quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Pavement – Crooked Rain, Crooked Rain (1994)

 

Um disco dissonante mas soalheiro, como se os Sonic Youth tocassem viola na praia ou os Dinosaur Jr. fizessem amonas aos Beach Boys.

Não se pode chamar bem Pavement ao trio que gravou Slanted and Enchanted (S&E): o mentor Stephen Malkmus, o co-fundador Spiral Stairs e o baterista ex-hippie completamente frito da pinha- Gary Young. Só com Crooked Rain, Crooked Rain (CRCR) é que uma banda propriamente dita se formou.

Já havia melodia em S&E mas estava tão soterrada em noise pós-punk e ruído shoegaze que quase nem reparámos. Agora, removida a distracção do barulho, o génio melódico de Stephen Malkmus revela-se em todo o seu esplendor. E a sensibilidade pop é tão descarada em CRCR que aconteceu mesmo uma completa anomalia na história dos Pavement: um pequeno hit, o orelhudo “Cut Your Hair”, com honras de rotação na MTV e tudo. A excepção para confirmar a regra de uma banda que sempre foi demasiado excêntrica para o gosto das massas.

Enquanto S&E fingia que o mundo só tinha começado em 1977, CRCR entabula um descomplexado diálogo com o classic rock. O resultado é um disco dissonante mas soalheiro, como se os Sonic Youth tocassem viola na praia ou os Dinosaur Jr. fizessem amonas aos Beach Boys. A voz descuidada de Malkmus, as afinações ah-que-giro-até-parece-desafinado e os solos completamente ao calhas formam uma estética perfeita da imperfeição. E a postura estamo-nos-completamente-a-marimbar-para-tudo-e-para-todos-e-sobretudo-para-nós-próprios dá-lhe um charme suplementar.

Aclama-se tanto a esquizofrenia estilística de Wowee Zowee  que se esquece o precedente de CRCR, um disco que se passeia com igual à vontade pelo alternative country (“Range Life”), o jazz (“5-4=Unity”) e até por uma justa homenagem ao avô do indie Lou Reed (“Heaven is a Truck”).

Só não é um álbum perfeito porque Spiral Stairs, apanhando Malkmus distraído a enrolar um joint, impingiu a sua “Hit the Plane Down”- um pastiche desinspirado dos Fall. Muitos dizem que Spiral Stairs é o George Harrison dos Pavement mas, a julgar pela amostra, será mais o seu Ringo.

As letras de Malkmus são bem dispostas e espirituosas, um bálsamo num tempo em que dominava a pompa melodramática do grunge. Os Pavement sempre fizeram questão de se demarcar da cena alternative rock pós-Nevermind, demasiado pretensiosa e fashionista para o seu apurado sentido indie. Ficaram célebres as farpas de “Range Life” contra os Smashing Pumpkins e os Stone Temple Pilots.

“Purple Rain, Purple Rain”, cantava Prince em 1984 na sua banheira de azeite. “Crooked Rain, Crooked Rain”, ironizavam os Pavement em 1994. Uma década – e milhões de gostobéis- separando as duas chuvas.



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