quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Pavement – Slanted and Enchanted (1992)

 

Recuperamos uma pérola do tão longíquo ano de 1992, que nos deixa com ganas de entrar num DeLorean e sentir novamente o que foi viver esse ano, mas agora sabendo o que sabemos hoje…

Foi um ano incrível para o rock, o de 1992. Vínhamos de um ano onde os R.E.M. tinham usado o seu aríete Out of Time para abrir o portão do castelo mainstream ao rock alternativo e nada ficaria igual. Logo no dia 11 de Janeiro, Nevermind destrona Dangerous, de Michael Jackson, mostrando a um mundo de incrédulos que o rock alternativo tinha capacidade para ir para além de rádios universitárias, que havia um mundo cheio de jovens a querer acesso ao que estava a ser feito em labels independentes. O portão ficou escancarado e num abrir e fechar de olhos a catadupa de bandas que entraram castelo adentro pareciam romanos comandados por Júlio César – veni, vidi, vici – Pearl Jam, Smashing Pumpkins, Stone Temple Pilots, Faith no More, Rage Against the Machine, Alice in Chains, até uns tais de Sonic Youth e bandas do momento como Lemonheads e Blind Melon ganharam direito a serem ouvidos. Deixo como prova final o lineup de artistas que tocaram no festival de Reading em 30 de Agosto de 1992 – Melvins, Screaming Trees, Mudhoney, Teenage Fanclub, L7, Nick Cave, Nirvana. Pelo meio, uns tais de Pavement.

Formados em 1989 pela dupla de guitarristas Stephen Malkmus e Scott Kannberg (aos quais se juntariam mais tarde Mark Ibold (baixo), Steve West (bateria) e Bob Nastanovich- percussionista), os Pavement começaram a ser falados em meios underground após lançamento de uma versão quase final deste Slanted & Enchanted em cassette. Mas só mesmo em Abril de ’92 é que foi lançado comercialmente pela Matador Records, para gáudio de um punhado de tipos e desconhecimento da grande maioria. Malkmus nunca quis saber de entrevistas, videoclips, ou qualquer outro tipo de material promocional, pelo que, e usando novamente a alegoria acima, foi mais Astérix que romano, fechado na sua aldeia a fazer música incrível sem concessões de qualquer espécie. Chafurdando nas influências de Replacements, Feelies, The Fall, guitarra lo-fi propositadamente desafinada, distorção a rodos, umas vezes cantando melodicamente, outras descontroladamente aos gritos, o caos é reinante. Mas o caos também pode ter o seu lado belo, e Slanted é uma boa prova disso mesmo. A herança punk corre nas veias de Malkmus, com o bom e o mau, ou seja atitude, estilo e preguiça em doses iguais. “No Life Singed Her”, terceira música do álbum, é a melhor evidência disto mesmo.

“In The Mouth a Desert” começa calma com uns acordes dedilhados tranquilamente, como se a aquecer a guitarra, para após 30 segundos explodir, literalmente. Uma explosão controlada, porque a melodia que sai das cordas vocais de Malkmus não permite que se vá mais longe, pelo menos não para já. Para isso temos de esperar até ao refrão onde só uma reacção é possível – gritar a plenos pulmões “I’ve been crowned / the King of it / and it is all we have”. Enquanto isso há uma parede sonora a decorrer em fundo, a criar uma intensidade tremenda, para uns meros segundos depois tudo cessar e voltarmos ao registo de verso normal. Malha do cacete.

“Conduit for Sale!” é insanidade total, que se sente sobretudo quando termina e mudamos, como se do dia para a noite, para “Zurich is Stained”. À nona música temos um dos momentos mais brilhantes dos Pavement – “Here” e onde Malkmus parece mais despido – “I was dressed for success / But success it never comes”. Porque no fundo a energia do álbum vem disto mesmo, de um slacker que vive no seu mundo, que aparentemente não se preocupa com o mundo à volta, mas que não deixa de necessitar de carinho e consolo. Nessa altura não havia o escape do Facebook, portanto escrever letras para um disco era o único caminho possível. Tudo isto contribuiu para Slanted ser intemporal.

Há uma dificuldade enorme em escrever-se sobre os Pavement – as pessoas para quem direccionamos o discurso ou sabem tudo ou não sabem nada sobre eles. A grande maioria estará no segundo grupo, eventualmente tê-los-á como mais uma bandeca que se safou às custas dos Nirvana e conseguiu ter uma música na MTV (“Cut Your Hair”). Mas por alguma razão a reunião que fizeram em 2010 esgotou salas mundo fora, com quase um ano de antecipação. Quem os conhece a sério sabe da sua incrível influência em vários artistas que vieram depois, considerando-os banda essencial dos anos 90, bem mais do que muitos que venderam milhões de discos por aí. É ouvir-se os discos com a devida atenção para se perceber as razões que estão por detrás da devoção de tantos melómanos.


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