Na segunda metade dos anos 1970, nenhuma cantora no mundo era mais popular do que a norte-americana Donna Summer (1948-2012). Ela estava em todos os lugares: no rádio, na TV, nas capas de revistas e de jornais de todo o planeta. A disco music era a grande “febre” mundial, e Donna Summer era a própria personificação desse gênero musical. Ela era a “Rainha da Disco Music”.
Nascida LaDonna Adrian Gaines, em 31 de dezembro de 1948, em Boston, Estados Unidos, Summer havia se iniciado na música cantando nas igrejas protestantes da sua cidade natal. Em 1967, deixou Boston e partiu para Nova York onde se tornou vocalista da banda Black Crow. Naquela cidade, participou da montagem do musical Hair. Depois, ela foi para Munique, na Alemanha, onde participou da montagem alemã de Hair, e por lá decidiu ficar. Mudou-se para Viena, na Áustria no começo dos anos 1970, e lá casou-se com o ator austríaco Helmuth Sommer, em 1972, de quem acrescentou o sobrenome “Sommer”. No ano seguinte, ela teve a sua primeira filha, Natalia Pia Melanie Sommer.
Em 1974, de volta a Munique, Donna Summer conheceu os produtores Giorgio Moroder e Pete Bellotte, durante um trabalho de backing vocal no estúdio Musicland, de propriedade de Moroder. Ofereceram-lhe um contrato com o selo Oasis. No mesmo ano, a dupla produziu o primeiro álbum da cantora, Lady Of The Night. A capa do álbum trouxe um erro gráfico: ao invés de Donna Sommer, o nome da cantora com seu sobrenome de casada, a capa foi impressa como “Summer” (“verão” em inglês). Ela acabou assumindo o “Summer”, o que explica a origem do seu nome artístico.
Donna Summer, Moroder e Bellotte formariam uma parceria que se tornaria uma das mais bem-sucedidas da música pop nos anos 1970. Em 1975, Summer lança seu segundo álbum, Love To Love You Baby, gravado e produzido por Moroder e Bellotte em Munique, na Alemanha. Para entrar no mercado dos Estados Unidos, Summer assinou contrato com a gravadora norte-americana Casablanca Records, responsável pela distribuição dos discos da cantora nos Estados Unidos. A música que dá nome ao álbum chamou a atenção do público pelos sussurros e gemidos de Summer. O single da música chegou ao 2º lugar na parada da Billboard Hot 100, nos Estados Unidos, e consequentemente revelou Donna Summer para o mundo.
Capa de Love To Love You Baby, álbum que projetou Donna Summer para mercado da música pop internacional em 1975.
Daí em diante, a carreira de Donna Summer segue num caminho ascendente numa sequência de álbuns e de singles que alcançaram sucesso comercial, tudo sob a produção de Giorgio Moroder e Pete Bellotte, em Munique, Alemanha. Em 1976, Summer lança dois álbuns: em março o terceiro álbum, A Love Trilogy, que emplaca o hit “Could It Be Magic”, e em outubro, sai o quarto álbum Four Seasons Of Love, com o hit “Spring Affair”. No ano seguinte, em maio, sai o quinto álbum, I Remember Yesterday que traz a revolucionária “I Feel Love”, a primeira música 100% eletrônica a entrar nas paradas de sucesso, representando um marco e o futuro da música pop. Cinco meses depois, Donna Summer lança o seu sexto álbum, Once Upon A Time, em formato álbum duplo, o primeiro da carreira da cantora norte-americana, e que assim como os dois álbuns anteriores, ganhou o “Disco de Ouro”.
Em maio de 1978, estreia nos cinemas o filme Thank Good It’s Friday (no Brasil, Até Que Enfim É Sexta-Feira), estrelado por Donna Summer e Jeff Goldblum. O filme pega carona no rastro do sucesso do filme Saturday Night Fever (no Brasil, Os Embalos De Sábado À Noite) e é ambientado numa discoteca, onde Donna Summer faz o papel de uma cantora em começo de carreira, cujo sonho é se tornar uma estrela da disco music. O filme ganhou o Oscar de “Melhor Canção” por causa da música “Last Dance”, gravada por Donna Summer, chegando ao 3º lugar da Billboard 100. A trilha sonora do filme vendeu mais de 3 milhões de cópias e conquistou o topo da Bilboard 200, nos Estados Unidos.
Ainda em 1978, Summer lança em agosto daquele ano o seu primeiro álbum gravado ao vivo, Live And More, lançado em formato álbum duplo. O show gravado ao vivo aconteceu em junho de 1978, no Universal Amphitheatre , em Los Angeles, Califórnia, e fez parte da turnê do álbum Once Upon A Time. Live And More traz a versão ao vivo e em ritmo de disco music “MacArthur Park”, que conquistou o 1º lugar na Billboard 100, nos Estados Unidos.
Donna Summer em cena do filme Thank Good It’s Friday (no Brasil, Até Que Enfim É Sexta-Feira).
Naquele momento, num espaço de pouco mais de três anos, desde que havia estourado com o megahit “Love To Love You Baby”, Donna Summer havia alcançado o topo do cenário da música pop mundial. Com a discos music dominando o mercado fonográfico através das vendas de discos, paradas de sucesso radiofônico e as pistas de dança das discotecas de todo o mundo, Donna Summer havia se tonado a “Rainha da Disco Music”, amparada na sua coleção de hits, e de álbuns e singles que vendiam aos milhões em todo o mundo.
Apesar da fama, do prestígio e do dinheiro que havia conquistado, Donna Summer se mostrava insatisfeita com a imagem de “objeto sexual”. Se no começo, a sua imagem sexualizada havia ajudado a torna-la conhecida, àquelas alturas, isso já a incomodava. A “Rainha da Disco Music” queria mostrar ao mundo que era muito mais do que uma cantora pop sexy. Estava disposta a ir muito além, que era capaz de ser uma grande artista, que podia cantar outros estilos musicais e não ficar presa a uma imagem sexual ou mesmo a um modismo musical que mais cedo ou mais tarde poderia passar.
Para o seu próximo álbum de estúdio, Donna Summer estava decidida a conceber um repertório mais diversificado, aproximando-se de elementos do rock, soul, R&B e música eletrônica. Naquele momento, ainda que a disco music estivesse com a popularidade em alta, outros gêneros musicais como o punk e a new wave estavam em ascensão, e a “Rainha da Disco Music” parecia estar antenada com as novas tendências musicais. Summer queria dar continuidade à sua experiência bem-sucedida com a música eletrônica, iniciada com o megahit “I Feel Love”, em 1977. Na produção do novo álbum, Summer manteve a parceria vitoriosa com Giorgio Moroder e Pete Bellotte.
Giorgio Moroder e Pete Bellotte nos anos 1970.
A novidade nesse novo álbum é que pela primeira vez, Donna Summer iria gravar um álbum de estúdio fora Alemanha. O novo trabalho foi todo gravado em Los Angeles, nos Estados Unidos, entre dezembro de 1978 e março de 1979.E pela terceira vez consecutiva, Donna Summer apostou no formato álbum duplo.
Intitulado Bad Girls, o novo álbum de Donna Summer chegou às lojas em 25 de abril de 1979. A decisão de Summer de ampliar os seus horizontes musicais mostrou-se das mais assertivas. Os jornalistas da imprensa musical, que antes a viam com descredito, se mostraram bem receptivos com Bad Girls. Na sua edição de 18 de maio de 1979, o jornal The New York Times afirmou que o álbum foi um avanço na carreira de Donna Summer. Para aquele jornal, os álbuns anteriores, apesar de bons, davam a entender que as estrelas eram os produtores Giorgio Moroder e Pete Bellotte. Em Bad Girls, Summer conseguiu alcançar o que tanto almejava que era mostrar todo o seu potencial como artista.
Em junho de 1979, Donna Summer iniciou a Bad Girls Tour, uma turnê que percorreu os Estados Unidos e que se estendeu até dezembro do mesmo ano.
Composto por 15 faixas distribuídas em dois discos, Bad Girls possui um repertório pop diversificado e muito bem dividido. O disco 1 reúne faixas centradas na fusão de pop rock e disco music. O disco 2 traz num lado baladas românticas, e no outro lado, faixas dançantes com base instrumental eletrônica, uma continuação da experiência de Donna Summer iniciada com “I Feel Love”, em 1977.
O disco 1 começa com “Hot Stuff”, que apesar de ter “incendiado” as pistas das discotecas de todo o mundo na época, mostra claramente a aproximação de Donna Summer, uma estrela da disco music, com o rock. Serviria talvez de contraponto com as estrelas do rock, como Blondie e Rolling Stones, por exemplo, que fizeram o caminho inverso: flertaram com a disco music, respectivamente através de hits como “Heart Of Glass” e “Miss You”. As referências de rock em “Hot Stuff” se mostram por meio da bateria pesada de Keith Forsey, das camadas de teclados e do solo de guitarra de Jeff Baxter, guitarrista da banda The Doobie Brothers.
Jeff Baxter, guitarrista dos Doobie Brothers: solos de guitarra de rock em "Hot Stuff".
“Bad Girls”, faixa que dá nome ao álbum, segue a linha disco music convencional. Sua letra teria sido inspirada num fato verídico em que uma assistente de Donna Summer, foi ofendida por um policial que a confundiu com uma prostituta. O dono da gravadora Casablanca, Neil Bogart, queria que a música fosse gravada por Cher, mas Summer, co-autora de “Bad Girls”, rechaçou a ideia insistiu que ela mesma iria gravar. O tempo mostrou que a “Rainha da Disco Music” tomou a decisão certa.
A faixa seguinte, “Love Will Always Find You”, possui uma orientação pop rock. Sua letra tem conotação romântica, trata sobre a esperança no amor, afirmando que quando menos se espera, o amor chegará, não importa quando e onde.
“Walk Away” fecha o lado 1 do disco 1, uma música dançante com uma boa base percussiva ao fundo e uma guitarra funky. Um saxofone dá um toque de elegância e sofisticação à faixa. A letra é sobre alguém que superou uma desilusão amorosa.
O lado 2 do disco 1 abre com “Dim All The Rights” cuja introdução começa num ritmo lento, como se fosse uma balada romântica, mas ganha um ritmo mais dançante e rápido mais à frente após Summer emitir com sua voz, uma nota alta por cerca de 16 segundos. “Dim All The Rights” foi composta apenas por Summer, que apesar de ser uma disco music, guarda um teor romântico em sua letra através de versos bem singelos como os do refrão: “Dim all the lights sweet honey / 'Cause tonight it's you and me / No need to worry darlin' / 'Cause it's for eternity”. (“Apague todas as luzes, doçura / Porque esta noite é você e eu / Não precisa se preocupar querido / Porque é para a eternidade”).
“Journey To The Center Of Your Heart” possui a batida tradicional e a base instrumental da disco music, porém um solo de sintetizador destoa de todo o resto. “One Night In A Lifetime” tem como destaque os metais, um piano (instrumento não muito comum na disco music) e um baixo galopante. O disco 1 se encerra com “Can’t Get To Sleep At Night”, que possui uma base percussiva que dá robustez à música e é mais uma faixa disco do álbum com temática romântica, em que Summer canta sobre as dificuldades de se esquecer um antigo amor.
Imagem interna da capa dupla de Bad Girls.
“On My Honor” é quem dá início ao disco 2 do álbum duplo Bad Girls, e consequentemente a uma sequência de canções de amor concentradas no lado 3. A canção é uma balada calma e romântica, cuja letra é sobre uma mulher que decepcionou o homem que ela ama, e tenta de todas as formas reconquistá-lo.
Composta por Donna Summer, a linda “There Will Always Be A You” tematicamente possui uma conexão com a faixa anterior, um desdobramento. Nesta canção, Summer canta a saudade de uma mulher pelo homem que tanto amou. Em “All Through The Night”, é sobre uma mulher cheia de si, que alerta a um rapaz que ele não precisa ir tão longe procurando alguém para amar, pois ela é a pessoa certa.
“My Baby Understand” é outra canção de amor composta por Donna Summer, que começa com solos de piano. A canção como um todo possui arranjos que se aproximação de um rock balada, contendo um solo estridente de guitarra. “My Baby Understand” é sobre uma mulher que ressalta o amor e dedicação que o seu amante lhe dedica.
Após uma sequência de canções românticas do lado 3, o lado 4 do álbum é todo dedicado a faixas dançantes eletrônicas. Aqui, o papel de Giorgio Moroder, mestre da música eletrônica, foi fundamental ao produzir as bases instrumentais, apoiadas em sintetizadores. Mas vale destacar também o papel de Harold Faltermeyer, na época um jovem tecladista que já havia trabalhado com Moroder na trilha sonora do filme Midnight Express (no Brasil, O Expresso da Meia Noite), em 1978. Ele também tocou sintetizadores não só nas outras faixas do álbum, mas também, e especialmente, nas faixas mais voltadas ao eletrônico incluídas no lado 4 do álbum duplo. Anos mais tarde, Faltermeyer se dedicaria a compor trilhas sonoras para filmes, sendo a sua composição mais famosa “Axel F”, tema do personagem de Eddie Murphy no filme Beverly Hills (Um Tira da Pesada, no Brasil), de 1984. “Our Love” é quem abre a sequência de faixas eletrônicas do lado 4. Assim como “I Feel Love”, “Our Love” é mais uma parceria de Summer com Moroder que se tornou um clássico do pop eletrônico e que exerceu influência no synthpop, sobretudo nas bandas inglesas do gênero. A banda inglesa New Order já havia admitido que se inspirou na batida de “Our Love” para conceber a batida de “Blue Monday”, hit do grupo de 1983. “Lucky” vem na sequência, e traz Donna Summer cantando de maneira bem melódica e cheia de falsete sobre camadas de sintetizadores. “Sunset People” é a última música do álbum com uma batida rápida e dançante, como se quisesse anunciar o raiar dos anos 1980, afinal, ela trazia consigo elementos que mais tinham a ver com o pop que seria desenvolvido com a nova década que estava por vir.
Responsável pela base eletrônica de algumas faixas de Bad Girls, o tecladista Harold Faltermeyer trabalhou com Giorgio Moroder na trilha sonora do filme Midnight Express (1978).
Bad Girls conquistou não só opinião da crítica, mas também foi um grande sucesso comercial. O álbum duplo ficou seis semanas em 1º lugar da Billboard Hot 200, nos Estados Unidos. Em pouco mais de dois meses, já havia ultrapassado a casa de 1 milhão de cópias vendidas. Ao todo, Bad Girls vendeu 4 milhões de cópias.
O álbum rendeu seis singles: “Hot Stuff”, “Bad Girls”, “Dim All The Lights”, “Sunset People”, “Our Love” e “Walk Away”. “Hot Stuff” teve o seu single figurando em 1º lugar na Billboard 100, nos Estados Unidos, e em 5º lugar na Alemanha. O single de “Bad Girls” foi 1º lugar na Billboard 100, nos Estados Unidos, assim como esteve no topo das paradas de singles do Reino Unido e Canadá. “Dim All The Lights” também liderou o topo da Billboard 100, nos Estados Unidos.
Além do sucesso em vendas, Bad Girls teve um ótimo desempenho em premiações. Na edição de 1980 do prêmio Grammy, Donna Summer venceu na categoria “Melhor Performance Vocal Feminino de Rock”, desbancando roqueiras consagradas como Carly Simon e Bonnie Raitt.
A bela e a fera: Donna Summer e Giorgio Moroder.
No mesmo ano de 1980, na premiação do American Music Awards, Donna Summer venceu na categoria “Artista Feminina Favorita” no seguimento pop rock, e “Artista Feminina Favorita”, no seguimento soul/R&B. A música “Bad Girls” venceu na categoria “Canção Pop rock favorita”, deixando para traz dois megahits, “My Sharona”, do The Knack, e “Do Ya Think I'm Sexy? ”, de Rod Stewart.
Bad Girls foi o último trabalho de Donna Summer pela Casablanca Records. A cantora desejava explorar outros estilos e não ficar atrelada à disco, mas a gravadora discordava. Com o impasse, Summer deixou a Casablanca e assinou com a Geffen Records, gravadora que estava sendo fundada pelo empresário David Geffen. Sem a sua grande estrela, a Casablanca tentou faturar mais ainda com ela, e lançou no final de 1979, um álbum duplo reunindo os seus maiores sucessos, On the Radio: Greatest Hits Volumes I & II.
Donna Summer foi a primeira contratação da Geffen (John Lennon foi a segunda), e o seu álbum The Wanderer, foi o primeiro lançamento daquela nova gravadora. O álbum saiu em 1980, e mostra o direcionamento de Summer para o pop rock, com uma forte influência da new wave. Contudo, diferente de Bad Girls, The Wanderer não teve o mesmo impacto, e sua repercussão foi bem modesta.
Sucesso incontestável de público e de crítica, Bad Girls representou o ápice da carreira artística de Donna Summer, mas não significou apenas isso. O álbum duplo teve um significado emblemático, pois além de representar o ponto máximo na carreira de Summer, representou também o começo da decadência da disco music. Bad Girls já trazia nas suas faixas, indícios do que seria o futuro do pop dançante após a queda da disco music na década seguinte, baseados no recém-nascido synthpop e em elementos de renovação do rock através do punk e da new wave.
Faixas
Disco 1
Lado 1
"Hot Stuff" (Pete Bellotte, Harold Faltermeyer, Keith Forsey)
"Bad Girls" (Donna Summer, Joe "Bean" Esposito, Edward "Eddie" Hokenson, Bruce Sudano)
"Love Will Always Find You" (Pete Bellotte, Giorgio Moroder)
"Walk Away" (Pete Bellotte, Harold Faltermeyer)
Lado 2
"Dim All the Lights" (Donna Summer)
"Journey to the Center of Your Heart" (Pete Bellotte, Giorgio Moroder)
"One Night in a Lifetime" (Pete Bellotte, Harold Faltermeyer)
"Can't Get to Sleep At Night" (Bob Conti, Bruce Sudano)
Disco 2
Lado 3
"On My Honor" (Donna Summer, Harold Faltermeyer, Bruce Sudano)
"There Will Always Be a You" (Donna Summer)
"All Through the Night" (Donna Summer, Bruce Roberts)
"My Baby Understands" (Donna Summer)
Lado 4
"Our Love" (Donna Summer, Giorgio Moroder)
"Lucky" (Donna Summer, Giorgio Moroder, Joe "Bean" Esposito, Edward "Eddie" Hokenson, Bruce Sudano)
"Sunset People" (Pete Bellotte, Harold Faltermeyer, Keith Forsey)
Imagine combinar a guitarra elétrica distorcida de Jimi Hendrix (1942-1970) com o bandolim de Jacob do Bandolim (1918-1969), o molejo do samba com a energia do rock. Tais combinações até o começo dos anos 1970 parecia ser inimaginável até os Novos Baianos lançarem em 1972, o seu segundo álbum, o antológico Acabou Chorare.
Moraes Moreira (voz e violão), Baby Consuelo (voz e afochê), Paulinho Boca de Cantor (voz e pandeiro) e Luiz Galvão (letras) formaram o grupo que se tornaria os Novos Baianos, em Salvador, Bahia, em 1969. Em agosto do mesmo ano, o grupo fez a sua primeira apresentação para um grande público no espetáculo Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio, no Teatro Vila Velha, em Salvador. O quarteto teve como banda de apoio, Os Leif’s, formada por Pepeu Gomes (guitarra solo), Lico (guitarra base, Carlinhos Gomes (baixo) e Jorginho Gomes (bateria). Desse encontro, nasceu o romance entre Baby Consuelo e Pepeu Gomes, que acabaram se casando e tendo vário filhos.
A banda Os Leif’s foi a mesma que acompanhou Caetano Veloso e Gilberto Gil no show de despedida dos dois tropicalistas antes do exílio em Londres, realizado no Teatro Castro Alves, em Salvador, em julho de 1969. O show foi gravado e lançado em disco em 1972.
Em novembro de 1969, os Novos Baianos participaram do 5º Festival da TV Record, em São Paulo, onde defenderam a canção “De Vera”. Por incrível que pareça, como conjunto musical, Moraes, Baby, Paulinho e Galvão, ainda não possuíam um nome. No momento em que estavam prestes a se apresentarem no palco, como o grupo não tinha nome, nos bastidores, o coordenador do festival gritou: “Chama aí esses novos baianos!”. A expressão “novos baianos” se deve ao fato que até aquele momento, os tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, já eram os baianos consagrados daquela geração, enquanto que Moraes, Baby, Paulinho e Galvão eram os novatos, uma novidade. O quarteto acabou assumindo o nome Novos Baianos.
A participação dos Novos Baianos na quinta edição do Festival da TV Record foi breve, foram logo eliminados. Contudo, lançaram no mesmo ano pela gravadora RGE, o primeiro single que incluiu duas canções, “Colégio de Aplicação” e “De Vera”. No ano seguinte, lançam o primeiro álbum, É Ferro Na Boneca. O título vem de um bordão usado pelo consagrado radialista baiano, França Teixeira (1944-2013), “Ferro na boneca, minha cara e minha nobre família baiana! ”. Os Leif’s serviram como banda de apoio dos Novos Baianos nas faixas “Ferro Na Boneca”, “Eu De Adjetivos”, “Curto De Véu E Grinalda”, “Juventude Sexta E Feira” e “De Vera”.
É Ferro Na Boneca, álbum de estreia dos Novos Baianos, lançado em 1970.
Os Novos Baianos decidem migrar para o Rio de Janeiro, onde vão morar num apartamento no bairro de Botafogo. Porém, naquele momento, os Novos Baianos não se resumiam apenas a Moraes, Baby, Paulinho e Galvão. O grupo havia se tornado uma espécie de comunidade hippie, no qual, além do quarteto inicial, estava incluído uma nova banda de apoio dos Novos Baianos, que contava agora Pepeu Gomes (guitarra e violão), Dadi Carvalho (baixo), Jorginho Gomes (bateria e cavaquinho), Baixinho (percussão e bateria) e Bolacha (percussão) que atendia pelo singelo nome A Cor do Som. Somados a eles, estavam namoradas de alguns membros dos Novos Baianos e amigos. O apartamento de quatro cômodos virou uma “babel hippie”.
Foi durante a morada no apartamento em Botafogo que os Novos Baianos passariam por uma transformação que mudaria sensivelmente a orientação musical do conjunto. E essa transformação se deve a um artista: João Gilberto. Assim como Luiz Galvão, João Gilberto nasceu em Juazeiro, cidade ao norte da Bahia. Os dois já se conheciam, e como a trupe baiana estava morando no Rio, e João estava no Brasil após um tempo morando no México com a filha e esposa, as visitas do mestre da bossa nova ao apartamento dos Novos Baianos se tornaram constantes.
Nessas visitas constantes, a música era o assunto principal nas rodas de conversa. E foi durante essas conversas que João Gilberto apresentou àquele bando de cabeludos, artistas consagrados do samba como Noel Rosa, Ary Barbosa, Assis Valente dentre outros. João incentivava ao grupo a ideia da mistura de referências musicais, da fusão do som do rock com a tradição da música brasileira. Tal ideia mudaria para sempre a música dos Novos Baianos.
João Gilberto: ícone da bossa-nova e "guru" dos Novos Baianos.
A morada no apartamento de Botafogo tornou-se insustentável, e os Novos Baianos foram morar no sítio Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Espaçoso e bucólico, o sítio era o lugar ideal para modo de vida comunitário dos Novos Baianos. Tudo era dividido, até mesmo o pouco dinheiro que dispunham, que era colocado numa sacola atrás da porta da cozinha. A música e o futebol eram a rotina dos Novos Baianos. Ensaiavam e compunham pela manhã, e no final da tarde, jogavam futebol. Os amigos artistas como Gal Costa e o próprio João Gilberto, continuavam visitando os Novos Baianos na nova morada.
Numa dessas visitas ao sítio dos Novos Baianos, João Gilberto levou a sua filha, Bebel Gilberto, então com seis anos de idade, e que mais tarde tornou-se cantora. Brincando e correndo no chão batido do sítio, Bebel acabou caindo. A queda atraiu a atenção dos adultos que foram acudir a criança, que logo se refez do susto e disse “Acabou chorare, papai! ”. Como João Gilberto e sua então esposa, a cantora Miúcha, haviam recém mudado para o Brasil, a criança ainda não dominava o português. Porém, a frase acabaria virando uma canção e título de um dos mais aclamados discos da história da música popular brasileira em todos os tempos: Acabou Chorare.
Um outro João também acreditou no potencial musical dos Novos Baianos, João Araújo, diretor da gravadora Som Livre, pai de Cazuza, que futuramente se tornaria vocalista do Barão Vermelho nos anos 1980 e uma das maiores estrelas da história do rock brasileiro. Araújo resolveu apostar naquele bando de cabeludos: os Novos Baianos assinaram contrato com a gravadora Som Livre através da qual iriam lançar o segundo álbum. Recém-criada, a Som Livre ainda não possuía um estúdio próprio de gravação, logo, os Novos Baianos foram gravar o seu novo álbum no Somil, um estúdio de quatro canais, no Rio de Janeiro, especializado em gravação de áudio para cinema.
Mais do que um conjunto musical, os Novos Baianos haviam se tornado uma comunidade hippie.
Produzido por Eustáquio Sena e João Araújo, Acabou Chorare mostra não só uma mudança incrível na orientação musical dos Novos Baianos como também uma grande evolução da banda baiana em comparação ao primeiro álbum. O som coeso e muito bem elaborado é resultado de muito ensaio e dedicação por parte dos músicos, que quando foram ao estúdio para gravar o álbum, já estavam bem “afiados”. Em Acabou Chorare, os Novos Baianos mostram que seguiram à risca os ensinamentos do mestre João Gilberto, ao olharem para as próprias raízes musicais e conectar essas referências à música popular contemporânea. O que se ouve em Acabou Chorare é uma fusão de samba, rock, MPB, baião, choro, além da convivência harmônica entre a guitarra elétrica, baixo e bateria com cavaquinho, percussão, violão e craviola. Moraes Moreira e Pepeu Gomes ficaram responsáveis com a criação dos arranjos das faixas do álbum.
Dentre todas as faixas, apenas “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente (1911-1958), é a única que não foi composta pelos Novos Baianos. É justamente “Brasil Pandeiro” quem abre Acabou Chorare. O samba foi composto por Assis Valente para Carmen Miranda gravar, mas ela não gostou, preferindo gravar uma outra canção, “Recenseamento”. O grupo Anjos do Inferno foi quem acabou gravando “Brasil Pandeiro” em 1941. No entanto, trinta e um anos depois, o samba composto por Valente e que exalta o Brasil, a sua cultura e seu povo, ganhou uma versão definitiva com os Novo Baianos no álbum Acabou Chorare.
Baiano de Santo Amaro da Purificação, Assis Valente é o autor de "Brasil Pandeiro".
“Preta Pretinha”, a faixa seguinte, nasceu de uma desilusão amorosa de Luiz Galvão, quando conheceu uma garota em Niterói. Ela prometeu que iria morar com ele no apartamento junto à turma dos Novos Baianos, em Botafogo. Mas quando já estavam na barca que faz o trajeto Niterói – Rio de Janeiro, a tal garota desistiu da ideia, preferindo voltar para sua cidade natal e reatar o romance com o antigo namorado. Apesar de tratar-se de uma canção sobre o caso amoroso de Galvão, quem canta “Preta Pretinha” é Moraes Moreira, que faz a introdução com seu violão. Mais adiante, Pepeu Gomes mostra toda a sua habilidade nos solos de bandolim. A canção tem pouco mais de seis minutos, e carrega todo um clima de saudosismo.
Um solo de guitarra elétrica afiado e arrasador dá início a “Tinindo Trincando”, que conta com Baby Consuelo no vocal principal, que canta cheia de ritmo e graciosidade, em completa sintonia com a sessão percussiva da música. Em “Tinindo Trincando”, os Novos Baianos alternam durante a execução da música, rock e baião, o que mostra o quanto Moraes Moreira e Pepeu Gomes eram bastante talentosos na criação dos arranjos das canções dos Novos Baianos.
Com Paulinho Boca de Cantor no vocal principal, “Swing de Campo Grande” é um samba animado que faz referência ao Carnaval, a festa mais popular do Brasil. Campo Grande é a grande praça de Salvador, que durante o carnaval soteropolitano, é o ponto de partida do Circuito Osmar Macedo, onde os blocos carnavalescos e trios-elétricos começam os seus desfiles na área central da capital baiana.
Após a animação de “Swing de Campo Grande”, a faixa seguinte, “Acabou Chorare”, que fecha o lado A da versão LP do álbum. A canção traz um clima calmo e intimista ao ouvinte com Moraes Moreira em voz e violão. É a canção mais bonita do álbum. Aqui, nota-se a influência de João Gilberto no violão executado por Moraes. Esta é a canção cujo título foi baseado frase dita por Bebel Gilberto aos seis anos de idade (“Acabou chorare, papai!”) para não preocupar seu pai, João Gilberto, que aflito socorrê-la. Com um arranjo simples, mas bonito e acalentador, “Acabou Chorare” mais parece uma canção de ninar, feita na medida certa para uma criança. Pepeu Gomes encerra a canção com um lindo solo de craviola.
O lado B do álbum começa com a metafórica “Mistério do Planeta”, na voz de Paulinho Boca de Cantor. É provavelmente a música com a letra mais complexa dos Novos Baianos. “A Menina Dança” foi composta por Galvão e Moraes especialmente para Baby Consuelo, que canta com toda a sua graça. Numa entrevista em 2010 para a edição brasileira da revista Rolling Stone, Baby afirmou que o verso “Quando cheguei tudo estava virado”, referia-se ao fato de que à época, em meio às grandes cantoras brasileiras daquele momento como Elis Regina e Gal Costa, ela despontava como uma grande promessa, uma novidade. Seu marido, Pepeu Gomes, ratifica o seu talento como guitarrista com seus incríveis solos de guitarra.
Jimi Hendrix (esquerda) e Jacob do Bandolim (centro): as grandes influências do guitarrista Pepeu Gomes.
“Besta É Tu” é mais um samba presente no álbum Acabou Chorare. Com Moraes Moreira na voz principal, “Besta É Tu” é uma ode à liberdade, prega que devemos aproveitar o máximo possível as coisas mais simples da vida, como por exemplo, assistir a uma partida de futebol no Maracanã ou apreciar uma bela morena passando na rua.
Única faixa instrumental do álbum Acabou Chorare, “Um Bilhete Pra Didi” é uma bem-sucedida mistura de rock com baião. A grande surpresa nesta faixa é Jorginho Gomes, o autor dela, que além de baterista, mostra as suas habilidades no cavaquinho. Na primeira metade da música, Jorginho faz solos no seu cavaquinho muito bem executados. A partir da segunda metade da música, quando ela ganha um ritmo mais acelerado, é Pepeu Gomes quem se destaca fazendo solos ágeis com a sua guitarra dando a estética rock ao baião. É interessante perceber que se trata de um baião feito com baixo, bateria e guitarra, três instrumentos comuns do rock, mais um cavaquinho. No entanto, os Novos Baianos não usaram a sanfona, instrumento tradicional do baião. O triângulo, tocado por Baby Consuelo, é o único instrumento comum do baião presente nesta versão roqueira do gênero musical do nordeste brasileiro.
Fechando o álbum, uma reprise de “Preta Pretinha”, numa edição mais curta (pouco mais de três minutos), feita para ser executada nas emissoras de rádio. Curiosamente, diferente do que imaginava a gravadora, a versão mais longa de “Preta Pretinha” foi a mais veiculada nas rádios de todo o Brasil na época.
Logo que foi lançado, Acabou Chorare não foi uma grande unanimidade da crítica. No entanto, o álbum foi conquistando a opinião do público e da crítica gradativamente. A faixa “Preta Pretinha” foi um grande sucesso nas rádios de norte a sul do Brasil, ajudando a impulsionar as vendas de Acabou Chorare que alcançou a marca de 150 mil cópias, o que fez do álbum um dos mais vendidos do ano de 1972 no país. “Brasil Pandeiro”, “Tinindo Trincando” e “Besta É Tu” foram as outras músicas do álbum que também caíram no gosto do público.
O sucesso de Acabou Chorare não se restringiu ao campo musical. A capa do álbum recebeu na época o prêmio de melhor produção gráfica do ano. O trabalho da arte gráfica e a fotografia são de autoria de Antônio Luiz Martins. A imagem da capa mostra uma mesa de madeira feita por Pepeu Gomes, com pratos, talheres, panelas farinha espalhados sobre ela.
Ao longo do tempo, Acabou Chorare alcançou um status elevadíssimo dentro da música brasileira.Tornou-se um dos álbuns mais influentes da música popular brasileira, uma referência para os mais diversos artistas e tendência que se propuseram a fazer fusões entre a música da tradição popular do Brasil e a música pop internacional. A axé music e o mangue beat seriam exemplos de movimentos recentes da música brasileira contemporânea que tiveram os Novos Baianos e seu Acabou Chorare como uma de suas referências.
A partir dos anos 1990, desde que a imprensa musical começou a formular as listas dos maiores discos da música brasileira de todos os tempos, Acabou Chorare é uma presença constante em todos as elas. Em 2007, Acabou Chorare figurou em 1º lugar na lista dos 100 Maiores Discos da Música Brasileira da edição brasileira da revista Rolling Stone.
Novos Baianos: Moraes Moreira (vocais e violão), Baby Consuelo (vocais, afochê, triângulo e maracas), Paulinho Boca de Cantor (vocais e pandeiro), Luiz Galvão (letras), Bolacha (bongôs). Banda A Cor do Som: Pepeu Gomes (guitarra elétrica, violão e craviola), Dadi (baixo), Jorginho (bateria, cavaquinho e bongô) e Baixinho (bumbo e bongôs).
Comentário: Obscuridade vinda de Gwynedd, no País de Gales, formada por jovens irmãos no fim dos anos 60, que gravaram dois EPs entre 1972 e 73, relançados juntos em CD no ano de 2007 pela Finders & Keepers. Composto por 8 curtas faixas de folk, com doses de rock psicodélico, basicamente acústicas e com feeling de produção caseira, o destaque fica para algumas boas melodias nos violões, harmônica, piano e letras em língua galesa.
Hoje é a vez do ORKe o seu novo álbum “Ramagehead”, o terceiro da sua atual discografia: o álbum em causa foi editado na segunda quinzena de fevereiro passado pela editora britânica kscope. Este conjunto baseado em Londres consiste em Lef [vocais e teclados], Carmelo Pipitone [guitarras], Colin Edwin [baixo] e Pat Mastelotto [bateria]. Como visto nesses dados, o coletivo ORK é formado por músicos que tocam ou já tocaram em diversas bandas como OBAKE, MARTA SUI TUBI, PORCUPINE TREE, KING CRIMSON e STICK MEN. O esquema sonoro da banda estabelece uma encruzilhada eclética entre os modelos de heavy rock alternativo-tenor, prog-metal, psicodelia, grunge sofisticado no estilo SOUNDGARDEN e uma espécie de prog enérgico e modernizado. Lef, cujo nome verdadeiro é Lorenzo Esposito Fornasari, e Edwin escrevem as letras alternadamente, enquanto a música vem das interações e arranjos dos quatro membros. “Inflamed Rides” e “Soul Of An Octopus”, de 2015 e 2017, respetivamente, foram os álbuns anteriores, e agora “Ramagehead” oferece-nos um trabalho que, segundo muitos, é o melhor que este grupo já fez até ao momento. Agora vamos ver os detalhes dele.
Ultrapassando o limite de 4 minutos e meio em sua duração total, 'Kneel To Nothing' abre o álbum com ares híbridos de PORCUPINE TREE do período 2002-9 e SOUNDGARDEN do período 1994-2012, com alguns toques de ANATHEMA. . Na verdade, o canto de Lef ressoa claramente como um intervalo entre a garra furiosa de um Chris Cornell e o pessimismo raivoso de um Vinvent Cavanaugh, enquanto o bloco instrumental sacode o esquema melódico atual agilmente sobre um groove marcante definido em uma mistura de rock pesado e pesado. chapado. Há muito gancho aqui para começar, mas o pessoal do ORK quer começar a exibir as arestas mais sofisticadas de sua ideologia artística o mais rápido possível e para isso surge 'Signals Erased' logo após, uma música que sustenta uma atmosfera semelhante ao da peça de abertura. , mas com um swing um pouco mais requintado (em um andamento de 6/8) e alguns fatores de rock temperado que se projetam para uma emocionalidade incendiária. A comunhão entre o nervo contundente da paisagem instrumental e o canto é total, alcançando assim um zênite para o álbum. A terceira música do repertório intitula-se 'Beyond Sight' e segue para uma expressividade um pouco mais serena, mas uma renúncia à fúria: é antes uma exibição mais atenuada dela com o propósito de incluir nuances de humor reflexivo. . A utilização da guitarra acústica no prólogo marca o que será um desenvolvimento temático bem delineado. Na hora que 'Black Blooms' chega, o grupo conta com a participação especial do convidado Serj Tankian (SYSTEM OF A DOWN) cantando. Sendo uma balada propriamente dita, Esta canção mergulha irrefutavelmente na aura reflexiva introduzida no tema anterior para mergulhar plenamente em paisagens nostálgicas: para tal, o lânguido predomina na disposição geral da instrumentação. Apenas no último terço esta canção atinge níveis de poderosa musculatura sonora, embora este recurso sirva para realçar o espírito geral da canção, não para quebrá-lo. 'Time Corroded' se baseia em um compasso 7/8 para elaborar um swing rítmico que abre portas para uma interessante mistura dos climas das músicas #2 e #4 (com prioridade para a última). Arpejos de violão arquitetonicamente refinados e ornamentações de teclado harmônico são colocados contra o intrincado trabalho manual da bateria de Mastelotto; de fato, este último serve de garante da correta consolidação das passagens mais agressivas. Soa algures entre THE MUTE GODS e ANATHEMA, com algumas referências a PORCUPINE TREE e, talvez, também ao MARILLION do novo milénio. A violoncelista Eleuteria Arena aparece como colaboradora. É talvez a música mais imponente do álbum.
'Down The Road' começa por se centrar em ares de uma balada acústica ao estilo de PORCUPINE TREE com o protagonismo da guitarra acústica na base harmónica, contribuições pontuais de teclado e uma relevância massiva dos arranjos corais. Mais tarde começam a esculpir arranjos percussivos, fator que abre as portas à intervenção do conjunto en bloc para dar um halo mais denso e etéreo à dramaticidade da canção. Há um gancho estranho mas, ao mesmo tempo, contundente que nos faz desejar que durasse mais do que os pouco mais de 4 minutos e meio que o grupo deu a esta música, até porque o seu epílogo é marcado por um hipnótico groove modernista. A propósito, também teríamos adorado se 'Signals Erased' e 'Time Corroded' durassem mais do que duraram. A trilogia final do repertório é composta por 'Algum outro arco-íris (Pt. 1)', 'Mundos estrangulados' e 'Algum outro arco-íris (Pt. 2)'. Nestes últimos 11'20” do álbum, o pessoal da ORK foca em ajustar os últimos parafusos do seu modelo de som enquanto injeta recursos de sofisticação musical baseados no progressivo. Uma balada sombria com uma aparência árida, 'Some Other Rainbow (Pt. 1)' exibe os tons misteriosos que emanam da base do piano enquanto são envoltos por camadas flutuantes de sintetizador que dão à música um halo cinza. 'Strangled Worlds' se concentra em um híbrido de pop-rock e hard rock no estilo do PORCUPINE TREE do final dos anos 90. Antes de atingir a fronteira do terceiro minuto, surge uma ponte melancólica que emula de perto o espírito da música anterior, que prepara o terreno para a seção final explosiva. 'Some Other Rainbow (Pt. 2)', com pouco mais de 5 minutos e meio de duração, é a música mais longa do álbum. Seu groove e atmosferas centrais articulam uma síntese das atmosferas predominantes nas canções #4, #5 e 'Strangled Worlds'. Os vôos instrumentais no intervalo, guiados pelo violoncelo (também de Eleuteria Arena) em calçada bem consolidada pela dupla de Edwin e Mastelotto, conduzem o núcleo temático da canção ao seu clímax conclusivo com uma consistência milimetricamente calculada, algo isso ilumina muito a densidade emocional nua com a qual essa trilogia final começou. Seu groove e atmosferas centrais articulam uma síntese das atmosferas predominantes nas canções #4, #5 e 'Strangled Worlds'. Os vôos instrumentais no intervalo, guiados pelo violoncelo (também de Eleuteria Arena) em calçada bem consolidada pela dupla de Edwin e Mastelotto, conduzem o núcleo temático da canção ao seu clímax conclusivo com uma consistência milimetricamente calculada, algo isso ilumina muito a densidade emocional nua com a qual essa trilogia final começou. Seu groove e atmosferas centrais articulam uma síntese das atmosferas predominantes nas canções #4, #5 e 'Strangled Worlds'. Os vôos instrumentais no intervalo, guiados pelo violoncelo (também de Eleuteria Arena) em calçada bem consolidada pela dupla de Edwin e Mastelotto, conduzem o núcleo temático da canção ao seu clímax conclusivo com uma consistência milimetricamente calculada, algo isso ilumina muito a densidade emocional nua com a qual essa trilogia final começou.
“Ramagehead” é antes de tudo um disco de rock com ambições artísticas ao serviço da expressão das várias nuances e aspectos da fúria e da coragem do espírito humano. Muito obrigado à equipe do ORK por nos dar um álbum tão divertido e poderoso.