Na tentativa de ganhar visibilidade com os millennials e de não ser barrado à porta de discotecas de famosos, Paul McCartney alia-se aos produtores da moda. Porém, Egypt Station fica muito aquém da qualidade do ex-Beatle.
Paul McCartney sempre foi, erradamente, considerado menos sério que John Lennon nos Beatles. A ideia que perdurou, ao fim destas décadas todas, é que era Lennon quem escrevia as canções mais interessantes (“Help!”, “In My Life”, “Nowhere Man”, “Strawberry Fields Forever”, “A Day In The Life” ou “Revolution”) e que Paul era o tipo mais light, com músicas mais superficiais (“Love Me Do”, “All My Loving”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Hey Jude” ou “Let It Be”). Ou seja, o verdadeiro talento nos Beatles estava em John Lennon.
O seu percurso pós-Beatles poderá ter dado azo a essa ideia preconcebida, mas a verdade é que ela não corresponde à realidade. Músicas como “Eleanor Rigby”, “She’s Leaving Home”, “The Fool On The Hill”, “Blackbird”, “Helter Skelter”, “Oh Darling” ou “I’ve Got a Feeling” mostram que Macca não só não era menos interessante que Lennon, como era o mais completo músico da banda, tanto a nível vocal como instrumental. A amplitude da sua voz e a impressionante capacidade de tocar uma variedade de instrumentos deviam ser predicados suficientes para se olhar para Sir Paul por um outro prisma e, ao contrário do que muitas pessoas pensam, era Paul e não Lennon quem mais cedo esteve interessado na contracultura e na vanguarda. Exemplo disso está na utilização de fitas para a composição da soberba ‘Tomorrow Never Knows’, canção de Lennon de Revolver, um dos primeiros exemplos de música psicadélica em discos pop/rock, que, sem a intervenção de Paul, não teria tido o mesmo efeito. Também toda a concepção de Sgt. Pepper e Magical Mystery Tour partiu de Paul, enquanto todos os outros estavam um pouco perdidos em relação ao rumo a tomar.
No entanto, por muito importante que tenha sido Paul McCartney nos Beatles, a sua carreira a solo foi, certamente, a mais decepcionante. Enquanto os menos mediáticos Ringo e George surpreenderam na década de 70 e Lennon manteve a sua bitola alta, Paul foi bastante errático e inconsistente ao longo da sua longa carreira, carreira essa que começara da forma mais surpreendente com dois discos bem caseiros, com Paul em estado depressivo, a carpir mágoas com o fim da sua banda de sempre, algo que não se adivinhava ao sempre alegre Paul. O resultado traduziu-se em dois dos mais honestos discos da sua carreira e que, até aos dias de hoje, ainda estão no pódio dos seus melhores trabalhos. Finda a depressão, o ex-Beatle lança-se a fundo numa nova banda, Wings, e resolve atirar às malvas o DIY, entrando na onda dos 70s soft-rock.
Contudo, a verdade é que de 1970 a 2018, e mais de vinte álbuns depois, fica a sensação de que com um Lennon ao seu lado a contrabalançar toda o constante fluxo pop, Paul poderia ter feito discos bem mais conseguidos. Contam-se pelos dedos de duas mãos os que são de real valor, e o seu melhor disco dos últimos 35 anos já data de 1997 – Flaming Pie – curiosamente escrito após os anos em que esteve a supervisionar o projecto Beatles Anthology. Não há coincidências…
A partir do século XXI, Paul quis voltar a ser relevante e não apenas visto como um ex-Beatle. Voltou a entrar nas contas dos óscares com “Vanilla Sky”, música para a banda-sonora do filme homónimo e, em 2005, fechou o cartaz do dia que marcou a reunião dos Pink Floyd, no evento Live 8. Ele, que começara a ir para a estrada com uma nova banda, com membros muito mais novos do que ele, recuperando músicas mais obscuras do seu catálogo Beatle, como ‘Helter Skelter’ ou ‘I’ve Got a Feeling’, de modo a mostrar às novas gerações que não era apenas o velhote que compôs a música dos sapinhos.
Tendo voltado a estar na moda, Paul não quis descer tão cedo desse pedestal. Em 2005 pede ajuda a Nigel Godrich, produtor de Radiohead e Beck para dar um ar mais moderno ao seu som. Apesar de tudo, Chaos and Creation In The Backyard continua a ser um típico disco de McCartney, apenas com menos música para encher, como costuma normalmente acontecer.
Em 2018, Paul continua a querer mostrar ao mundo que está bem vivo. O episódio de 2016, onde ele, Beck e Taylor Hawkings, dos Foo Fighters, foram barrados à porta de uma discoteca do rapper Tyga, numa festa pós-Grammies, deverá ter feito Sir Paul pensar que afinal já não será tão conhecido como poderia pensar. Por via disso terá pensado que deveria começar a fazer com que o seu som chegasse aos millennials. NEW, disco de 2013, já começava a percorrer essa estrada, mas é em 2018, com Egypt Station, que Paul chega ao seu destino. O resultado final, porém, não é o mais feliz. Acompanhado dos produtores da moda, neste caso Greg Kurstin, também responsável por discos de Adele, Lana del Rey, Beyoncé ou o último de Foo Fighters, Paul não consegue replicar em Egypt Station aquilo que começou a fazer a partir de Flaming Pie, passando por Driving Rain, Chaos and Creation ou Memory Almost Full, discos que marcaram um certo renascimento na carreira do ex-Beatle.
Egypt Station é, no geral, um disco entediante e feito por alguém que está a ficar sem ideias, mesmo tendo em conta que todos os discos de McCartney têm uma percentagem de músicas nesse registo. Os pontos fortes estão nas suas músicas mais descontraídas como “Come Home To Me” e “Who Cares” ou nas mais honestas como “Happy With You”, “Hand in Hand” ou “Dominoes”. Em contra-ponto, “Fuh You”, produzida por Ryan Tedder, membro da banda juvenil One Direction, é má que doi. É Paul a tentar ser moderno e contemporâneo, mas a falhar redondamente. No mesmo registo negativo, “Back in Brasil” é outra cançoneta que faria Lennon revirar os olhos de vergonha.
Entre algumas canções mais conseguidas e outras mais esquecíveis, fica a sensação de ser um disco demasiadamente longo (16 músicas) e onde Paul se esquece que o seu talento costuma vir mais ao de cima quando pauta pela simplicidade, quando se senta ao piano, ou acompanhado pela sua guitarra acústica.
O problema prende-se com o facto de, feliz ou infelizmente, McCartney achar que o seu próximo nº1 está apenas ao virar da esquina, o que, convenhamos, aos 76 anos não se afigura uma tarefa fácil nem plausível, sendo que Egypt Station é apenas mais um exemplo dessa ambição pouco conseguida. Pior: é mais uma evidência da sua incrível capacidade em criar novas músicas, mas também da frustrante realidade de muitas serem apenas projectos menores, ideias incipientes daquilo que será ainda capaz de fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário