Nem sempre é preciso perceber tudo para se concluir que estamos perante um grande disco e, seguramente, o mais elaborado trabalho de quem já se mostrou capaz de conquistar o mundo com um riff de uma corda só. Boarding House Reach é mesmo de ouvir.

“Over and Over Over”, a sétima de doze, e “Respect Commander”, a nona no alinhamento de Boarding House Reach, começam com guitarra, riffs diretos, crús. Mas se a primeira mantém a toada até final, nem em “Respect Commander” o velho Jack White se mantém à vista, à desarmada pelo menos, por muito tempo. Ao terceiro disco a solo, White baralha o jogo, dispara para longe da sua zona de conforto, para longe da nossa também.

É dele o melhor riff dos últimos vinte anos, é dele a coroa de salvador do rock, há muito que também é sua a responsabilidade de nos proteger, a nós os amantes de rock. E se quem devia zelar pela nossa sobrevivência falhar? E se subitamente, quem carrega tamanha responsabilidade – e a defesa do rock é assunto sério – decidir chamar a estúdio a banda de apoio de Kendrick Lamar?

Na Blitz descrevem-no como o pior disco da carreira de Jack White, no Guardian como o seu trabalho menos comercial, mas merecedor de 4 em cinco estrelas. Na Pitchfork não o perceberam – “Tudo é um mistério, menos a vontade de nos afastarmos” – e carimbaram-no com 4,7 em 10, enquanto na Rolling Stone o disco é visto como um desafio à identidade do autor, à própria história do rock, merecedor de 3,5/5, um trabalho “estranhamente relevante”.

Mas vamos então por partes. O que já sabemos? Que consensual nunca será e que é diferente de tudo o que já fez. E boa música, tem? Continuaremos por partes.

O arranque – “Connected by Love” – denuncia o que nos espera, um embalo eletrónico que, estranhamente, nunca deixa de soar a White. Segue-se “Why Walk a Dog” e um dos grande s momentos do disco – “Corporation”, não soa a White Stripes, a Raconteurs ou a Dead Weather, soa a uma versão funky de White. Chocado, heresia? Talvez, mas só depois se seguem os momentos mais polémicos do disco – “Abulia and Akrasia” não passa de um lamento declamado; entre pianos e riffs eletrónicos, em “Hypermisophoniac” a viagem é igualmente estranha e “Ice Station Zebra” a heresia torna-se evidente – White a rimar numa música que não destoaria num dos melhores discos de Beck.

Se nos White Stripes resgatou o rock, se entre Raconteurs e Dead Weather começou a mostrar que valia bem mais que um punhado de grandes riffs, agora White apresenta o disco mais complexo de sempre para revelar uma evidência. Não contem com ele para bater recordes de vendas, não contem nunca em ter vida fácil no momento de o arrumar numa gaveta. Duvidam? Fica aqui mais um pormenor – entre a guitarra e os órgãos em “Respect Commander” há uma sucessão de samples que nos levam a recordar a clássica “Looking for the Perfect Beat” de Afrika Bambaata. Baralhados? O melhor é mesmo ir ouvir – “Get in the Mind Shaft”, por exemplo. Quanto mais não seja porque nem sempre é preciso perceber tudo para se concluir que estamos perante um grande disco e, seguramente, o mais elaborado trabalho de quem já se mostrou capaz de conquistar o mundo com um riff de uma corda só.