Ao terceiro capítulo, Jonathan Wilson acrescenta ao seu rock clássico algumas incursões sobre o soft rock. As canções continuam belíssimas mas a sua desmedida ambição prega-lhe algumas rasteiras.

Parece que o senhor Wilson anda desgostoso de amores, e que escreveu Rare Birds para esconjurar demónios e lamber feridas. Saudamos a linda senhora que lhe quebrou o coração, pois do leito da sua dor nasceram belíssimas canções (soubéramos também nós transformar o fel da perda no mel da criação).

Desilusões amorosas à parte, avisemos, desde já, os leitores mais modernaços: Wilson continua a nutrir um profundo desprezo pela contemporaneidade (e encontramos poucas razões para o censurar). Mas enquanto Gentle Spirit e Fanfare estavam acantonados no rock clássico (aquela irrepetível idade de ouro que vai de ’67 a ’74), Wilson lembrou-se agora de escutar também os discos mais recentes da colecção dos seus pais, quando estes deixaram de ser hippies e se renderam ao soft rock dos Fleetwood Mac, ao rock operário da E-Street Band, à pop paranóica de Peter Gabriel ou mesmo, ó heresia!, ao melodismo açucarado dos Abba (sim, amigos- encontramos ecos de todas estas referências no multifacetado Rare Birds). Saudamos a renovação estilística: os singles “Over the Midnight” e “Loving You” são grandes canções, tipo War on Drugs mas em bom.

Não se pense, porém, que o rock mais velhinho ficou esquecido. Os Floyd e os Beatles projectam uma sombra demasiado grande para facilmente se lhes escapar, mesmo até quando se estilhaçaram em carreiras a solo (que o digam a guitarra arredondada de George Harrison e o lirismo conceptual de Roger Waters, intrusos mais do que bem-vindos por aqui). Invejosos, Neil Young e os Kinks também batem à porta. A todos Jonathan deixa entrar, mas com o devido respeito e parcimónia. Por mais citações a que recorra, Wilson é suficientemente sensato para soar sobretudo a Jonathan Wilson. E não há objectivo mais nobre para um criador do que soar a si próprio.

As melodias bonitas de Rare Birds seriam mais do que suficientes para nos encher a alma. Mas Wilson é guloso, quer sempre mais e mais, e por isso embrulhou as suas canções numa produção doentiamente perfeccionista, camadas sobre camadas sobre camadas, num festim luxuriante de sons de fazer inveja a Sgt. Peppers. Que Wilson use e abuse das pistas de gravação não nos incomoda: o seu bom gosto redime-o, e os nossos headphones agradecem. Onde a sua desmedida ambição o trai é no tamanho duracell das suas canções: que duram, e duram, e duram…

Nas baladas introspectivas do disco, sucede um vício semelhante: o tempo demasiado lento, os silêncios demasiado longos. Compreendemos perfeitamente que os desgostos amorosos do senhor Wilson convidem à lentidão melancólica e obsessiva ruminação (quem nunca pecou que atire a primeira neura). Mas a estética é senhora implacável, não quer de todo saber de atenuantes sentimentais. Se há lição elementar em matéria de gosto é justamente esta: quando a fatia é demasiada grossa, até o bolo mais delicioso do mundo acaba por enjoar.

Pudéramos nós ter uma tesoura mágica, cortando o que está aqui a mais. Pudéramos nós desbastar os “monos” de seis minutos, transformando-os em elegantes canções pop de três minutos. Pudéramos nós extirpar os silêncios excessivos e acelerar o metrónomo nas baladas. Então, Rare Birds seria uma obra-prima. E não apenas este óptimo disco.