terça-feira, 17 de setembro de 2024

Visage “Tar” (1979)

 

Em finais dos anos 70 o Reino Unido vivia tempos nebulosos e difíceis. A instabilidade social, o desemprego, faziam a ordem do dia. E todo o clima tenso acabava por ter naturais expressões na música, ora sob a voz mais ativista e frontalmente política dos Clash ora sob manifestações de um desejo de fuga para, como dizia Bowie na canção de 1977, todos poderem ser heróis, nem que por apenas um dia…

Crescidos a ver e idolatrar as estrelas do glam rock, particularmente Bowie, Bolan e Ferry, alguns jovens ingleses manifestavam, no quadro desse desejo de fuga, uma reação de oposição a uma certa falta de cor e luz que muita da música nascida da revolução punk veiculava. Um DJ e um entusiasta da noite juntaram-se então, uma vez por semana no Blitz, um clube em Covent Garden (Londres), chamando outros desencantados às suas Bowie Nights, nas quais, além de Bowie se escutavam discos dos Kraftwerk, Roxy Music, Japan, Human League, Grace Jones, Iggy Pop, Sparks, Ultravox ou Brian Eno. O DJ (Rusty Egan) e o porteiro (Steve Strange), este famoso pela política draconiana que só permitia a entrada a quem comparecesse devidamente vestido em jeito de imaginação, pompa e exagero, fomentaram ali a génese de um movimento que acabou conhecido como “new romantic”.

Um movimento que começou por ser manifestação de hedonismo com indumentária sofisticada e banda sonora requintada, mas que acabou por criar as suas próprias bandas, dos Spandau Ballet aos Duran Duran, dos Classix Nouveaux aos Landscape, acabando por cativar atenções também de outros contemporâneos… Mas o primeiro dos grupos, e o primeiro disco da nova vaga nascia ali mesmo, entre os promotores das Bowie Nights. Steve Strange e Rusty Egan tinham-se juntado a Billy Currie, teclista dos Ultravox (que viviam um tempo de pausa em busca de novo caminho), e ao guitarrrista Midge Ure, recentemente saído dos Rich Kids, para criar uma música que servisse de síntese para as propostas daquelas noites de fuga e festa. Respondiam como Visage e pouco depois enriqueceriam a sua formação de estúdio – porque nessa altura não atuavam ao vivo com músicos dos Magazine (Barry Adamson, John McGeosh e Dave Formula).

Os Visage tornar-se iam pouco depois na banda-paradigma do movimento new romantic, que editou três primeiros álbuns de originais entre 1980 e 84, e com pico de glória no ainda hoje recordado em Fade To Grey. Valentes anos depois regressariam com novas vidas (e novas formações) sem contudo repetir o impacte dos momentos vividos na primeira metade dos anos 80. Mas o primeiro passo deram-no, antes de descobertos por uma grande editora, pela pequena independente Genetic Records, ao bom jeito de qualquer boa manifestação nascida de herança punk.

Aí editaram, em 1979, o single de estreia Tar, primeiro foco de uma ideia que depois ganharia adeptos, que esgotou num ápice a pequena edição de lançamento. A canção cruzava evidente genética Bowie com novas visões pré-80, e a capa vincava mais ainda a vénia ao mestre-camaleão, com Steve Strange com um olho de cada cor. No lado B surgia uma primeira versão de Frequency 7 que valorizava a presença de um trabalho de voz processada por vocoder e abria maior espaço às emergentes eletrónicas.





Propaganda “Dr. Mabuse” (1984)

 

Entre as muitas editoras independentes que floresceram na Inglaterra dos oitentas, na sequência de uma verdadeira revolução na indústria motivada pelo fulgor e inquietude levados a cena pela geração punk, houve uma que se destacou não apenas pelo sucesso que chegou a alcançar, mas pelo facto de ter sabido desenvolver um conceito sólido tanto na construção de uma identidade sonora e visual como pelo facto de ter apostado desde cedo numa estratégia de comunicação que muito deveu a sua alma (e impacte) à visão do jornalista Paul Morley. Fundada em 1983 por Morley, o produtor Trevor Horn (um ex-Buggles) e a empresária Jill Sinclair, a ZTT Records (iniciais de Zang Tum Tumb, expressão “colhida” no manifesto futurista de Marinetti) ganhou desde cedo grande visibilidade pelo impacte (e sucesso tremendo) dos três primeiros singles dos Frankie Goes To Hollywood (FGTH) – Relax, Two Tribes e The Power of Love. Estes singles, juntamente com o álbum de estreia do grupo (Welcome To The Pleasuredome) evidenciaram um estilo de produção grandioso, sofisticado e perfecionista, que desde logo se afirmaria como uma das marcas de identidade da editora, ideia logo confirmada pelos primeiros álbuns dos The Art of Noise e Propaganda, que juntamente com o duplo de estreia dos FGTH define a “santíssima trindade” da etapa de apresentação da editora, que assim se afirmava como uma força do som da frente de uma noção de pop alternativa.

Nascidos de um núcleo que ganhou forma em Düsseldorf com Ralf Dörper (dos Die Krupps) e Suzanne Freytag, aos quais se juntaram depois o compositor Michael Mertens e a cantora Claudia Brücken, os Propaganda evidenciaram cedo uma clara manifestação da linguagem e da estratégia que definia a alma da ZTT Records. A estratégia de comunicação, com vitaminas agit prop, surgia espelhada na capa dos discos, sublinhando a música uma visão épica que começou logo por ganhar forma no single de estreia lançado em março de 1984, bem antes do álbum A Secret Wish, no qual seria integrado um ano depois. Sob o título Dr. Mabuse, personagem nascida no romance Dr. Mabuse, der Spieler de Norbert Jacques e imortalizada depois no cinema de Fritz Lang, a canção promovia, mais do que qualquer outro momento na obra do grupo, um sentido de cruzamento de tempos e de culturas que seria explorado no teledisco, um dos primeiros assinados pelo fotógrafo Anton Corbijn.

Á versão do single a edição em 12 polegadas acrescentou uma abordagem mais desafiante, com praticamente dez minutos de duração, na qual se exploram não só afinidades com os caminhos mais experimentais da música contemporânea mas também um sentido épico, quase sinfonista, que eleva a canção para lá de patamares mais habituais nas esferas da música pop.




Daniel Bacelar / Os Conchas “Caloiros da Canção” (1960)

 Um EP juntando duas canções de Daniel Bacelar e outras tantas do duo Os Conchas nasceu da vitória de ambos em categorias distintas do concurso Caloiros da Canção, organizado pela Rádio Renascença. Este é o primeiro disco de rock gravado em Portugal. 

Foi em finais de Outubro de 1960 que a história começou. É certo que havia já sinais de vida rock’n’roll portuguesa em finais de 50, nomeadamente com os Babies, banda nascida por Coimbra. Mas em disco, a história do rock português começa a escrever-se a 28 de outubro de 1960. Há precisamente 60 anos, e por conta do concurso Caloiros da Canção lançado pela Rádio Renascença.

Um EP assinalou então a gravação do primeiro episódio da história do rock’n’roll em língua portuguesa. Na sequência de um concurso na rádio, Caloiros da Canção apresentava, num dos lados, duas canções pelo duo Os Conchas (que haviam vencido na categoria “conjuntos”) e, no outro, a “revelação” de Daniel Bacelar. Os primeiros traziam duas versões (uma de Neil Sedaka, a outra dos Everly Brothers), o segundo, muitas vezes apontado como o Ricky Nelson português, estreava-se com os originais Fui Louco Por Ti Nunca, sendo então acompanhado em estúdio pelo conjunto de Jorge Machado.

Daniel Bacelar, nascido em Lisboa, tinha 17 anos quando ficou na história como o primeiro artista do rock português a editar um disco. A sua carreira teria continuidade logo em 1961 com um segundo EP no qual registava a canção Marcianita. Seguiram-se até 1966 mais cinco EP, três deles com os Gentlemen, não tendo nunca a sua obra (editada entre a Valentim de Carvalho, Marfer e Alvorada) sido alguma vez reunida numa compilação.

Os Conchas nasceram quando o entusiasmo de José Manuel Aguiar de Concha de Almeida e Fernando Alberto Soares Gaspar os levou do futebol (onde se conheceram) para a música. A vitória no concurso Caloiros da Canção deu-lhes direito a gravar um primeiro disco em 1960, mas tal como Daniel Bacelar rapidamente juntaram outros mais à sua discografia, tendo lançado seis EP entre 1961 e 1962, ano em que o serviço militar obrigatório colocou um ponto final à carreira do duo.

Apesar de alguns dos discos da primeira etapa do rock made in Portugal terem ficado depois conhecidos como “ié ié”, na verdade a designação ainda não se aplicava quando em outubro de 1960 surge o EP de estreia de Daniel Bacelar e do duo Os Conchas. Nessa altura era então usada antes a expressão “ritmos modernos” para caracterizar nova “onda” em marcha. O termo “ié ié” seria cunhado algum tempo depois dado o impacte internacional gerado pela entrada em cena dos Beatles, refletindo inclusivamente a designação um som que ficava no ar ao escutar-se o refrão de She Loves You. Aliás, antes dos Beatles os Shadows terão sido uma das grandes referências da primeira geração de “conjuntos” nascidos entre nós. Tanto que, em 1963 (curiosamente o ano de She Loves You) o cinema Roma, em Lisboa, organizou um concurso de bandas do “tipo Shadows”.




Madonna “Justify My Love” (1990)

 

Nem todos os grandes episódios de uma discografia se fazem no formato de álbum. De resto, bem anterior ao advento do LP, a ideia do disco com uma gravação de cada lado do disco há muito que nos habituou à ideia do valor da canção como célula estrutural da música popular. A carreira de Madonna nos singles de Madonna fez-se, como tantas outras nascidas depois da imposição do álbum como espaço de protagonismo maior, de canções extraídas dos LP que rodavam também a 45 rotações. Mas a sua discografia inclui variados exemplos de singles que não nasceram associados a álbuns. E de todos eles este é o melhor.

Corresponde na verdade a um episódio de transição entre as ideias assimiladas na reta final dos anos 80 (com uma nova abordagem a emergentes formas da música de dança) e o trabalho de reflexão sobre as heranças da house e do hip hop que emergiria pouco depois em Erotica (1992). Canção composta por Lenny Kravitz e Ingrid Chavez, que na altura editava o seu primeiro álbum na Paisley Park (e teve de lutar pelo reconhecimento do seu créditor de autoria desta canção que estava inicialmente omisso), Justify My Love traduz esses encontros de ideias na matriz de uma canção que, juntamente com peças contemporâneas de nomes como os Beloved, Pet Shop Boys ou Deee-Lite, ajudou a definir novas formas para a linguagem pop.

A voz era falada (na verdade sussurrada) e não cantada, servindo a sugestão de um ambiente criado por electrónicas e batidas (e aí a condução das ideias deve-se a Lenny Kravitz). Pela letra passam ideias e imagens sobre a sexualidade que correspondem a um quadro maior que Madonna começava a desenhar (e que teria expressão maior no álbum Erotica e no livro Sex). O teledisco foi realizado por Jean Baptiste Mondino e é um dos mais cinematográficos da videografia de Madonna. A mestria da direção de fotografia, do conceito e a perfeita relação das imagens com a música levaram inclusivamente a editora a fazer deste o primeiro single de Madonna a ter também edição no suporte de VHS (o que aconteceu nos EUA).

As imagens do vídeo e as palavras (e os seus sentidos) incomodaram… Mas nada disso impediu Justify My Love de não só colher os justificados elogios de quem ali apontou logo uma das melhores criações de Madonna até à data (coisa que o tempo vincou mais ainda), como gerou um fenómeno de sucesso que se traduziu num sucesso com impacte global.




Review: Rival Sons - Feral Roots (2019)

 


Precisamos falar sobre o Rival Sons. E a conversa será bem séria. O quarteto norte-americano formado por Jay Buchanan (vocal), Scott Holiday (guitarra), Dave Beste (baixo) e Mike Miley (bateria) acaba de lançar o seu sexto disco e ele é, talvez e muito provavelmente, o seu melhor trabalho.

Feral Roots é o sucessor de Hollow Bones (2016) e inicia um novo capítulo na carreira da banda californiana. Depois de anos com a Earache Records, o grupo assinou com a Atlantic, liberando o seu primeiro trabalho por uma grande gravadora. Trabalhando mais uma vez com o produtor Dave Cobb (que assinou todos os seus discos e também álbuns de nomes como Chris Stapleton, Whiskey Myers e Europe, entre outros), o Rival Sons mostra uma evolução gigantesca em relação aos seus trabalhos anteriores. A mudança de gravadora parece marcar o fim da primeira fase da carreira dos caras, resultando em um som muito mais maduro e impressionante.

Temos onze músicas em Feral Roots. E elas trazem uma sonoridade que não esconde o quanto anda para frente em relação à tudo que o grupo gravou antes. Os ecos de Led Zeppelin ficaram nos primeiros discos. O mergulho no blues de Great Western Valkyrie (2014) e Hollow Bones também é página virada. Em certos aspectos, Feral Roots guarda semelhanças estruturais e de abordagem com Head Down (2012), terceiro álbum do grupo e responsável por mostrar ao mundo a sonoridade própria do quarteto natural de Long Beach.

A força do Rival Sons está no trio Buchanan, Holiday e Miley. O vocalista é, facilmente, uma das melhores vozes do rock contemporâneo, e já alcançou esse status há tempos. O que Jay está cantando nesse novo álbum beira o absurdo. Já Scott Holiday, que adora desfilar com suas Gibson Firebirds, é a usina criativa da banda, seja através dos seus riffs certeiros ou nos momentos em que deixa a distorção de lado e aposta em climas mais calmos e contemplativos. E Mike Miley é o mais próximo que podemos imaginar de como John Bonham soaria se ainda estivesse vivo. Miley é uma força da natureza, seja pela sua pegada pesada ou por suas viradas insanas, tudo isso turbinado por um timbre que não nega a paixão pelo legado de Bonzo.


As músicas de Feral Roots têm tudo que uma grande banda entrega aos montes, aos baldes e sem pensar muito. As composições são redondas, com dinâmicas que fluem naturalmente, pontes que levam linhas vocais já cativantes para momentos ainda mais incríveis, além de muitas outras qualidades. A maturidade que o grupo demonstra em seu novo disco é inebriante, deixando claro de onde vem as suas influências (Free, blues rock, Bad Company, um certo tempero de Aerosmith e o onipresente Led Zeppelin), mas sempre usando esses ingredientes para a construção de algo inédito, novo e da mais alta qualidade.

Feral Roots é o disco que mostra porque o Rival Sons existe. Ninguém faz um som como eles. Trata-se de um álbum de gente grande, de uma banda que nasceu com imenso potencial, soube deixar as suas qualidades ainda mais fortes e corrigir as suas deficiências até chegar a um ponto como esse, onde tudo que foi feito antes se une para dar ao mundo um disco absolutamente impressionante. Na prática, temos os músicos no auge dos seus poderes entregando composições que demonstram o quanto a banda está à frente da grande maioria de seus pares - é o caso da explosão musical de “Back in the Woods”, do gospel absolutamente tocante que toma conta de “Shooting Stars” e da música que dá nome ao álbum, todas de cair o queixo. E tudo isso sem soar pedante ou inacessível, muito pelo contrário. “Do You Worst”, por exemplo, abre o disco com um groove desconcertante e com um refrão feito sob medida para levantar estádios. Ou em “Too Bad”, onde Jay Buchanan voa alto para emocionar até o mais durão dos fãs.

O que o Rival Sons faz em pleno 2019 é mostrar que o classic rock não precisa, e não deve, viver apenas do passado. Não é preciso ouvir sempre as mesmas bandas, as mesmas músicas e nem repetir as mesmas fórmulas para que o rock permaneça vivo. Muito pelo contrário. A banda usa a sabedoria adquirida nos anos de estrada e o talento incrível que possui para olhar para o passado sem perder o foco no futuro, evoluindo a sua sonoridade sem que ela perca suas raízes, suas referências. E brinda os fãs com um trabalho que é emocionante para quem passou a vida toda ouvindo rock, acompanhou as fases pelas quais o gênero passou ao longo dos anos e agora tem, na sua geração, bem na sua frente, a oportunidade de acompanhar de perto o nascimento e o desenvolvimento de uma banda que com certeza irá se tornar uma lenda, um ícone e uma das grandes referências do estilo daqui há alguns anos. 

Chegamos a pensar que nunca experimentaríamos novamente essa sensação. O Rival Sons prova com Feral Roots que estávamos errados.




Review: Gov’t Mule - Revolution Come … Revolution Go (2017)

 


Salvo engano (mas acho que estou certo), Revolution Come … Revolution Go é o primeiro álbum do Gov’t Mule a ganhar uma edição nacional. E isso é, ao mesmo tempo, motivo de alegria e de tristeza. Alegria porque finalmente temos, a um preço acessível, um disco de uma das melhores bandas surgidas nas últimas décadas. E motivo de tristeza porque, mesmo tendo sido formada em 1994, contar com mais de uma dezena de álbuns e ter superado a marca de duas décadas na estrada, por qual motivo isso ainda não havia acontecido? Nem a desculpa de que o ouvinte brasileiro de rock possui um ouvido conservador e avesso à novidades é aplicável neste caso, já que a banda liderada por Warren Haynes faz um classic rock estupendo e que cai no gosto de qualquer rocker de bom gosto. Isso é muito mais um sinal do quão atrasada está a indústria musical brasileira e o quão defasados e distantes da realidade estão os caras que tomam decisões nas salas refrigeradas das gravadoras nacionais, do que qualquer outra coisa.

A responsável por esse presente para os brasileiros que curtem os bons sons é, mais uma vez, a Hellion Records, que está lançando o álbum por aqui após a representante nacional da gravadora do Gov't Mule não demonstar interesse em disponibilizar o disco no Brasil e, mesmo assim, complicar o licenciamento para outro selo. Coisas de um país onde a cultura não é prioridade, infelizmente.

Revolution Come … Revolution Go é o décimo-primeiro álbum do Gov’t Mule, foi lançado nos Estados Unidos em junho de 2017 e sua produção ficou a cargo de Warren Haynes, Gordie Johnson e Don Was. O quarteto formato por Haynes (vocal e guitarra), Danny Louis (teclado e guitarra), Jorgen Carlsson (baixo) e Matt Abts (bateria) conta com a participação de nomes como Jimmie Vaughan, Gordie Johnson e mais uma turma para transformar o disco, como de costume, em mais um trabalho consistente e de ótimo gosto.


Pra quem nunca ouviu o Gov’t Mule, a banda tem em Warren Haynes a sua figura principal. Vocalista, guitarrista e compositor, Haynes é o centro, o coração e a alma dessa banda que transita com absoluta tranquilidade por gêneros como southern rock, blues rock, hard e inesquecíveis jams. O resultado é um som cativante, que possui uma profundidade e uma riqueza musicais vindas direto das fontes que inspiram suas canções (blues, jazz, soul e toda a rica tradição sonora dos Estados Unidos). Haynes, pra quem não sabe, integrou a lendária Allman Brothers Band por um longo período - mais precisamente entre 1989 e 2014 -, e levou o Gov’t Mule em paralelo enquanto foi fundamental para manter fortemente aceso o legado da banda que foi a vida de Gregg Allman.

Musicalmente, Revolution Come … Revolution Go traz o Gov’t Mule seguindo um caminho seguro e sem maiores aventuras por outros gêneros musicais, como o que ocorreu em Mighty High (2007) e By a Thread (2009), por exemplo. O que se ouve é uma banda extremamente madura, que domina completamente a sua sonoridade e entrega composições muito bem feitas e que, invariavelmente, proporcionam uma audição emocionante.

Mais um belíssimo trabalho de Warren Haynes e companhia. 




Review: Dream Theater – Distance Over Time (2019)

 


Quando Mike Portnoy saiu do Dream Theater em 2010, a banda norte-americana perdeu muito mais do que o seu baterista. O quinteto ficou sem liderança, que acabou sendo absorvida pela dupla John Petrucci e Jordan Rudess. Mas, sobretudo, abriu a mão da sua alma, do ingrediente que tornava a banda mais humana e próxima do público.

Portnoy, além de um baterista fenomenal, é um fã de música. Um cara inovador e que mostrou isso após a saída do Dream Theater, aventurando-se em jornadas musicais distintas com o Adrenaline Mob, Avenged Sevenfold, Flying Colors, The Winery Dogs, Metal Allegiance, Sons of Apollo e mais uma dezena de formações. Mike Portnoy era o lado humano do Dream Theater, e isso só ficou claro após a sua saída.

Desde então, o grupo gravou quatro discos: A Dramatic Turn of Events (2011), Dream Theater (2013), The Astonishing (2016) e Distance Over Time (2019). Todos com Mike Mangini, o novo dono da bateria na principal banda de prog metal do planeta. Um cara que é irretocável tecnicamente, mas que não consegue traduzir toda a sua exuberância instrumental em algo atraente para os ouvidos. Mangini, de modo geral, é aquele tipo de baterista que funciona muito bem isoladamente, deixa todo mundo de queixo caído em vídeos no YouTube, mas que não consegue se encaixar de maneira fluída quando tem uma banda ao seu lado. Isso aconteceu em todos os discos que ele gravou com o Dream Theater. Até agora.


Distance Over Time é, facilmente, o melhor álbum do quinteto formado por James LaBrie, John Petrucci, Jordan Rudess e John Myung desde a chegada de Mangini. É um trabalho muito melhor que os anteriores, mais dinâmico e com canções que soam mais naturais, quentes e menos mecânicas que os discos anteriores, especialmente o megalomaníaco The Astonishing. E é também mais do que isso, pois não seria exagero classificá-lo como o álbum mais sólido do Dream Theater desde o pesado e sombrio Train of Thought, lançado em 2003, e que foi o último grande disco da banda com Portnoy.

O que faz de Distance Over Time um álbum tão bom é a abordagem mais direta e descomplicada das músicas. O Dream Theater não abriu mão de sua tradição prog metal, mas trabalhou a técnica muito acima da média dos músicos a favor das canções. O resultado são faixas que funcionam isoladamente, trazem bons ganchos melódicos e refrãos atrativos em faixas que são inegavelmente mais diretas. É claro que o disco tem as tradicionais canções mais longas, como é o caso de “At Wit’s End” e “Pale Blue Dot”, mas elas soam super bem resolvidas e sem momentos desnecessários e auto indulgentes, como já aconteceu em situações anteriores.

Mike Mangini soa menos amarrado, menos duro, menos robótico, conseguindo sair de seu universo essencialmente técnico e entregando uma performance que conversa e contribui decisivamente para o ótimo resultado alcançado. E os outros músicos seguem igualmente essa abordagem, fazendo com que o disco soe mais humano e próximo do ouvinte. A sensação é de estar ouvindo um álbum de prog metal que funciona e empolga como a banda já fez anteriormente em sua carreira em clássicos como Images and Words (1992), Awake (1994) e Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory (1999). Não estou afirmando que o Dream Theater alcançou o grau de excelência desses discos, mas a sensação que a audição do álbum proporciona é semelhante ao que esse trio nos fez sentir no passado.

Se você andava distante do Dream Theater, Distance Over Time é um bom momento para você voltar a ouvir a banda. Uma surpresa agradável está a sua espera.



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