Ao segundo disco, Iggy Pop canaliza o poder agressivo do som dos Stooges com as mais valias assimiladas durante as gravações de The Idiot.

Mil novecentos e setenta e sete foi o ano da redenção de Iggy Pop. Apenas cinco meses separam The Idiot e Lust For Life e ambos permanecem os mais aclamados álbuns da sua carreira a solo. É impossível falar de um sem o outro. Mas Lust For Life ganha por conciliar o melhor do som poderoso dos Stooges com a inteligência e a concepção de The Idiot. E nada disto seria possível, sem o irmão de uma vida: David Bowie.

Com objectivo de fugirem da droga, Iggy Pop e David Bowie mudam-se de malas e bagagens para Berlim. Corria o ano de 1976 e seguiam-se mais dois anos regados a mulheres, cabarets, todo o tipo de álcool e aquele cheirinho de quando em quando. A droga permanecia diariamente nas suas vidas, mas comparando com os baldes consumidos em Los Angeles, os dois pareciam agora viver num mosteiro, ainda que agitado. No meio de tudo isto, a Música.

Nesse ano, Iggy Pop experiencia pela primeira vez os grandes palcos e uma tour de larga escala com Station to Station de David Bowie. Maravilhado com tamanho profissionalismo e entrega do camaleão de serviço, redime-se. Não se sentia tão inspirado desde o (segundo) fim dos Stooges, em 1974, mas agora tinha conseguido assinar com a RCA Records. Mesmo enferrujado, era tempo de criar.

Com uma generosidade incrível, Bowie ajuda no regresso de Pop aos discos, oferecendo-lhe um punhado de canções que haviam ficado fora do baralho de Station to Station. De repente, The Idiot começa a ganhar forma. Discrepante de tudo o que tínhamos ouvido do iguana até então, o seu som cru está mais experimental do que nunca e recheado de influências camaleónicas evidentes. Talvez por isso o disco tenha passado despercebido no meio do turbilhão musical que foi 1977, ganhando o seu espaço apenas anos mais tarde.

Incompreendido, volta para estúdio. A fórmula continua com Bowie, mas se The Idiot estava minado de influências bowisticas, em Lust for Life é Pop que está mais nos comandos. O ritmo é naturalmente mais frenético, ou não estivéssemos a falar de um álbum que foi criado, gravado e produzido em apenas oito dias. A privação de sono acaba por determinar o som mais corrosivo e oxidado pelo hard rock e o punk do disco, com riffs que ficaram para contar a história do rock.

A extraordinária faixa título é exemplo disso mesmo. Bastam os primeiros segundos da música para colocar uma multidão a dançar Iggy em qualquer parte do mundo. O mesmo acontece com “The Passenger”, com palavras inspiradas num poema de Jim Morrison, esse companheiro de borracheiras. “Sixteen”, a única totalmente composta por Iggy, é a faixa que mais lembra os tempos dos Stooges, e “Some Weird Sin” prova que Bowie não foi a lado nenhum. O ritmo do disco suaviza com a chegada da magistral “Tonight” que, a par de “Turn Blue”, surpreendem pelas interpretações de Iggy Pop, enquanto nos canta histórias do seu passado com a heroína. A fechar “Fall in Love with Me”, numa despedida barata, mas cheia de classe.

Ao segundo disco, Iggy Pop canaliza o poder agressivo do som dos Stooges com as mais valias assimiladas durante as gravações de The Idiot, e o resultado é o melhor dos dois mundos. Inteligente, fácil, ousado e cheio de rock, Lust for Life anuncia a fornada de new wave que se seguiu com os New Order, os Talking Heads ou os Blondie. É Iggy na sua melhor forma.