O melhor e mais equilibrado disco de estúdio da banda de Rockford, Illinois.

Faz esta primavera precisamente 40 anos que os norte-americanos Cheap Trick davam os primeiros passos rumo ao estrelato. O homónimo disco de estreia e In Color, (ambos editados em 1977) já tinham sido esclarecedores quanto às intenções do quarteto de Illinois, mas faltava-lhes alguma vitalidade e pujança na parte dos arranjos. O caso mais gritante é a versão de “I Want You to Want Me” que soa uma canção pop delicodoce completamente a milhas do monstro rock que o mundo iria ouvir (e dançar) dois anos depois no mítico Live at Budokan.

Voltando ao estúdio, os Cheap Trick apostavam para Heaven Tonight uma produção com mais destaque para guitarras e uma inovação: o baixo de 12 cordas de Tom Pettersson. O resto manteve-se, a produção de Tom Werman (caso de sucesso em outros artistas americanos da época como Blue Oyster Cult ou Ted Nugent); o sentido beatlesco apurado para uma boa melodia na escrita de canções e a habitual dose de tentar misturar vários estilos que vão desde o rock, ao heavy metal, ao punk e até aos novos ventos que sopravam da new wave.

O segredo dos Cheap Trick sempre foi o mesmo. A voz certinha de Robin Zander a contracenar com as piruetas e macacadas do guitarra-solo, Robin Zander. Por detrás deles umas das melhores e mais discretas secções rítmicas de sempre: Petterson no baixo e Bun E.Carlos na bateria. Ao vivo faziam muitos estragos. Chegava a vez de o mundo comprovar isso num ambiente mais controlado de estúdio.

“Surrender”, a canção que abre as hostilidades das 10 que constituem o disco, é um hino adolescente ao rock e que usa imagens do folclore dos anos 70: “Whatever happened to all this season’s Losers of the year? Every time I got to thinking, Where’d they disappear? But when I woke up, Mom and Dad Are rolling on the couch, Rolling numbers, rock and rollin’ Got my KISS records out”

Tentem imaginar uns Big Star de Alex Chilton em pose descaradamente rock e chegam lá. Uma canção pop/rock perfeita.

Sim, os Kiss ainda estavam em alta e deram uma preciosa ajuda ao convidarem os Cheap Trick para fazerem as primeiras partes do sempre difícil e imenso mercado norte-americano. Heaven Tonight era um excelente cartão de visita recheado de boas músicas que confirmavam o estatuto de banda Top 40: Temos aqui as rockalhadas orelhudas de “On Top of the World”, “Auf Wiedersehen” e uma cover interessante dos Move, “California Man”, ainda fazendo parte de muitos dos seus alinhamentos ou ainda a excelente e furiosa “Stiff Competition” ainda recentemente revisitada pelos Foo Fighters no documentário Sonic Highways.

No entanto, digno de interesse é também o outro lado dos Cheap Trick, mais experimental, muito amarrado na tradição melódica Beatles. “Heaven Tonight”, “How Are You” são ótimos pastiches de fazer inveja a um George Harrison ou ao seu alter- ego chamado Jeff Lynne dos Electric Light Orchestra. Não admira que poucos anos mais tarde o produtor George Martin já estivesse a trabalhar com os Cheap Trick ou até mesmo que Jack Douglas, produtor do último disco de Lennon, “Double Fantasy” chamasse metade da banda (Nielsen e Carlos) para uma versão mais rock de “I’m Losing You”.

Com as suas credenciais firmadas, o melhor ainda estava para vir aquando da digressão da banda pelo Japão. A bolha estava prestes a explodir e, se até então os Cheap Trick eram apenas mais uma banda americana, passaram a ser um fenómeno mundial com Live at Budokan e no ano a seguir com Dream Police.

O “céu” só durou meia dúzia de anos, mas foi o suficiente para a banda aguentar mais umas boas décadas com maior ou menor grau de sucesso. Hoje em dia tocam no circuito “classic rock” mas, mesmo para quem os viu como eu em 2011 num Coliseu dos Recreios vazio, ainda se fartam de rock n rollar. Em 2016 entraram no Rock n Roll Hall of Fame. Com todo o mérito.