Pela definição não será um “one hit wonder”, até porque teve alguns êxitos menores entre 1983 e 84 e somou ao sucesso global de “19” o impacte significativo de dois outros singles que chegaram logo depois: “Just For Money” e “Dont’ Waste My Time”. Mas, quase 40 anos depois, e sob o efeito da erosão sobre a memória que muitas vezes se abate sobre tantas obras gravadas em disco, Paul Hardcastle é, sobretudo, lembrado pelo episódio de visibilidade planetária que conquistou em 1985 com uma canção que, um ano antes de “Platoon” de Oliver Stone e dois antes de “Full Metal Jacket” de Stanley Kubrick, mas já sob o impacte recente do visionamento do documentário “Vietnam Requiem”, produzido em 1982 pela ABC News, voltou a colocar a guerra do Vietname num patamar de evidência maior nas esferas da cultura popular.
Nascido em Londres em 1957, com primeiras experiências profissionais na música em 1981 como teclista da banda de música soul Direct Drive, ao que se seguiu uma primeira etapa a dois partilhada com o vocalista Derek Green nos First Light (que geram dois singles com algum sucesso entre 1983 e 84), Paul Hardcastle começa a editar discos em nome próprio em 1984. Lança primeiros singles e até um álbum (“Rain Forest”) em várias etiquetas independentes até que a Chrysalis o chama ao seu catálogo. A estreia dessa nova etapa faz-se ao som de “19”, uma canção que herda a pulsação funk com músculo eletrónico que o músico vinha já a desenhar em edições anteriores, mas junta não só uma estrutura rítmica mais intensa programada numa caixa de ritmos Roland TR808, uma linha de baixo vincada num Minimoog, que pisca o olho ao então emergente electro, e, acima de tudo, uma coleção de frases sampladas (com elementos do documentário “Vietnam Requiem”) que moldam em volta do tema instrumental uma série de olhares sobre quem tinha combatido na guerra do Vietname (com uma idade média de 19 anos, daí o título), juntando como cereja sobre o bolo um refrão de escola soul na linha de outras experiências por si assinadas por aqueles dias.
“19” alcançou o número um em vários mercados (sobretudo na Europa), colocando o músico na berlinda na altura em que apresentava um novo álbum ao qual chamou simplesmente “Paul Hardcastle”, do qual nasceram “Just For Money” (novamente em registo narrativo com vozes sampladas e refrão cantado) e “Don’t Waste My Time” (aqui em terreno mais convencional, numa canção de alma pop e funk). Logo depois, já em 1986, entrou em cena “The Wizzard”, mais uma experiência electro funk encomendada pelo programa “Top of The Pops” para o qual passou a ser a música do genérico. Foram já mais discretos, contudo, os dois singles retirados do álbum seguinte (“No Winners”, 1987), que encerraria o acordo com a editora através da qual a música de Paul Hardcastle viveu os seus momentos de maior exposição. Com obra posterior, sobretudo votada ao jazz a partir da virgem para os anos 90, a discografia de Paul Hardcastle soma hoje uma multidão de álbuns que, ao invés dos discos lançados em meados dos oitentas, não chegou tão longe. Não será objetivo de “Nineteen and Beyond: 1984-1988” dar a escutar o que acontecera antes desse período nem o muito que o músico criou depois. Mas, para sugerir uma visão completa dessa era fértil e bem sucedida eis que aqui se reunem, em quatro CD, os álbuns “Paul Hardcastle” (1985) e “No Winners” (1988) e ainda os muitos singles e máxis que, neste intervalo de tempo, revelaram composições (e remisturas da época) pelas quais se cruzam as visões de um teclista com escola funk e electro, interessado a trabalhar vozes de escola soul e já com evidentes sinais de interesse pelo jazz. O percurso de opções que se seguiram a “19” traduziu, como o próprio músico depois explicaria em entrevistas, o peso de muitas opiniões ao seu redor, umas vincando a necessidade de deixar de fazer discos “esquisitos” (sugerindo uma rota maisnstream), outras procurando caminhos seguros de sucessão para um êxito colossal. A resposta, longe das atenções, chegaria mais adiante, no percurso definitivamente votado ao jazz a que se dedicou. Todavia, como retrato do tempo em que aliou uma resposta pop à sua visão, esta integral da etapa 1984-1988 fixa um corpo de trabalho que, acima de tudo, faz de Paul Hardcastle um importante explorador de novas potencialidades para a música eletrónica em terreno apontado tanto à rádio (pop) como à pista de dança, antes do boom mais hegemónico que a house de Chicago e o techno de Detroit lançariam por volta de 1987. Nada como escutar “Rainforest” ou “King Tut” para reconhecer que há por aqui pistas perdidas a recuperar…

“Nineteen and Beyond: 1984-1988”, de Paul Hardcastle, é uma caixa de 4CD, também disponível nas plataformas digitais, num lançamento da Chrysalis.
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