segunda-feira, 23 de setembro de 2024

“Fly By Night” (Mercury Records, 1975), Rush

 



Após o lançamento do álbum de estreia em 1974, a banda canadense Rush enfrentou uma crise significativa com seu baterista John Rutsey (1952-2008). Apesar da boa receptividade do álbum, Rutsey mostrou-se relutante em se comprometer com a intensa agenda de turnês. Além disso, sua condição de saúde, decorrente de complicações da diabetes, tornava impraticável sua participação na vida na estrada com a banda. 

No documentário Rush: Beyond the Lighted Stage, lançado em 2010, o guitarrista Alex Lifeson e o baixista e vocalista Geddy Lee afirmaram que os motivos de Rutsey deixar o Rush foram outros. Enquanto Rutsey preferia um estilo mais direto de hard rock, influenciado por bandas como Bad Company, Geddy Lee e Alex Lifeson inclinavam-se para o rock progressivo, inspirados por bandas como Yes, Genesis e Pink Floyd. Essa divergência musical gerou um estado de tensão dentro da banda que culminou na decisão de Rutsey de deixar a banda que ajudou a criar. A última apresentação de Rutsey como membro do Rush ocorreu em 25 de junho de 1974, em Ontário, no Canadá. 

Com a saída de Rutsey, Rush se viu obrigado a buscar um substituto em um curto período de tempo devido aos compromissos com a agenda de shows. A banda realizou audições e, finalmente, entre cinco candidatos, escolheu Neil Peart (1952-2020) como o novo baterista. Peart se juntou oficialmente à banda em 29 de julho de 1974, apenas duas semanas antes da primeira turnê americana do Rush. A nova formação fez sua estreia abrindo para Uriah Heep e Manfred Mann na Civic Arena, Pensilvânia, diante de onze mil pessoas. 

Rush em 1974, ainda com John Rutsey (à esquerda), Geddy Lee e Alex Lifeson.


Além de assumir as funções de baterista, Peart também se tornou o principal letrista, introduzindo um estilo lírico mais literário que diferenciava significativamente o som da banda do seu álbum de estreia autointitulado. Com sua entrada no Rush, Neil Peart não apenas assumiu o posto de novo baterista da banda, mas também marcou uma mudança estilística crucial que atendia ao que Lee e Lifeson almejavam para o Rush. Essa nova direção musical foi essencial para o desenvolvimento da identidade sonora do Rush, que teve como ponto de partida seu segundo álbum de estúdio, Fly by Night. 

O álbum Fly by Night foi gravado no Toronto Sound Studios, em dezembro de 1974. A produção ficou aos cuidados da própria banda Rush e do produtor Terry Brown, que foi responsável pela remixagem do álbum de estreia do trio canadense. As gravações de Fly by Night ocorreram entre os compromissos de shows agendados. 

Lançado em 14 de fevereiro de 1975, Fly by Night chegou às lojas trazendo em sua capa a icônica ilustração de uma coruja, obra do pintor e ilustrador italiano Eraldo Carugati (1920-1997). O artista foi um sobrevivente dos campos de concentração na Itália, na 2ª Guerra Mundial. Após o fim do conflito, Carugati mudou-se para os Estados Unidos. 

A produção polida, a clareza e o equilíbrio das performances de Fly by Night marcam uma evolução significativa no estilo musical do Rush, iniciando um processo de transição do blues-rock para um som mais voltado para o rock progressivo. No entanto, o álbum apresenta faixas na linha do hard rock e outras com elementos acústicos em que a banda flerta com a folk music. As linhas de baixo de Geddy Lee são proeminentes, enquanto o trabalho de guitarra de Alex Lifeson é poderoso e complexo. Fly by Night confirmou o papel de Neil Peart como novo baterista do Rush, elevando a musicalidade e a sofisticação lírica da banda. Músico culto e leitor ávido, o profundo conhecimento literário de Peart permitiu-lhe escrever letras bem elaboradas, explorando temas de fantasia, ficção científica e filosofia para as canções do Rush, tornando-o letrista principal da banda. 

Detalhe da contracapa de Fly By Night com a nova formação do
Rush com Neil Peart ao centro.


O álbum começa com o hard rock "Anthem" e sua introdução espetacular, na qual Neil Peart apresenta suas viradas de bateria demolidoras, que somadas ao baixo de Geddy Lee e à guitarra de Alex Lifeson criam uma sonoridade pesada e compacta, mas ao mesmo tempo dotada de um incrível domínio técnico. Para escrever a letra desta música, Peart inspirou-se na novela distópica "Anthem", da escritora e filósofa russo-americana Ayn Rand (1905-1982), publicada pela primeira vez em 1938. Os versos incentivam o indivíduo a encontrar o seu próprio caminho e manter a autoestima elevada para não ser subjugado por ninguém: “Saiba que seu lugar na vida é onde você quer estar / Não deixe que eles te digam que você deve tudo a mim / Continue olhando pra frente, não há porque olhar em volta / Mantenha a sua cabeça longe do chão que eles não vão conseguir te derrubar”. 

"Best I Can" é um hard rock que remete ao Rush do álbum de estreia. A letra expressa as dificuldades que o eu lírico encontra na sua vida e a incerteza que tem do futuro. Ao mesmo tempo, reflete sua ambição e determinação em alcançar os seus objetivos, apesar das suas limitações. 

O peso do hard rock prossegue com "Beneath, Between and Behind", que começa com riffs de guitarra que lembram o som do Led Zeppelin. A letra de "Beneath, Between and Behind" foi a primeira escrita por Neil Peart para o Rush, e versa sobre fatos históricos dos Estados Unidos como a sua independência em 1776, a expansão do oeste e o genocídio indígena. 

A letra de "Anthem" foi escrita por Neil Peart inpirando-se na novela de mesmo
nome escrita po Ayn Rand (foto), de publicada pela primeira vez em 1938. 
 

Encerrando o lado 1 está "By-Tor and the Snow Dog", a faixa mais longa do álbum, com pouco mais de oito minutos de duração, e que revela a primeira inclinação do Rush para o rock progressivo. Foi a primeira experiência do Rush com composições longas e divididas em várias partes. A letra de "By-Tor and the Snow Dog" retrata uma luta épica entre o bem e o mal. By-Tor, o cavaleiro das trevas, simboliza a malevolência e as forças do submundo, enquanto o Snow Dog representa a pureza e a retidão. A batalha começa e, finalmente, By-Tor é derrotado e recua para o Inferno. A vitória do Snow Dog traz alegria e salvação ao mundo superior, simbolizando o triunfo do bem sobre o mal. 

Musicalmente, "By-Tor & The Snow Dog" atravessa mudanças dinâmicas de ritmo e melodia. Começa com riffs vigorosos de guitarra que progridem através de uma sequência de batalha complexa caracterizada por mudanças de andamento e instrumentais intrincados, culminando numa resolução triunfante. A estrutura da música reflete o arco narrativo do conflito entre By-Tor e o Snow Dog, mostrando o virtuosismo musical da banda e a habilidade de contar histórias. 

O lado 2 de Fly by Night começa com a faixa-título, que é uma das músicas mais populares da carreira do Rush. Neil Peart foi quem escreveu a letra, que conta um pouco da sua experiência, aos 18 anos, em deixar o Canadá para ir morar em Londres, em busca de novos desafios: “Voar pela noite, para longe daqui / Mudar minha vida de novo / Voar pela noite, adeus minha querida / Meu navio não está vindo e eu não posso fingir”. 

A faixa seguinte, "Making Memories", abre uma sequência de canções mais voltadas para uma sonoridade eletroacústica, entre o folk rock e a folk music. "Making Memories" é um folk rock cuja letra, escrita por Neil Peart, faz referência à vida da banda na estrada fazendo turnês. 

"Rivendell" é uma linda balada folk à base de voz e um violão dedilhado que traz todo um clima medieval. A letra tem como inspiração o reino élfico que dá nome à canção e que faz parte da trilogia O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien (1892-1973). Os versos descrevem um retiro sereno e pacífico, livre dos problemas do mundo, um santuário onde se pode encontrar o descanso e a tranquilidade. 

Fly by Night encerra com "In The End", uma música que começa acústica, evolui para um hard rock de ritmo lento e termina da forma como começou. Seus versos tratam sobre perseverança, autodescoberta e destacam a importância do esforço pessoal para que o indivíduo alcance os seus objetivos.

Além de exímio baterista, Neil Peart era um ávido leitor,
cujo conhecimento literário elevou a qualidade das letras das canções do Rush,
ao assumir também o posto de letrista na banda.

Logo que foi lançado Fly by Night , em fevereiro de 1975, o Rush iniciou uma turnê promocional do álbum que durou até junho daquele ano. A turnê passou pelos Estados Unidos e Canadá, com apresentação da banda em 70 cidades, abrindo shows do Kiss e do Aerosmith. 

Embora Fly by Night  não tenha recebido uma grande aclamação da crítica musical como um todo, o álbum foi reconhecido por muitos como um passo significativo para o Rush, preparando o terreno para seu sucesso futuro e trabalhos mais amplamente celebrados. A revista Circus elogiou Fly by Night  por sua complexidade musical e inovação, observando a mudança do Rush em direção a elementos progressivos. Já a revista Creem foi mais crítica: apreciou a habilidade técnica da banda, mas mostrou-se mais favorável ao rock direto do álbum de estreia do Rush. A Melody Maker fez uma crítica favorável, destacando o objetivo ambicioso do álbum, os arranjos intrincados e a influência significativa de Neil Peart. 

Nas paradas de álbuns do Canadá, " Fly by Night alcançou o 9° lugar, enquanto na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos, o segundo álbum de estúdio do Rush ficou em 113°. Comercialmente, Fly by Night foi bem no mercado americano, onde alcançou a marca de 1 milhão de cópias vendidas, enquanto no Canadá, terra natal do Rush, o álbum vendeu apenas 100 mil cópias. 

Como bem pode sugerir o título do álbum, Fly by Night representou uma espécie de decolagem do Rush rumo à sua consagração. O trabalho de Terry Brown na produção e a chegada de Neil Peart na condução da bateria e como principal letrista da banda foram pontos fundamentais para o processo de transformação estética da banda. Com uma evolução musical significativa e letras profundas, o álbum é um testemunho da capacidade do Rush de inovar e se reinventar. A dedicação e o talento dos membros da banda estabeleceram as bases para futuras experiências mais acentuadas do Rush no rock progressivo a partir de seus álbuns subsequentes Caress of Steel (1975) e 2112 (1976).

 

Faixas

Todas as letras escritas por Neil Peart , exceto onde indicado.

 

Lado 1

1.“Anthem” (Geddy Lee/Alex Lifeson/Neil Peart)

2.“Best I Can” (Geddy Lee)

3.“Beneath, Between and Behind” (Alex Lifeson/Neil Peart)

4.“By-Tor and the Snowdog” (Geddy Lee/Alex Lifeson/Neil Peart)

I.“At The Tobes Of Hades”

II.“Across The Styx”

III.“The Battle”

IV.“Epilogue”

 

Lado 2

5.“Fly By Night” (Geddy Lee/Neil Peart)

6.“Making Memories” (Geddy Lee/Alex Lifeson/Neil Peart)

7.“Rivendell” (Geddy Lee/ Neil Peart)

8.“In The End” (Geddy Lee/Alex Lifeson)

 

Rush: Geddy Lee (vocais, baixo e violão clássico), Alex Lifeson (guitarras elétricas, violões de 6 e 12 cordas) e Neil Peart (bateria, percussão e letras)



Ouça na íntegra o álbum Fly By Night


"Fly by Night" (videoclipe original)

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