South of Reality é o novo álbum dos The Clayton Lennon Delirium. E se, para muitos, o nome da banda e do disco pouco ou nada querem dizer, para nós já não será bem assim. Antes pelo contrário. Um dos melhores discos do ano pode muito bem ser este, desde que o consigamos ouvir com a atenção que merece.

Para todos aqueles que olham desconfiadamente para o nome desta banda, nós ajudamos a decifrá-la. Os The Claypool Lennon Delirium mais não são  do que um duo que engloba Leslie Edward “Les” Claypool, conhecido baixista da banda Primus e rei do slap bass, e o não menos distinto Sean Lennon, filho do mago dos óculos redondos e da feiticeira Yoko. Para mais, informamos ainda que o recentíssimo South of Reality é o segundo trabalho de longa duração destes dois rapazes, sendo que com o primeiro, o soberbo Monolith of Phobos, já uma boa parte do mundo mais propenso a estranhas e algo excêntricas audições havia recebido o projeto de braços abertos. Agora, quando 2019 ainda mal começou, os inusitados parceiros apresentam-nos novo trabalho e em boa hora o fazem. South of Reality é um disco intrigante, feito com o dom de nem sempre nos facilitar a vida, mas também capaz de nos arrebatar totalmente, até porque se por vezes se refugia em temas mais prog-rock (o que confere ao álbum um certo ar fora de tempo), também não deixa de ser verdade que noutros momentos podemos ouvir ecos da verve inesgotável do fabuloso quarteto de Liverpool, o que ainda reforça mais a ideia de termos à nossa frente um disco verdadeiramente far out, mas também intemporal, ao mesmo tempo. E isso acentua em nós, ouvintes devotos desse yellow submarine que navegou pelo mundo durante apenas dez anos do século passado, uma nostalgia sempre bem recebida.

South of Reality é um instante de exaltação do espírito, uma alucinação sonora, um entusiasmo pulsante e intenso. É, acima de tudo, um conjunto de temas como quase já não se fazem. Infletem para vários caminhos, retornam ao ponto de partida, dão cambalhotas e não se acanham em mostrar-se mais ensolarados ou escuros, de acordo com os atalhos que escolhem percorrer. Os segundos iniciais de “Little Fishes” fazem lembrar Sergius Golowin e o seu memorável Lord Krishna von Goloka, mas essa impressão inicial logo se dissipa para que a primeira reviravolta tome lugar. Aí, a viagem passa a ser outra, mais à maneira de uns The Moody Blues dos tempos de In The Search of The Lost Chord, embora com o baixo elétrico de Jean-Jacques Burnel bem acoplado. Já com “Blood and Rockets”, a visão é outra e por ela passam “on fire”, bem à nossa frente, os seminais Paul, John, George e Ringo e assim, durante seis minutos e meio, podemos matar saudades do quarteto com tempo suficiente para lhes dizer adeus até “Boriska”, onde parecem, a espaços, dar de novo um ar da sua graça infinita, despedindo-se de nós na derradeira “Like Fleas”.

Em “South of Reality”, tema que dá nome ao álbum, a vertigem é intensa, a letra excêntrica e caótica, embarcando a melodia em linhas progressivas que nos trazem à mente alguns dos génios desse género tantas vezes mal entendido nos dias que correm. Com “Easily Charmed by Fools” entramos em momentos de psicadelismo à moda antiga, continuando essa mesma sensação de cabeça ondulante nas seguintes “Amethyst Realm” e “Toadyman’s Hour”, embora esta última nos surja com cremoso recheio oriental.

Como se percebe, South of Reality é um enorme caldeirão onde apetece cair desavergonhadamente, à maneira de Obelix. É um disco que numa primeira audição parece não nos assentar ao corpo, mas essa ilusão é passageira. Ajusta-se, aos poucos, como se de alta costura sonora se tratasse, e assim é e assim fica. Estamos, por isso, no limiar de fazer futurologia e avançar com a ideia de que este novo álbum da dupla The Claypool of Lennon Delirium poderá muito bem ser um dos discos do ano, impondo-se a muitos outros (é isso que desejamos) igualmente bons que possam surgir nos próximos dez meses. Mas, para já, temos campeão!