Tim Bernardes fez um pequeno compêndio sonoro onde a dor e o sentimento de perda se espreguiçam em várias latitudes, movendo-se de mágoa em mágoa e de angústia em angústia.
Conseguimos suportar toda a tristeza, toda a angústia e solidão do mundo, desde que possamos encontrar beleza em quaisquer dessas circunstâncias. Em muitos casos, como tão bem sabemos, quanto mais sombrio, mais belo. Quanto maior a dor, mais nos confortamos na satisfação encantatória desse padecimento, que sendo alheio (como aqui é o caso), é também nosso por um estranho efeito de simpatia sentimental. Não há nada de novo nestas ideias, mas é bom tê-las presentes, sobretudo quando nos chega aos ouvidos um disco como este: Recomeçar.
Apesar de não se encontrar à venda entre nós o primeiro disco em nome próprio de Tim Bernardes, há já algum tempo que pode ser ouvido nas múltiplas plataformas digitais espalhadas pelos ares da net. Talvez não vos diga muito, o nome deste brasileiro. Apesar de Recomeçar ser o seu primeiro trabalho a solo, Tim Bernardes já atuou por terras lusas, e tem ainda uma carreira de três álbuns lançados nos últimos seis anos com a banda O Terno, responsável pelo melhor indie-rock que se vai fazendo no país onde “tudo cresce e floresce”. No entanto, o que aqui se ouve está bem distante do que se pode escutar nos discos do grupo de São Paulo.
O piano e os arranjos de cordas do tema que abre o disco – “Abertura (Recomeçar)” -, marcam o tom de todo o trabalho. Todos os atributos da tristeza estão aí, à nossa frente: melancolia, angústia, mágoa, dor de alma, amargura, tudo traduzido pelos sons que iniciam o álbum. Depois, dito de forma sintetizada mas certeira, desenrola-se um lote de canções fabulosas, sofridas todas elas, mas com um efeito de catarse como há muito não ouvíamos em tão vasto conjunto de temas. A primeira a esmagar-nos os sentidos é “Talvez”, e os versos cantados pela frágil voz de Tim Bernardes dizem-nos coisas como “Eu vou pra outro lugar / Talvez não seja pra mim / O que eu quero não vai vir / Eu nunca vou chegar”. É o princípio da desistência, o que aqui ouvimos. Mais tarde, em “Tanto Faz”, a mesma certeza, o mesmo estado de alma: “Tanto faz / Quem saiu, quem entrou / Tanto faz / De que lado ficou / Tanto faz / Eu vou sempre perder”. E continua…
O sentimento de perda pode ser traumático. Por vezes cresce como erva daninha, fazendo-nos definhar até não podermos mais dizer do que um suspiro. São muitos esses lamentos, ora porque “Ela não vai mais voltar / Não tem depois essa vez”, ora porque “Não foi por mal / Mas que fez muito mal pra mim / Fez mesmo”. Como se afirmou no início destas linhas, o tom é sempre o mesmo, mas as nuances sonoras e sentimentais alimentam o brilho de todas as treze canções de Recomeçar. E assim se anda até à confissão de que “Hoje eu morri por dentro”.
Tim Bernardes é o autor de tudo o que aqui escutamos. Para mais, uma vez que é multi-instrumentista, toca quase todos os instrumentos que no disco se podem ouvir, desde pianos, órgãos, violões, guitarras, bateria, baixo e ainda mais uns quantos que seria fastidioso aqui nomear. Como se percebe logo à primeira audição, Tim Bernardes fez, em múltiplos sentidos, um disco egotista. Talvez seja uma consequência de não se poder expressar desta forma tão desabrida na banda que ajudou a formar em 2009. No entanto, e apesar da vastidão de dor e desencanto que sentimos existir em Recomeçar, há um fundo de esperança que vai crescendo aos poucos até à faixa final. Uma luz que mora num qualquer lugar incerto, que existirá para além do pesar e da amargura.
Ouvir Recomeçar faz-nos bem ao corpo e à alma. Pode purificar-nos, trazendo ao de cima algum embrião de dor que possamos ter no fundo das nossas consciências, para depois, finalmente, se poder ”Recomeçar / Recomeçar”.
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