Um ano depois do disco de estreia, a confirmação com Bonanza: os Madrepaz são uma das bandas mais interessantes do panorama musical nacional.

Os Madrepaz não descansam. A banda portuguesa que se estreou nos discos em 2017, com o aclamado Panoramix, dá-nos, um ano depois, o segundo tomo de uma saga que, se nos apaixonou de princípio, nos dá mais motivos para continuar a querer acompanhar a viagem.

Panoramix foi considerado pela redação Altamont como o quarto melhor disco nacional do ano passado. O que nos conquistou então, recordamos, foi “uma viagem pelo próprio ser, quase como uma viagem cósmica da nossa ligação a este mundo”. Ora, um ano depois, seria inevitável este novo disco, Bonanza, ser encarado como uma espécie de tira-teimas: teria sido Panoramix um acidente feliz, fruto de qualquer poção mágica, ou seria já o sinal de uma banda com voz própria e com um caminho coerente pela frente?

A resposta está dada e não podia ser mais satisfatória. O revivalismo do rock psicadélico já conheceu melhores dias, pelo que não é fácil caminhar por esses trilhos sem soar a pastiche. Ora aqui não existe disso. Os Madrepaz fazem, como eles próprios dizem, Xamanic pop. Ou seja, uma música com essa sensibilidade pop mas que é inspirada e norteada por um substrato natural, ligado às estrelas, à natureza, ao sol, à lua e aos animais. O registo habitual destes rapazes, a fuga regular da cidade para retiros rurais, ajuda a encontrar inspiração e voltar à respiração, mais difícil em ambientes urbanos.

Não há um salto de gigante entre o primeiro e o segundo disco. Aos primeiros acordes de Bonanza sabemos que estamos perante um álbum de Madrepaz, o que diz muito de uma banda com um percurso ainda fresco. Estão lá os temas naturais, as belas e simples harmonias vocais. O tema-título, que arranca o disco, é imediatamente impositivo, no bom sentido, com arranjos delicados mas absolutamente certeiros, com as teclas a salientar tudo no momento certo, uma cama etérea para uma belíssima melodia pop. Estamos em casa, sentimo-lo imediatamente, e podemos avançar por este faroeste, sem receios (“Luz de Candeia”, o segundo single, é um country português).

“Gostava de Ver” leva-nos, por outro lado, para um puro pop português dos anos 80, o bom, antes de “Queimando Incenso” nos trazer de volta a uma tranquilidade caseira, com direito a saxofone e tudo (nada temam!). “Caravanas a passar”, na sua doce languidez, é toda ela um mergulho no universo muito próprio dos Madrepaz: vagamente hipnótica, bonita, profunda e melodiosa ao mesmo tempo.

Já “Muito Obrigado” atira-nos para a base musical do primeiro tema, reconstruído com mais swing e teclas espaciais. “Já agora aproveito” começa ao piano, abrindo as portas a uma pop luminosa, numa canção simples, bem-feita e inspiradora. Seguem-se os dois momentos mais “fora” do disco. Primeiro “Raga Dharma”, em busca de influências indianas cruzadas com a eletrónica, uma espécie de Bombaim meets Berlim, que fornece um bom momento de respiração e dá uma textura-extra ao disco. Depois, “Salsa Xamani” que….sim, começa numa base salsa que primeiro estranha-se e depois se tolera.

O fecho, com “Mil Folhas”, mostra uma banda que se sente confortável em registos diferentes, num caldo onde cabem sabores mariachi, uns cheiros de rumba e música tradicional portuguesa.

Em jeito de balanço, podemos dizer que Bonanza é um disco mais confiante que Panoramix. Vai a mais sítios e explora mais linguagens musicais, conseguindo nunca perder a identidade Madrepaz. É, sem receios, a confirmação de uma das mais interessantes bandas portuguesas dos dias de hoje. E com um bónus que valorizamos: num tempo em que a ironia ganhou contornos de divisa nobre e serve muitas vezes como salvo-conduto para a aceitação artística, Bonanza é um disco sem um pingo dessa muleta. Há um respeito pela música que se faz e pela mensagem que se quer transmitir, num classicismo tranquilo que nunca cede à tentação do exercício irónico, cínico ou pós-moderno.

É um belo disco. Só. Dêmos graças.