Depois de anos e anos sempre a subir, os Xutos enfrentam o primeiro falhanço da carreira. A resposta chega na forma de Dizer Não de Vez, um disco de busca e de renascimento.

É o próprio resumo biográfico na página oficial dos Xutos que o assume: o início da década de 90 foi de crise para a maior banda rock portuguesa. “Mas tudo o que sobe tem de descer. Gritos Mudos, gravado no Brasil, é mal recebido, e a digressão do álbum já não arrasta as multidões de antes”, reza a entrada relativa a 1990. 1991 mantém o tom sombrio: “O ano da nova travessia do deserto. Poucos concertos, a saída de Gui e o envolvimento de Tim na Resistência”.

Prossigamos com a mesma fonte, agora olhando para 1992: “No ponto mais baixo da sua carreira, os Xutos retornam a estúdio e reerguem-se com duas dezenas de temas novos pensados para um álbum duplo. Em vez disso, e depois de discussões com a Polygram, o duplo é repartido por dois discos separados, o primeiro dos quais, Dizer Não de Vez, sai no fim do ano, antecedido pelo single “Chuva Dissolvente”.

Já não era habitual os Xutos passarem mais de dois anos sem editar discos, mas foi o que aconteceu entre o “acidente” de Gritos Mudos e a edição de Dizer Não de Vez. As dúvidas eram muitas, a banda refugiou-se num silêncio que prenunciava tempestade, e chegou a especular-se que o grupo se iria mesmo separar. Tim aproveitou este pousio forçado e lançou a Resistência, fenómeno de popularidade que só fez empalidecer ainda mais o momento público de forma dos Xutos. Parece-nos impossível, agora, mas a verdade é que, se os rapazes se têm separado no início dos anos 90, já teriam, de qualquer forma, ficado na História. Resistiram, também eles, embora com feridas.

Uma delas foi a saída de Gui, deixando a Tim, Kalu, Cabeleira e Zé Pedro a tarefa de adornar, em quarteto, a capa de Dizer Não de Vez. Para os Xutos, foi quase um recomeço, uma nova afirmação – lembrando os tempos de Cerco – de que ainda eram relevantes ou, melhor ainda, tinham coisas para dizer e fazer.

O disco acabou por se impor, vendendo mais do que o antecessor. Para a indústria, era a prova de que os Xutos ainda tinham seguidores, apesar de os ares dos tempos, subitamente, parecerem tê-los tornados anacrónicos, pouco sofisticados. No tempo em que a televisão e os videoclipes já ditavam regras, Dizer Não de Vez impôs-se, sobretudo, com um single demolidor e omnipresente: “Chuva Dissolvente” é um dos últimos grandes clássicos dos Xutos, e permanece justamente um tema muito acarinhado pelos fãs.

Apesar deste “regresso à vida”, Dizer Não de Vez até é um disco menos coeso e mais desigual do que o mal amado Gritos Mudos. Soa a uma banda com dúvidas, à procura de um novo caminho, ainda que com o carisma de sempre.

Temos “Lugar Nenhum”, música bonita e o mais próximo que os Xutos alguma vez soaram dos Pink Floyd dos anos 70; há o pseudo-rap de “Estupidez”, que chegou a monopolizar atenções sobre uma tentativa de modernização do som da banda, felizmente sem sucessão futura; tem os tambores tribais no início da forte “Lei Animal”; tem o quase-punk de “Alta Rotação”, mais perto do que os Censurados andavam na altura a fazer.

Há alguns equívocos, diga-se: “Poço da Salvação” tem um bom riff inicial mas parece inacabada, demasiado próxima da jam que provavelmente lhe terá dado origem; “Estupidez” é uma curiosidade histórica mas que é um tiro ao lado; e “Velha Canção da Cortiça” soa esquemática e desinspirada.

Mas há também coisas incríveis. “O que foi não volta a ser” é uma canção melodiosa de corpo inteiro, abrindo com um riff a soar a 82; “Chuva Dissolvente” é um hino absoluto, com Tim e João Cabeleira a brilharem a grande altura (e, no vídeo abaixo, uma versão ao vivo com Fernando Júdice e o saudoso João Aguardela); e “Dia de São Receber” é, até hoje, obrigatório em qualquer concerto dos Xutos, momento alto de Kalú e o seu grito de guerra: “aaiiiiiiiiiiii….a puta da minha vida!”.

Dizer Não de Vez é o início de uma nova fase para os Xutos, uma em que os discos – mais do que pelo seu peso colectivo – valem pelos singles que se distinguem e que vão ficando no alinhamento dos concertos. E marca o regresso de uma banda que – sabemo-lo agora – tinha deixado para trás os seus melhores discos, os da década de 80, que enchem um best-of sem qualquer dificuldade.

Ainda bem que continuaram, ainda bem que insistiram, ainda bem que resistiram. Pelas centenas de concertos que deram entretanto, pelos milhares de pessoas que, mês após mês, conseguem unir nos seus espectáculos e sim, pelas músicas que ainda nos vão dando.

É esse o valor de Dizer Não de Vez, que relançaria a carreira deste mamute do rock, quando as apostas estavam contra ele.