
Ao Vivo na Antena 3 é mais um marco na carreira dos Xutos e Pontapés. Até então, nunca os havíamos ouvido de forma tão óssea e tão crua. E isso foi uma enorme descoberta!
Este não foi o primeiro registo ao vivo da banda. Anos antes, em 1988, os Xutos e Pontapés haviam gravado Ao Vivo, resultado sonoro das célebres apresentações no Pavilhão do Clube de Futebol “Os Belenenses”, nos três últimos dias de Julho desse mesmo ano. Na sua versão original em vinil, o álbum conta com vinte e três temas, o que faz dele o trabalho de gravação mais extenso de sempre da banda. Já no caso do disco em questão, o Ao Vivo na Antena 3 é bem mais contido, bem mais económico no número de canções que apresenta, se quisermos perder tempo fazendo a comparação entre ambos. São apenas doze, mas que no seu formato acústico (a estreia desse modelo menos elétrico da banda dá-se precisamente aqui, neste registo) conquistaram um novo público, tendo sido igualmente bem recebido pelo fãs mais antigos. Mais importante ainda, o álbum lançado em 1995 tornou-se um registo histórico, mostrando uma banda segura, despida da eletricidade de todos os trabalhos anteriores, mais próxima da delicadeza que provavelmente desconhecíamos existir em canções como “Circo de Feras”, “Chuva Dissolvente” ou “Para Ti, Maria”. Assim, treze anos depois da estreia com 78/82, a banda de Tim, Zé Pedro, Kalú e companhia desligavam a ficha da tomada e faziam-se ouvir da forma mais despojada possível.
A moda unplugged tem na MTV a sua origem, como bem sabemos. Iniciou-se como programa de série nesse conhecido canal de televisão norte-americano no ano de 1989, e o Ao Vivo na Antena 3 será mais um reflexo dessa circunstância. Henrique Amaro, nome há muito ligado à locução radiofónica e à própria Antena 3, resolveu convidar a banda a gravar um disco especial. Foi assim o pontapé de saída. O resto é história, como se sabe. Foi a primeira vez que tal coisa se fez, uma banda a tocar em direto e ao vivo para o país inteiro. O Zé Pedro foi o único a torcer o nariz ao projeto, mas acabou por alinhar. Não se terá arrependido, seguramente. Quando a gravação foi feita, nem sequer havia a ideia de poder vir a ser editada em disco.
Em quase cinquenta minutos de música, é bom poder voltar a ouvir os clássicos acima mencionados, assim como “O Que Foi Não Volta a Ser”, “As Torres da Cinciberlândia“, tema que há muito não fazia parte dos alinhamentos elétricos da banda mas que em boa hora decidiram recuperar, ou “Remar Remar”, este último contando com a participação muito especial de Jorge Palma, artista convidado para dar som ao piano que se pode ouvir na canção dos “mares convulsos” e das “ressacas estranhas”. É difícil escolher um momento (uma canção) que se destaque verdadeiramente dos restantes. No entanto, se tal coisa nos exigissem, talvez tivéssemos de optar por “Homem do Leme“, que aqui se revela ainda mais bonita e repleta de particulares encantos. Mas logo outra nos vem à cabeça. A versão acústica de “Longa Se Torna a Espera” faz dela mesma uma nova canção. Suave e melódica como nunca havia soado. Ou ainda “Pequenina”, onde se ouve o excelente trabalho de guitarra do João Cabeleira, bem como os coros cheios de ternura. Nascia, desta forma, mais um álbum marcante na carreira do grupo.
Boa parte da escolha do repertório de Ao Vivo na Antena 3 foi pensado em virtude do formato acústico em causa. Assim se percebe a inclusão de “Doçuras” no alinhamento do espetáculo, por exemplo. Para poucos meios, as melhores soluções. O disco resultou tão bem que dele se fez uma tour acústica, o que depois de Direito ao Deserto calhou muito bem. É bom lembrar que os Xutos estavam com problemas na editora, e o sucesso deste Ao Vivo na Antena 3 foi bastante positivo para a banda voltar de novo e em grande ao panorama discográfico nacional. Esse foi o último registo para a Polygram, e a despedida fez-se com estrondo nas tabelas de vendas, chegando à platina.
Uma derradeira nota para a capa do álbum. Ela parece ser uma metáfora sobre aquilo que a banda representa. Os Xutos e Pontapés sempre foram elétricos, roqueiros até à medula, vibrantes e enérgicos. Para um disco acústico, nada melhor do que uma fotografia que os apanha de costas, do avesso, em contramão, digamos assim. Uma espécie de outra face menos conhecida da moeda que todos sabiam facilmente distinguir.
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