Hardcore salpicado com surf rock, ironia e humor negro. Agressividade e inteligência em partes iguais.

Na capa, vemos carros de polícia a arder em San Francisco. Não é montagem. O motim aconteceu mesmo, na sequência do assassinato de George Moscone e de Harvey Milk (e da sentença happy meal que recebeu o assassino). Fresh Fruit for the Rotting Vegetables é a banda-sonora desses anos turbulentos e a sujidade do punk de ’77 não bastava para expressar toda a raiva necessária. Era preciso uma música ainda mais rápida, ainda mais barulhenta e ainda mais agressiva. Os Dead Kennedys foram um dos pioneiros dessa versão mais radical do punk a que se chamou hardcore. A velocidade estonteante de “Drug Me” é um dos seus primeiros exemplares.

Porém, o que é interessante no hardcore emergente dos Dead Kennedys é a sua despreocupada contaminação.

Impureza nº1. Para os seus congéneres mais puritanos – como os Black Flag e os Minor Threat -, uma melodia que ficasse no ouvido era já o Satanás. Fresh Fruit está-se a marimbar para esses pruridos, oferecendo-nos canções que se podem trautear no elevador. Quem nunca assobiou “California Uber Alles” na banheira que atire a primeira pedra.

Impureza nº 2. Onde o hardcore 1º escalão pretende fazer um corte radical com a história do rock, os Dead Kennedys gostam de, aqui e ali, dar umas pinceladas revivalistas. O doo-wop em “Kill the Poor”, o surf rock em “Let’s Lynch the Lord”, o rockabilly em “Stealing People’s Mail” e o rock gótico em “When Ya Get Drafted” são quatro apontamentos retro que só tornam o disco mais interessante.

Impureza nº 3. Se o hardcore purista é obcecado com a simplicidade radical, a banda de Jello Biafra não tem problemas em abraçar estruturas mais complexas quando os temas assim o exigem. É o que sucede com a subtil dinâmica de “Holiday in Cambodia”, que vai acumulando tensão nos assombrosos primeiros riffs até explodir no catártico refrão.

No capítulo ideológico, os Dead Kennedys  estarão alinhados com o anti-capitalismo típico do hardcore, mas com diferenças na relação com o “exterior”. Enquanto o hardcore impoluto fecha-se em si próprio, isolando-se do “odioso sistema”, os Dead Kennedys tentam dialogar com o mainstream, agitando-o, provocando-o, escandalizando-o. E a esquerda libertária de Biafra é mais articulada e acutilante do que a dos seus comparsas. Jello pode ser panfletário mas a inteligência do seu sarcasmo redime-o. Ninguém bate Biafra na sofisticação e crueldade do seu sentido de humor. Que o diga “I Kill the Poor”.

Só fazem é bem em demarcar-se da mentalidade de seita dominante no movimento hardcore. Se o punk é, acima de tudo, pensar pela própria cabeça, então os Dead Kennedys serão um espécimen bem mais interessante.