O belíssimo disco de estreia dos Reis da República é um caldeirão onde cabe pop, psicadelismo e prog, num dos melhores trabalhos que a música portuguesa nos deu este ano.

Demos de caras com os Reis da República num Baile Rock Altamont, há coisa de três anos, nos quais estes garotos nos surpreenderam e agarraram de imediato. Na altura, o que nos marcou os sentidos foram a energia, alguma ingenuidade e muita vontade de fazer música, que já era evidentíssima.

No ano da graça de 2018, chega-nos Fábulas, o primeiro álbum da banda de Lisboa, que se segue a um EP mais rockeiro, que já tem algum tempo. Neste percurso, desde o dia em que os vimos no pequeno mas carismático palco do Sabotage, no Cais do Sodré, a grande dúvida seria de caminho, ou melhor, o que o caminho faria a esta malta. Iriam polir a sua pop libertária e anárquica? Iriam fixar-se num dos pontos fortes do seu som e especializar-se nele? Iriam colocar ainda mais ingredientes no seu caldeirão de influências evidentes?

Podemos dizer, agora, que nada tínhamos a temer. Fábulas mostra-nos uma banda que, tendo como matriz a estrutura da canção pop, não se limita a fazer o óbvio. Neste cozinhado inesperado cabe muita coisa: pop, rock, psicadelismo, prog, toques pastorais, blues e outras coisas que, de tão misturadas, se tornam difíceis de identificar (o que, aliás, é desnecessário).

Não que o disco seja atafulhado. Tudo soa limpo e tudo soa fácil. Simplesmente, os Reis da República recusam-se a ficar quietos num só cantinho, e isso não facilita a tarefa infrutífera e vã de os colocar numa qualquer gaveta. Se esta indefinição é sinal, na maior parte das bandas jovens, de indecisão, em Fábulas há uma descomplicação estilística absolutamente encantadora. Sejam as flautas que surgem inesperadas mas tão refrescantes e adequadas, seja a voz naif e ao mesmo tempo segura de Madalena Tamen – confortável e sedutora nos vários registos -, seja nas teclas progressivas de José Sarmento, que dão ao som da banda boa parte do seu carácter distintivo e diferente.

Em 2015 falámos dos Reis da República como se os Arctic Monkeys, em vez de quererem ser os Strokes, quisessem ser os Pink Floyd (ou os Gentle Giant, acrescentamos agora). Não podíamos saber, então, mas estávamos bem perto da verdade.

Fábulas é um disco fresco, surpreendente, sempre interessante, de uma banda que tem ideias musicais e, milagre!, não tem medo de ir atrás delas, a ver onde a ousadia vai dar. No meio de tanta coisa boa, só temos uma queixa: queríamos mais! Dez temas em 24 minutos deixa água na boca, e que vontade sentimos de que a banda se libertasse ainda mais em deambulações cósmicas. A viagem é bem boa, mas há tanto espaço sideral para explorar…

Os Reis da República são já um dos projectos mais interessantes a surgir na música portuguesa nos últimos anos. Com Fábulas assinam um belíssimo disco de estreia e, sem qualquer sombra de dúvida, um dos trabalhos mais marcantes da produção musical nacional de 2018.