quarta-feira, 10 de julho de 2024

Review: Paul McCartney – Ram (1971)

 


Quando um relacionamento acaba muita coisa vem à tona, e o mesmo acontece quando uma banda encerra as suas atividades ou muda de formação. Agora, imagine o que acontece quando uma banda que era praticamente uma família desmorona. Foi isso o que aconteceu com os Beatles.

John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr viveram juntos durante praticamente toda a década de 1960, do suado início até o sucesso e super estrelato, passando por muitas loucuras juntos, para bem e para o mal. Quando a banda acabou, uma série de rancores ganhou a luz do dia, resultando em acusações diretas e indiretas além de uma longa batalha nos tribunais pelos direitos do legado do grupo.

A ruptura mais visível aconteceu entre Lennon e McCartney, responsáveis pela maioria esmagadora das composições e ideias de discos, filmes e tudo mais. Quando Paul gravou o álbum Ram, a quantidade de alfinetadas do baixista destinadas a Lennon e sua esposa Yoko Ono foram tantas que acabaram ajudando na promoção do disco e despertando a ira do ex-companheiro, que deu a resposta com o álbum Imagine (1971), que veremos mais adiante. “Dear Boy”, “Too Many People”, “The Back Seat of My Car”: você pode escolher qual provocação quer escutar.

Ram é o segundo álbum de Paul e o primeiro e único creditado a ele e sua esposa Linda, nos mesmos moldes que Lennon e Yoko faziam - aliás, seis canções (“Dear Boy”, “Uncle Albert/Admiral Halsey”,” Heart of the Country”, “Monkberry Moon Delight”, “Eat at Home” e “Long Haired Lady”) tiveram Linda nos créditos ao lado do esposo.

As provocações a John e Yoko já começam na arte do disco. Enquanto na parte da frente da capa Paul segura os chifres de um carneiro (animal que dá o nome ao álbum em uma clara referência à fazenda do artista na Escócia, onde as músicas nasceram), na parte de trás existe uma foto com dois besouros (“Beatles”) tendo relações. Se Lennon já ficou bem furioso com esta foto, imagine então o momento em que ele escutou o LP pra valer.

A
 bolacha já começa com a primeira provocação, “Too Many People”, que aparentemente desce a lenha em pessoas que tentam fazer alguma lavagem cerebral ou doutrinação nas demais. McCartney declarou mais tarde que Lennon estava em uma espécie de pregação constante, motivando a letra da canção, que em um trecho com tradução livre ficaria desta maneira:

“Muita gente está esperando por uma boa oportunidade
Esse foi o seu primeiro erro
Você pegou a sua oportunidade a partiu ao meio
E agora, o que pode ser feito por você?”

Musicalmente é uma faixa agradável, cheia de entusiasmo e com passagens bem animadas com uma clara pegada Beatle - e não era para menos, pois, McCartney era um dos responsáveis pelo som do Fab Four - com solos de guitarra de Hugh McCracken, precisos, curtos e despretensiosos.  Uma boa abertura com a cara de Sir Paul, sem dúvida alguma.


Já em “3 Legs”, Paul deixa as ofensas de lado em um blues simples que funciona muito bem e tem um refrão grudento, enquanto “Ram On” é uma deliciosa composição, uma homenagem escondida aos  Beach Boys (antigos “rivais” dos Beatles nos anos 1960) guiada por um ukelele  melódico e agradável de se ouvir (influência de George Harrison?) e que vai evoluindo no decorrer da música, com direito a assovios. Bem curtinha, mas marcante.

O disco ganha cores com “Dear Boy”, com camadas de vocais entrelaçados no melhor estilo Beatles (novamente) e harmonia impecável guiada pelo piano. A música, um dos destaques do álbum, foi descrita pelo próprio Paul como um relato sobre o primeiro casamento de Linda, porém, Lennon tinha certeza absolutas de que esta canção era mais uma provocação direta. Mesmo com Macca negando, a letra deixa interpretações duvidosas:

“Espero que nunca saibas, querido rapaz
O quanto você perdeu
E mesmo quando você se apaixona, querido rapaz
Não será tão bom como este
Espero que você nunca saiba o quanto você perdeu”

E você, o que acha?

Dando continuidade chegamos a “Uncle Albert / Admiral Halsey”. Que música fantástica, com a pegada McCartney em todos os detalhes: efeitos de chuva, orquestração impecável da Orquestra Filarmônica de Nova York, uma melodia que muda completamente do nada de andamento e linhas vocais que só Paul poderia imaginar. Vale dar uma olhada no clipe divertido disponível lá no YouTube.

“Smile Away” tem um clima mais rock and roll raiz, com direito a vocais acompanhando a música toda e uma guitarra calcada nos anos 1950. Se para muitos Paul ainda não havia encontrado o seu som definitivo pós-Beatles, “Smile Away” consegue manter o clima alto com uma pegada impressionantemente animadora. “Heart of the Country” é uma linda canção acústica, um dos pontos altos do disco e que remete muito às composições de Paul nos tempos do famoso duplo White Album, de 1968.

“Monkberry Moon Delight” traz um Macca cantando de maneira rasgada em uma faixa intensa e com diversos elementos interessantes, enquanto “Eat at Home” tem uma melodia pegajosa bem simples e que, apesar do grande sucesso na época, soa um pouco abaixo do restante do disco - mas como mencionei anteriormente, McCartney ainda estava em busca de uma identidade neste início da década, e que só encontraria em 1973 com o clássico Band on the Run. A mesma situação acontece com “Long Haired Lady”, uma canção que apenas complementa o disco e não acrescenta muito musicalmente ao trabalho. Aliás, “Long Haired Lady” poderia ter sido substituída tranquilamente por “Another Day”, um grande sucesso e de qualidade bem superior lançada como single na mesma época e que acabou entrando anos depois nas versões do álbum como bônus. Concorda comigo?


Para a reta final surge do nada “Ram On” em uma reprise bem rapidinha (deslocada, diga-se) antes de dar passagem para um dos pontos altos, “The Back Seat of My Car”, que fecha o trabalho. Na letra, Paul diz “acreditamos que não podemos estar errados”, e esse trecho foi compreendido por John como uma provocação novamente. Lennon, aliás, encontrou diversas outras alfinetadas diretas, mas vamos ficar com estas três que citei por serem as mais evidentes, tudo bem? Provocações deixadas de lado, a música é extremamente emotiva com lindas orquestrações (novamente cortesia da New York Philharmonic) e passagens de sopros que dão um clima erudito ao estilo pop da composição. 





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