Um falso jazz que é, na verdade, rock sem guitarras. À originalidade dos timbres junta-se a grandeza das canções.

No primeiro álbum, os Morphine já tinham inventado a sua imagem de marca: a única banda no sistema solar a ter apenas um saxofone, uma bateria e um baixo de duas cordas. Mas Good era demasiado delicado para que o mundo lhe prestasse atenção. Tudo mudou com o roqueiro Cure For Pain. No centro estão os riffs musculados do baixo e do saxofone, tresandando a blues e a poeira da estrada. O baixo é agora distorcido, lançando chispas com o seu slide feroz. O saxofone é mais rítmico e groovy, e o novo baterista – mais enérgico e possante. Conseguir ser tão inequivocamente rock’n’roll sem uma única guitarra é a sua grande proeza e blasfémia.

Não se deixem ludibriar pelo saxofone. Do jazz, vão buscar apenas o imaginário e não a linguagem. Tudo neles nos transporta para os clubes de bebop dos livros do Kerouac: fumarentos, noctívagos, ensopados em whisky e transgressão. A aura beatnick de Mark Sandman também ajuda, orgulhosamente anacrónica, mais próxima da North Beach dos anos 50 do que da flanela grungy dos anos 90. Uma pitada de sensibilidade noir faz o resto: a sensualidade do saxofone traz o perfume inebriante de uma mulher fatal.

Toda a grandeza dos Morphine decorre das limitações que eles se impuseram a si próprios. Fazer um instrumento com apenas duas cordas soar cheio e relevante não é um desafio fácil, como também não o é rockar sem uma única guitarra. A escassez aguça sempre o engenho.

A malta mais arty preferirá os mais experimentais Good e The Night. Quem, contudo, der primazia à beleza e eficácia pop das canções, terá aqui o seu álbum favorito. Na dúvida, ouçam todos, pois a memória desta grande banda dos nineties está a desvanecer-se. Não deixem Mark Sandman morrer outra vez.