O mais atmosférico dos clássicos do trip-hop: nocturno, perigoso, perverso.

Tricky é uma presença carismática em Blue Lines e Protection mas, na verdade, nunca pertenceu ao núcleo duro dos Massive Attack. Em 1995, cansou-se deste estatuto subalterno e decidiu começar uma carreira em nome próprio. Em boa hora o fez pois o seu álbum de estreia, Maxinquaye, é uma das obras maiores do trip-hop. Para isso, muito terá contribuído a voz de Martina Topley-Bird, encostada ao microfone, revelando-nos os seus mais íntimos segredos. De tal forma que nos parece injusto o nome de Tricky aparecer no singular. Tudo neste disco vive da força deste dueto: o rap rouco e sussurrado de Tricky torna ainda mais belo o canto doce e sofrido de Martina. As texturas são tudo em Maxinquaye. O grão do vinil em “Hell Around the Corner” dá-nos uma sensação de aconchego e nostalgia. Os baixos profundos são lentos e sufocantes – como um casal que começa a se odiar.

Maxinquaye leva ao limite a estética do trip-hop: mais “tripado”, mais promíscuo e mais claustrofóbico do que os seus antecessores. Os Massive e os Portishead já eram gente nervosa mas Tricky sobe a parada da paranóia urbana para novos máximos. Tricky não é bem um músico, é mais um cineasta, um criador de atmosferas a partir de sons. Imaginem-se num beco escuro, ouvindo passos, e saberão tudo sobre este disco. Se têm dúvidas relativamente às suas credenciais urbano-depressivas, recordem o seguinte: a mãe do Tricky matou-se tinha o gaiato quatro anos; chamava-se Maxin Quaye.

Ao mesmo tempo, os beats do álbum são sumarentos e viciantes. Tricky honra a mais nobre tradição do hip-hop: a arte de roubar. O sample de “Hell Around the Corner” é duplamente ladrão: os Portishead roubam Isaac Hayes, Tricky rouba os Portishead. Em Maxinquaye, o furto é um acto criativo que recontextualiza a sua fonte. Veja-se o caso de “Brand New You’re Retro”, que transforma a linha de baixo de “Bad” em algo radicalmente anti-pop. Tricky rouba mas não mente: assume tudo o que deve aos Public Enemy, fazendo uma inventiva versão do clássico “Black Steel in the Hour of Chaos”. Tricky é um bom bandido.

Noves fora, nada, chegamos ao veredicto. A mistura de aperto no peito com festim nos ouvidos é o que define o álbum. Opressivo, sim, mas demasiado sexy para dizermos que não.