sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024
Em Janeiro de 1969: The Moody Blues grava o álbum On the Threshold of a Dream
Em Janeiro de 1976: Black Sabbath lança no Reino Unido o álbum We Sold Our Soul For Rock N' Roll
Em Janeiro de 1976: Black Sabbath lança no
Stereo Total – Ah! Quel Cinéma! (2019)
Ah! Quel Cinéma! é o novo longa duração dos Stereo Total. É, sobretudo, um disco de verão para um verão que não chega. Talvez por isso soe tão bem este som rétro.
Os Stereo Total não são muito conhecidos por cá. Apesar de existirem há muitos e bons anos, a dupla que os compõe (Françoise Cactus e Brezel Göring) tem passado despercebida por muita gente lusa. No entanto, com novo disco na bagagem, o duo continua igual a si próprio, fazendo da música um manifesto multilinguístico e multiartístico, uma vez que, em relação a este último aspeto, parecem fazer música para um filme que apenas lhes corre na cabeça e não num qualquer grande ecrã e, em relação ao primeiro, são várias as línguas cantadas, destacando-se o alemão, o francês e o inglês. Com Ah! Quel Cinéma!, os Stereo Total estão de regresso. Tinham estado três anos em silêncio, mas hei-los de novo com o seu característico som festivo e cinematográfico. Pequenas canções cheias de ritmo, cheias de alma, feitas com um som e um tempo em que há muito habitam. Bem-vindos ao passado, Stereo Total!
Afinal, quem são e o que fazem há anos os Stereo Total? A resposta mais simplista dá-se em poucas linhas: uma banda franco-alemã que existe desde 1993. Parece que não se levam muito a sério, o que só lhes fica bem, e não estarão interessados em mais do que a terem direito à diversão, enquanto tentam divertir os outros. Parece pouco? Talvez seja, mas é assim que vão aparecendo no mundo desde o longínquo Oh! Ah!
É impossível não pensarmos nos The B-52’s, nas Deixei de Ser Sexy ou, de certa maneira, nas Chicks on Speed quando ouvimos os Stereo Total. No entanto, a frase anterior não pretende ser uma comparação, mas apenas uma referência para que se perceba um pouco melhor o que fazem Françoise e Brezel, sobretudo para aqueles que nunca passaram os ouvidos pelos discos da banda. Neste Ah! Quel Cinéma! há de tudo um pouco. Canções sobre problemas pessoais, sobre drogas e os seus efeitos, sobre desonestidades e traições, sobre vidas complicadas e sem rumo, sobre suicídios. Parece um filme. Imagine-se Godard como compositor e maestro de todos os sons, misto de colagens retiradas de Week-End, de Sauve Qui Peut (La Vie) com o toque de romance musical de Une Femme est Une Femme. Loucura e diversão em boa dose e poderemos passar uma bela tarde a ouvir as excentricidades de Ah! Quel Cinéma! Boas canções há muitas, a saber: “Ich Bin Cool”, “Mes Copines” (onde se rima “copine” com “aspirine”), “Cinemascope”, “My Idol”, “Hass-Satellit”, “Brezel Says” (com intro do histórico e mítico Casio VL-Tone lançado em 1979 e voz de Brezel a lembrar Lou Reed) ou “Dancing With a Memory”. Todas as restantes (elas são catorze no total) não desmerecem e vão ganhando o seu espaço a cada audição. A receita para ouvir os Stereo Total é irmos na onda sem fazermos grandes juízos de valor. Mas, se os fizermos, chegaremos à conclusão que os Stereo Total não serão tão descartáveis como se poderá julgar à partida. O mesmo é válido para Ah! Quel Cinéma!.
Que diabo, um título de um disco com dois pontos de exclamação não pode ser coisa para se menosprezar! Para mais, é um disco para o verão que ainda está para chegar. A estação pode estar mais silly do que nunca, mas o disco não.
Boogarins – Sombrou Dúvida (2019)
Ao quarto álbum, os brasileiros Boogarins deixam o sol para trás e entram numa noite densa e labiríntica, com um disco difícil e claustrofóbico
Os Boogarins, uma das várias bandas brasileiras desde sempre acarinhadas pelo Altamont, estão de volta com o seu quarto disco de originais em apenas seis anos (com mais um EP ao vivo pelo meio). O regresso é feito com Sombrou Dúvida, que acaba por ser um aprofundamento do processo mental e de composição do seu antecessor, Lá Vem a Morte, de 2017.
Depois da inocência e da frescura de As Plantas que Curam (2013) e da afirmação enquanto banda de rock psicadélico de Manual (2015), o terceiro disco levou os quatro rapazes por um caminho mais sujo e mais escuro do que até então. Por ser útil para a análise deste Sombrou Dúvida, recordemos o que escrevemos então acerca de Lá Vem a Morte: “Os temas funcionam por camadas de som e ruído, há mais máquinas na mistura e, confessamos, temos saudades daqueles momentos de libertação xamânica da guitarra de Benke Ferraz, que aqui recusa, infelizmente, ser protagonista. O que se ganha em densidade e complexidade perde-se em fluidez e na capacidade de construir malhas rock que nos levem nas viagens cósmicas que tanto amamos”.
E, na verdade, esse processo só se acentuou agora. Os Boogarins estão mais complexos, mais labirínticos, mais escuros. Sombrou Dúvida é um disco mais denso, que avança e volta atrás, promete um rumo e depois vai para outro lado, entrecorta caminhos com apartes cujo sentido melódico não é sempre claro. É um trabalho desinquietante e narcotizado, que nos leva numa viagem, sim, mas uma que não será necessariamente agradável. O som dos Boogarins sempre se fez num equilíbrio entre a exploração e a melodia, entre o sufoco e a libertação. Aqui, a janela nunca chega a ser aberta: somos engolidos por este universo, sem uma luz que nos guie, uma salvação num espasmo da guitarra espacial, em tempos redentora, de Benke Ferraz.
Os Boogarins não perderam o seu rumo, parecem bem certos dele. Nós é que queríamos vê-los a correr ao sol, e não andar às voltas na noite.
Cardi B – Invasion of Privacy (2018)
O segredo deste disco? Transbordar de personalidade. Cardi é assim: desbocada e divertida, arruaceira e frágil, fanfarrona mas verdadeira. O segredo deste disco é a própria Cardi B.
Torcemos sempre pelos underdogs. Por isso, amamos Cardi B, a miúda pobre do Bronx que “foi derrubada nove vezes, mas ergueu-se dez”. Cardi expõe-se, mostra a sua vulnerabilidade, fala da vergonha que tinha quando lhe apontavam os dentes estragados, e abre o disco com a confissão: “They gave a bitch two options: stripping or lose”. Nas entrelinhas alude também ao gangue Bloods. As meninas boas vão para o céu; as meninas más vão para todo o lado.
A sua bazófia é imensa: diz-se deusa na cama (“Pussy so good, I say my own name during sex”), que estraçalha as suas rivais com os seus saltos altos Louboutin, que o seu amor-próprio não veste menos que Prada e Yves Saint Laurent. Perdoamos, condescendentes, a fanfarronice e o materialismo. Todos queremos no fundo a mesma coisa, ser amados e respeitados, e as suas canções dizem justamente isso: levo porrada desde que nasci mas agora estou no topo e valho tanto como vocês. Se há alguém que merece bordar a sua vida com diamantes é justamente Cardi, a gata borralheira do gueto que se vê transformada em rainha do hip-hop. Foste, Nicki Minaj, podes ser mais versátil e virtuosa mas és menos verdadeira. Cardi é a “real bitch, only thing fake is the boobs”. No hip-hop, como na vida, a verdade é quase tudo.
A estética principal do disco é o trap: baixos profundos sempre à beira da distorção, pratos de choque rápidos e nervosos, sintetizadores melancólicos. Os temas mais interessantes são os que mais devem a esta sensibilidade pesada, opressiva e claustrofóbica. Numa época em que o rock já não tem o mesmo apelo, o trap acaba por ser a linguagem que os adolescentes de hoje usam para dar vazão à angst de sempre. O crescendo emocional de “Bodak Yellow” é antológico, nem Eminem conseguiria melhor. O seu sotaque nova-iorquino e hispânico, embrulhado numa voz rouca e gabarolas, acentua ainda mais a credibilidade de rua em que sempre se baseou o hip-hop.
Mas nem só de trap gingão vive Invasion of Privacy. Há também o contrário: baladas R&B onde Cardi nos mostra o seu lado mais frágil, expondo o seu coração destroçado (“Ring”, “Thru Your Phone”). Às vezes, há leite condensado a mais (o auto-tuning não ajuda, querida Kehlani) mas é esta mistura entre gaja dura do Bronx e vulnerabilidade sentimental que a torna tão humana. Quem não se compadece com o verso “poured out my whole heart to a piece of shit” tem apenas um pedregulho no peito.
Por fim, há o piscar de olho às suas origens hispânicas com o trap latino de “Be Careful” e “I Like it”. Quem tem náuseas só de pensar em reggaeton vai vomitar. Os menos fundamentalistas vão-se divertir e dançar. Todos vão sonhar com Cardi B na cama.
As letras são espirituosas, com linguagem de rua, eficaz porque económica. O flow é como mandam as regras: escorreito e pimpão. As batidas são saborosas, sabem a aqui e agora, ao mesmo tempo que não descuram a história do hip-hop. Mas mais do que palavras ou beats é a sua personalidade que a agiganta: desbocada e divertida, arruaceira e frágil, fanfarrona mas verdadeira. O segredo deste disco é a própria Cardi B.
Jens Lekman & Annika Norlin – Correspondence (2019)
Um ano de correspondência entre dois amigos, com canções a fazerem de cartas, resulta num disco íntimo e muito bonito
Jens e Annika são ambos suecos e ambos têm uma carreira musical já com alguns anos, embora ele tenha chegado mais a públicos internacionais do que ela. Já se conheciam mas sem grande intimidade, mas Jens sentia que ela era alguém que o entenderia e que, na verdade, poderiam ser grandes amigos se ao menos vivessem na mesma cidade.
No meio de vários problemas pessoais, Lekman teve uma boa ideia: corresponderem-se durante um ano mas, em vez de cartas, mandariam canções um ao outro. Annika aceitou com entusiasmo, e as regras ficaram definidas. Cada um enviaria uma canção de dois em dois meses e só poderiam usar voz e um outro instrumento, fosse ele qual fosse.
Assim, durante o ano de 2018, foram cumprindo o acordo e colocando as canções online. Agora, em 2019, decidiram-se a editar essas 12 músicas, já com uma mistura de mais qualidade e juntando subtis cordas aqui e ali. O resultado é este apropriadamente intitulado Correspondence, a correspondência musical/espistolar destes dois amigos, durante um ano que viu atentados, a ascensão de populistas e a urgência climática a subir de tom.
O temas são variados, começando em Janeiro com “Who Really Needs Who”, em que Jens estende a mão a Annika para o começo da correspondência. Temos desde episódios quase corriqueiros do dia a dia até reminiscências do passado e da juventude de cada um, num diálogo nem sempre linear mas sempre significativo. Os músicos criaram um site para esta empreitada onde se podem ler as letras e até as histórias por detrás de cada canção (é enternecedor ver que, quando a canção anterior do comparsa sugere dor ou depressão, a tentação do autor daquele mês é de oferecer consolo e esperança através da música).
O conceito é inegavelmente interessante, mas não nos esqueçamos do essencial: as músicas. Correspondence não é apenas uma boa ideia, resulta num disco muito bonito e perpassado por uma ternura quase nerd, à qual é difícil resistir. Músicas simples mas de uma beleza desarmante, letras pessoais e bem escritas, uma amizade transformada em som.
E é desta bela mansidão que se faz um dos discos mais encantadores dos últimos largos meses.
Destaque
ZZ Top - Recycler [1990]
E vamos com mais um power trio. No início da década de 80, o ZZ Top veio com uma roupagem diferente, tanto visual quanto sonora. As clássi...
-
As pessoas cantam canções de amor country desde que pioneiros do gênero, como Jimmie Rodgers e a família Carter, surgiram na década de 1...
-
Ninguém sabe exatamente o que os DJs fazem em seu console. Você os vê mover as mãos. Você os vê contorcendo seus rostos de maneiras estr...
-
Steve Hackett 'Genesis Revisited: Seconds Out And More' é o sétimo álbum ao vivo da saga Genesis Revisited , que começou em 201...