dinheiro e tempo de estúdio ganharam em algo muito mais precioso: uma vivência em primeira mão da nova cultura rave. As noites de Ibiza, transbordantes de líbido e calor, foram trazidas para Technique.

É preciso lembrar que, no início dos anos 80, o rock e a música de dança eram como azeite e vinagre. Os New Order foram pioneiros na aproximação destes dois mundos, mas estiveram durante anos a pregar no deserto. No final da década, tudo mudou com a entrada em jogo do ecstasy. Sob o efeito da mágica pílula, todos os ódios tribais se dissipam, e uma imensa vontade de amar o próximo torna-se irresistível. Nas noites loucas na Haçienda, já não havia a malta do indie e a trupe do house mas apenas um único organismo colectivo de celebração do prazer.

O que define Madchester do ponto de vista estético é justamente essa contaminação que o indie sofreu por parte da música de dança. Mas enquanto o primeiro dos Stone Roses e o Bummed dos Happy Mondays são recatados nesse namoro, Technique é orgulhosamente obsceno, recorrendo às batidas “quatro no chão” (tradução: tum, tum, tum, tum) e ao baixo sintetizado (tipo pato de borracha), típicos do acid house.

Mas Technique é muito mais do que uma bandeira. É um disco pop absolutamente perfeito, onde não há um único tiro ao lado. Nunca antes os New Order haviam sido tão melódicos e veraneantes, tão orelhudos e divertidos, tão saborosos e soalheiros. O baixo complementa a voz com bonitos contracantos. O calor da guitarra acústica faz derreter as electrónicas mais frias. Cada canção é como se fosse uma pastilha de ecstasy, espalhando desejo e amor.

O luto foi longo mas acabou. Nove anos depois, os New Order libertam-se por completo da sombra dos Joy Division. Ian Curtis pode, por fim, descansar em paz.