2018 trouxe um novo disco de Márcia. Esse regresso deu-se para que todos pudéssemos, uma vez mais, constatar o óbvio: o seu espaço, a sua marca identitária permanece intacta, embora inflada de uma sonoridade um pouco mais elétrica. Nela não há exageros, só mesura e delicadeza.

Está diferente, mas ligeiramente apenas, como se o ângulo em que a apanhamos agora estivesse focado num ponto de fuga mais preciso. Bonita, direta, sem rodeios nem maneirismos que perturbam mais do que embelezam, essa elegância tem-se mantido firme. Falamos de Márcia, que no Vai e Vem das suas canções (e das letras e das melodias) tem-nos feito chegar, desde 2009, um crescente número de razões para nos sentirmos satisfeitos com a sua obra e o seu percurso. Depois do ótimo Quarto Crescente, disco nascido há já três anos, a “menina que é culta” e que jurou não mais voltar a jogar à cabra-cega voltou com um novo disco. É muito fácil gostar dele. Está repleto de boas composições e das delicadezas que Márcia sempre soube juntar ao seu trabalho de base. Para além do mais, traz convidados que acrescentam qualidade. E, sobretudo, Vai e Vem dá um pouco mais de espaço às guitarras, embora com a moderação que lhe é tão típica. Mas há mais: as suas letras continuam a ser retratos bem trabalhados da forma poética como olha para a vida. A sua e a dos outros.

O disco abre com a serena “Tempestade” escolhida para primeira apresentação de Vai e Vem. Canção que passa sem se dar por ela. Ou melhor, talvez seja necessário ouvi-la em repeat para percebermos tratar-se de uma ótima canção. Outro tema de características semelhantes (a impressão digital de Márcia não se espraia por arredores desconhecidos) é “Tempo de Aventura”, suavemente ritmada, como a que abre o disco. A que fecha o disco, curiosamente, também é Márcia até ao tutano, e as três já mencionadas são autênticos compêndios de boa pop, ótimas para cantarolar quando se caminha na rua a pensar no destino. Aliás, e para além das melodias, as letras também ajudam nesse exercício de reconhecer, nas palavras dos outros,  algumas das coisas que enchem as nossas vidas. No caso do tema que encerra o álbum, e a somar ao que dissemos, o trabalho das guitarras é excelente!

Mas, como dissemos anteriormente, Márcia traz convidados. São de peso, todos eles, sendo que o primeiro a alinhar é o omnipresente António Zambujo. É na faixa que dá título ao disco que o alentejano intervém, e de que maneira! Por entre as linhas de violinos, ouvir as duas vozes em uníssono é a cereja no topo do bolo de Vai e Vem. O segundo a entrar em cena é o companheiro Samuel Úria, amigo desta e de outras aventuras musicais de sucesso. Em “Emudeci”, ambos dão voz a um poema repleto de pensamentos tortos (“Porquê morrer por ti?”). A canção não é de génio, mas tem algumas particularidades interessantes, desde logo o facto de ser a mais despida de todas as que preenchem o disco. O último dos convidados é Salvador Sobral, que surge em “Pega em Mim”, lindíssima balada de contornos oníricos e nostálgicos. Um olhar adulto sobre a dor, o desencanto, mas também sobre a fuga para lugares longínquos e plenos de memórias boas.

Vai e Vem é um passo em frente na carreira da compositora e cantora Márcia. Continua doce, suave, luminosa. O brilho das suas canções não tremeluz, não escasseia, muito menos se apaga em qualquer um dos doze temas do seu novíssimo longa duração. E, ainda a tempo de fazer notar mais uma canção (quiçá a melhor do álbum), atente-se a “Amor Conforme”, verdadeira pérola que urge dar a conhecer.

Um dos melhores discos de música portuguesa deste ano não vai nem vem. Fica.