Independança foi um pequeno OVNI que demorou a aterrar e a ser entendido na história do pop-rock made in Portugal. As dissonâncias e as avarias apresentadas no disco roubaram o discernimento ao público consumidor, e o insucesso comercial foi garantido. No entanto, é um disco importante e histórico. Um marco do início do boom do rock português dos anos 80.

Com o boom do rock português do início dos anos 80 do século passado, muitas foram as bandas que começaram a debutar. Embora a música elétrica já por cá andasse a batalhar por um espaço próprio desde a década anterior, foi com os eighties que os discos e os sucessos de muitos deles conseguiram impôr-se no panorama musical da época. Se é verdade que esse momento novo teve Rui Veloso como pai (o álbum Ar de Rock, de 1980, inaugurou, de facto, um período importante na expansão da musica rock feita em Portugal), também não deixa de ser verdadeiro o facto de que o progenitor do pop-rock mais clever clever e mais antenado com algum experimentalismo foi assumido pelo Grupo Novo Rock, os GNR do nosso contentamento. O álbum que os viu nascer teve Independança como nome de batismo e destacou-se por ser verdadeiramente novo e inesperado. Fugiu ao estilo do rock mais básico e vulgar feito na altura (sem quaisquer juízos de valor na adjetivação que utilizamos, note-se) e embrenhou-se por caminhos mais sinuosos e vanguardistas. O resultado dessa aposta foi, a curto prazo, o escasso sucesso comercial. No entanto, o tempo veio a dar razão às vontades que terão presidido à sua feitura. Independança é um marco importante e incontornável na história do rock português e um momento único na carreira da banda portuense que agora festejamos no Altamont.

Independança é um disco bastante atrevido, ousado e corajoso, quando o que importava, na altura em que foi produzido e lançado, era fazer mais do mesmo, Alexandre Soares, Vítor Rua, Tóli César Machado, Miguel Megre e Rui Reininho apostaram em algo diferente e arrojado. O destaque maior vai para o ritmo, para a vertente dancável da música, tudo feito com elevado grau de independência criativa. A junção destas ideias justifica plenamente o título do disco, como é fácil perceber. Apesar de em Independança se encontrar “Hardcore (1º Escalão)”, tema que serviu de single de apresentação do élepê e que viria a ser um clássico do grupo, o disco não teve sucesso comercial, embora a crítica lhe tenha dado a devida importância e reconhecimento. Na verdade, não havia no álbum nenhum “Chico Fininho” que pudesse ser cantarolado por uma multidão crescente de portugueses ávidos de rock cantado na língua de Camões. Dos oito temas originais que dele fazem parte, nem um seguia esse caminho mais comercial, digamos assim. Antes pelo contrário. De temas como “The Light” (belo e soturno como poucos, com estranho e fragmentado início, para depois ceder espaço ao piano e à voz), “Independança” (curto e instrumental) e principalmente “Avarias”, que preenchia totalmente a rodela B do álbum, repleto de alguma loucura e desvario experimental, não se poderia esperar outra coisa que não fosse estranheza e inquietação por parte dos sôfregos consumidores lusos. Foi, nesse sentido, um delicioso tiro nos pés, o que os GNR deram com Independança. Em vez de um simples álbum de tendência pop-rock, fizeram um disco de veia arty bem saliente, onde se nota um ou outro piscar de olhos aos sons dos Joy Division (“Bar da Morgue”) ou Velvet Underground (“The Light”), por exemplo.

A passagem do tempo, ao mesmo tempo que pode provocar esquecimento, também nos surpreende muitas vezes em sentido contrário. Essa mesma instância arbitrária da duração das coisas, tantas vezes castradora e fúnebre, também pode assegurar vida renascida e imortalidade. Os temas “Agente Único”, “O Slow Que Veio do Frio” e “Dupond & Dupont” são a prova do que dizemos, assim como também aconteceu, de forma ainda mais evidente, com o já referido “Hardcore (1º Escalão)”.

Independança foi o primeiro passo de uma extensa história discográfica de muitos e bons álbuns, de muitas e belas canções que foram ficando mais hinos do que apenas canções, de inúmeros e fantásticos concertos em terras lusas e até mesmo fora das nossas fronteiras geográficas. Os GNR sempre primaram pelo bem gosto, por vezes inusitado e requintado, um bocado fora da box do entendimento comum. Independança será, talvez, o melhor e mais perfeito exemplo disso. Ainda bem que assim foi. Ainda bem que assim (ainda) é.