Richard Hell era um rapaz excêntrico, inquieto, interessado em fazer coisas à sua maneira, rebelde e desarmante, ansioso por ser uma estrela de rock. Tudo o que conquistou deveu-se a isso, mas tudo o que perdeu teve igual origem. Em 77, no mesmo ano em que a sua antiga banda lançou Marquee Moon, Richard Hell formou os Voidoids e deu ao mundo a sua Blank Generation. Do disco dos Television já tudo se disse. Ao disco de Hell nunca se lhe fez a justiça devida.

Talvez nem todos saibam que Richard Hell (o “apelido” deriva do inferno que o próprio dizia ser a sua vida) e Tom Verlaine foram grandes e bons amigos no início da década de setenta. Ambos, depois de terem assistido a um portentoso concerto dos New York Dolls, decidiram formar uma banda que pudesse concorrer com a musicalidade e a paródia em palco testemunhada nesse longínquo dia. A maior pressão terá vindo de Richard e, na verdade, algum tempo depois, os amigos deram à luz os Neon Boys, futuros Television. O início parecia prometedor para ambos, mas o choque entre as duas cabeças foi-se dando cada vez com mais estouro e a separação acabou por ser inevitável. Richard Hell já não chegaria a gravar o seminal Marquee Moon, mas nesse mesmo ano, em setembro, lança Blank Generation e inicia o seu irregular percurso discográfico. Voltou aos discos mais tarde, mas de maneira errática. A literatura foi o caminho que seguiu de forma mais consistente. Até hoje, diga-se.

O uso e abuso de drogas pesadas afastaram-no de muitas coisas. Dos Television, em primeiro lugar, uma vez que Tom Verlaine lidava mal com os vícios do então amigo (sem esquecer o facto de Hell nunca ter perdoado Tom Verlaine por lhe ter “roubado” a canção “Blank Generation”, o que terá sido o ponto final na relação entre ambos), mas também da música durante um bom período de tempo, uma vez que, depois de ter lançado o álbum que está na base deste artigo, Richard Hell teve mesmo de se retirar para “tratamento”. A loucura do jovem adulto de Kentucky era extrema, mas marcou o seu tempo. Os cabelos em pé, as roupas rasgadas, o ar desesperado e marginal foram determinantes para a moda punk que se instalou por aquela altura. Mas vamos ao disco, que a ideia é retirá-lo do esquecimento a que parece ter sido votado há muito.

Punk é agressividade e energia virulenta, certo? Blank Generation tem tudo isso. Punk é anarquia e revolução, certo? Blank Generation tem tudo isso. Punk é destruição, drogas e sexo, certo? Em Richard Hell e em Blank Generation há tudo isso. Mais ainda, o álbum tem ótimas descargas de eletricidade pura (leia-se canções) e, por estranho que pareça, permanece um clássico oculto. Como obra punk que verdadeiramente é, nela encontramos a visão anti-sociedade, anti-amor, anti-whatever que sempre caracterizou o movimento. O tema que dá título ao álbum reflete bem o vazio de toda uma geração sem grandes perspectivas de futuro, de gente que olhava para esse mesmo futuro encontrando nele um buraco sem fundo e sem saída, mas também de gente com vontade de o preencher desordeira e desordenadamente mas de forma criativa, de gente com vontade de viver depressa e, se tivesse mesmo de ser, morrer cedo. Importava o momento, o inferno do momento como ponto de partida e de fuga para qualquer outra coisa que o tempo viesse a trazer. “I belong to the blank generation and /
I can take it or leave it each time / I belong to the ___ generation but / I can take it or leave it each time”. Estes versos sintetizam o disco e a urgência da canção.

Para Richard Hell pouco importava a maneira de cantar, a qualidade do canto (chega mesmo a tossir, enquanto canta, num dos temas do disco), ou o timbre da voz. Tudo isso se nota em “Love Comes In Spurs”, ou em “Liars Beware”, em que guincha como se não houvesse amanhã (lembram-se do slogan punk No Future?) ou ainda em “New Pleasure”, “Who Says?” e “Another World”. Tudo é histórico neste disco, também ele seminal porque influenciador. Os Sex Pistols, por exemplo, derivam diretamente do look de Richard Hell, como várias vezes afirmou o insuspeito Malcolm McLaren. No visual e na música, bem entendido. Os The Clash, em parte, também. Assim sendo, Blank Generation deve ser considerado um estrondoso triunfo. Honra lhe seja feita, ouvindo-o com a urgência que merece.