No seu primeiro disco a solo em mais de 25 anos, o eterno vocalista dos The Who traz-nos um conjunto de versões influenciado pelas suas referências R&B do início da sua carreira.

É difícil aceitar, mas Roger Daltrey, o deus louro à frente dos históricos The Who, tem agora 74 anos. Esta informação não é de somenos no momento em que edita o seu décimo disco a solo, e o primeiro em mais de 25 anos.

Daltrey sempre foi um bom cantor rock e um enormíssimo frontman, dando a expressão vocal e visual à música de Pete Townshend, o guitarrista que foi sempre a grande força criativa da banda de Quadrophenia.

A solo, Daltrey sempre se defrontou com a mesma dificuldade, o facto de não ser exactamente um compositor de grande qualidade, ou sequer quantidade (contam-se pelos dedos de uma mão as canções dos The Who por si criadas). Além disso, usou muitas vezes os seus discos para fugir do que considerava o espartilho rock da sua banda de sempre, o que o levou a terrenos pouco recomendáveis (chegou a gravar canções dos Eurythmics, o que não faz bem a ninguém).

Neste novo As Long as I Have You, o assunto é despachado com destreza. Dos 11 temas, só dois são da sua autoria, com Daltrey a escolher a dedo músicas que o influenciaram ao longo dos anos, para lhes dar a sua versão. E com um bónus: o seu velho companheiro Pete Townshend trouxe a sua guitarra para dar uma mãozinha em estúdio, acabando por tocar em sete das canções.

Com os dois sobreviventes dos The Who a trabalharem juntos, poderíamos estar aqui perante um novo e derradeiro disco desse conjunto. Na verdade, não é isso que sucede. Este é, efectivamente, um disco de Daltrey, e Townshend teve a grandeza e a humildade de vir tocar, sim, mas sem querer tomar conta das operações.

A abertura do disco é bem boa, com o tema-título, que é um cover ritmado e energético de uma canção celebrizada há muitas décadas por Garnet Mimms. É um bem conseguido regresso aos tempos, no início dos anos 60, em que os The Who ainda se chamavam The High Numbers e prometiam, nos seus concertos, “maximum R&B”.

Este registo reaparece ao longo do disco, ainda que sem a energia deste primeiro tema: a banda é naturalmente competente, com uma forte secção de metais e um bom coro feminino que vai facilmente do doo-wop à soul.

O problema é que o disco vai perdendo coerência e foco à medida que vai apresentando outras propostas. A versão de “Into My Arms”, de Nick Cave, por exemplo, não tem nada de errado, mas também não acrescenta nada de novo, nem nos arranjos, que são tão simples e minimais como no original.

Outro tiro numa direcção diferente é a energética “How Far”, de Stephen Stills, ou as sentidas baladas “Certified Rose” (dedicada à filha de Daltrey) e “We’re Always Heading Home”, que são as duas únicas músicas originais do cantor e pontos altos e pungentes.

Talvez seja a falta de unidade entre os temas aquilo que impede As Long as I Have You de ser um grande disco. A voz de Daltrey continua em forma e, a tempos, é comovente vê-lo a regressar a esses registos R&B que tanto a apaixonaram no início da carreira. Mas falta qualquer coisa, um rasgo, uma fome final, talvez.

Não sendo um álbum estrondoso é, ainda assim, um disco digno, honesto e a espaços profundo, de um senhor de 74 anos que será para sempre um Deus do Rock.