Os Clash têm uma elegância que nenhuma outra banda punk tem, são sujos mas sofisticados, como um vagabundo que só bebe champanhe.

Eu cá não sou de intrigas mas andam a enganar-vos. Terão lá em casa aquilo que pensam ser o disco de estreia dos Clash, com o “I Fought the Law” e tudo, mas na verdade ele não passa da edição americana, publicada dois anos depois (1979) com um alinhamento diferente. A razão é simples: a CBS considerou que em 1977 o público americano não estaria ainda preparado para um disco tão sujo e tão bruto. Achou mal porque os americanos esclarecidos importaram o álbum como se não houvesse amanhã. Deus escreve direito por linhas tortas: a estúpida censura só aumentou o charme punk do bicho.

O que é interessante nesta estreia é que transborda de identidade, recusando a ser uma mera cópia dos Ramones e dos Sex Pistols.

Onde os primeiros não acreditam em nada a não ser na sua própria bílis, os Clash são politizados, canalizando a rebeldia informe do punk para problemas concretos: os empregos de merda sem perspectivas, a política externa americana, os abusos da polícia, o puro tédio da Inglaterra de então. É a célebre máxima: “Os Pistols faziam-nos bater com a cabeça contra a parede. Os Clash davam-nos uma razão para batermos com a cabeça contra a parede.”

Onde os  Ramones e os Pistols são orgulhosamente monolíticos, os Clash são mais complexos, desdobrando-se em duas guitarras e duas vozes, e brincando com os respectivos contrastes: Joe Strummer é rude na voz e na guitarra-ritmo, Mick Jones é mais doce e melódico. Sim, os Clash têm uma elegância que nenhuma outra banda punk tem, são sujos mas sofisticados, como um vagabundo que só bebe champanhe.

Onde os seus antecessores são branco-lixívia, os Clash são mestiços, apaixonados pela música jamaicana. De tal maneira que mesmo na sua fase mais punk, há um tema reggae e dub (“Police and Thieves”). É que para os Clash o punk nunca foi uma camisa-de-forças, mas, pelo contrário, uma atitude de permanente procura estética. Ai o punk não pode ter solos? Ora, então, tomem lá o Mick Jones a solar, sempre que ele quiser, sempre que lhe apetecer. Ai o punk não pode ter temas longos? Ora, afinfem lá outra vez com o “Police and Thieves”, que dura e dura e dura (6 minutos!).

Longe de ser o melhor disco dos Clash, é, contudo, o seu registo mais espontâneo e urgente, um instantâneo perfeito do febril ano de 1977. E enquanto os Ramones se entretinham a fazer sempre o mesmo disco, e os Pistols simplesmente implodiam, caberia aos Clash a ingrata tarefa de encontrar novos caminhos para o punk. Não se sairiam mal da empreitada.