domingo, 2 de março de 2025
Recordando o single A - Paixão / B - Cachopa (Versão Nova) dos Heróis do Mar de 1983
sábado, 1 de março de 2025
Recordando o single A - Bichos / B - Trânsito da Adelaide Ferreira cantora + Preço Fixo de 1981
Recordando a musica ''Deixa-Me Olhar'' incluída no álbum ''AlémMar'' dos Alémmar Oficial de 1998
Xutos & Pontapés – Dizer Não de Vez (1992)
Depois de anos e anos sempre a subir, os Xutos enfrentam o primeiro falhanço da carreira. A resposta chega na forma de Dizer Não de Vez, um disco de busca e de renascimento.
É o próprio resumo biográfico na página oficial dos Xutos que o assume: o início da década de 90 foi de crise para a maior banda rock portuguesa. “Mas tudo o que sobe tem de descer. Gritos Mudos, gravado no Brasil, é mal recebido, e a digressão do álbum já não arrasta as multidões de antes”, reza a entrada relativa a 1990. 1991 mantém o tom sombrio: “O ano da nova travessia do deserto. Poucos concertos, a saída de Gui e o envolvimento de Tim na Resistência”.
Prossigamos com a mesma fonte, agora olhando para 1992: “No ponto mais baixo da sua carreira, os Xutos retornam a estúdio e reerguem-se com duas dezenas de temas novos pensados para um álbum duplo. Em vez disso, e depois de discussões com a Polygram, o duplo é repartido por dois discos separados, o primeiro dos quais, Dizer Não de Vez, sai no fim do ano, antecedido pelo single “Chuva Dissolvente”.
Já não era habitual os Xutos passarem mais de dois anos sem editar discos, mas foi o que aconteceu entre o “acidente” de Gritos Mudos e a edição de Dizer Não de Vez. As dúvidas eram muitas, a banda refugiou-se num silêncio que prenunciava tempestade, e chegou a especular-se que o grupo se iria mesmo separar. Tim aproveitou este pousio forçado e lançou a Resistência, fenómeno de popularidade que só fez empalidecer ainda mais o momento público de forma dos Xutos. Parece-nos impossível, agora, mas a verdade é que, se os rapazes se têm separado no início dos anos 90, já teriam, de qualquer forma, ficado na História. Resistiram, também eles, embora com feridas.
Uma delas foi a saída de Gui, deixando a Tim, Kalu, Cabeleira e Zé Pedro a tarefa de adornar, em quarteto, a capa de Dizer Não de Vez. Para os Xutos, foi quase um recomeço, uma nova afirmação – lembrando os tempos de Cerco – de que ainda eram relevantes ou, melhor ainda, tinham coisas para dizer e fazer.
O disco acabou por se impor, vendendo mais do que o antecessor. Para a indústria, era a prova de que os Xutos ainda tinham seguidores, apesar de os ares dos tempos, subitamente, parecerem tê-los tornados anacrónicos, pouco sofisticados. No tempo em que a televisão e os videoclipes já ditavam regras, Dizer Não de Vez impôs-se, sobretudo, com um single demolidor e omnipresente: “Chuva Dissolvente” é um dos últimos grandes clássicos dos Xutos, e permanece justamente um tema muito acarinhado pelos fãs.
Apesar deste “regresso à vida”, Dizer Não de Vez até é um disco menos coeso e mais desigual do que o mal amado Gritos Mudos. Soa a uma banda com dúvidas, à procura de um novo caminho, ainda que com o carisma de sempre.
Temos “Lugar Nenhum”, música bonita e o mais próximo que os Xutos alguma vez soaram dos Pink Floyd dos anos 70; há o pseudo-rap de “Estupidez”, que chegou a monopolizar atenções sobre uma tentativa de modernização do som da banda, felizmente sem sucessão futura; tem os tambores tribais no início da forte “Lei Animal”; tem o quase-punk de “Alta Rotação”, mais perto do que os Censurados andavam na altura a fazer.
Há alguns equívocos, diga-se: “Poço da Salvação” tem um bom riff inicial mas parece inacabada, demasiado próxima da jam que provavelmente lhe terá dado origem; “Estupidez” é uma curiosidade histórica mas que é um tiro ao lado; e “Velha Canção da Cortiça” soa esquemática e desinspirada.
Mas há também coisas incríveis. “O que foi não volta a ser” é uma canção melodiosa de corpo inteiro, abrindo com um riff a soar a 82; “Chuva Dissolvente” é um hino absoluto, com Tim e João Cabeleira a brilharem a grande altura (e, no vídeo abaixo, uma versão ao vivo com Fernando Júdice e o saudoso João Aguardela); e “Dia de São Receber” é, até hoje, obrigatório em qualquer concerto dos Xutos, momento alto de Kalú e o seu grito de guerra: “aaiiiiiiiiiiii….a puta da minha vida!”.
Dizer Não de Vez é o início de uma nova fase para os Xutos, uma em que os discos – mais do que pelo seu peso colectivo – valem pelos singles que se distinguem e que vão ficando no alinhamento dos concertos. E marca o regresso de uma banda que – sabemo-lo agora – tinha deixado para trás os seus melhores discos, os da década de 80, que enchem um best-of sem qualquer dificuldade.
Ainda bem que continuaram, ainda bem que insistiram, ainda bem que resistiram. Pelas centenas de concertos que deram entretanto, pelos milhares de pessoas que, mês após mês, conseguem unir nos seus espectáculos e sim, pelas músicas que ainda nos vão dando.
É esse o valor de Dizer Não de Vez, que relançaria a carreira deste mamute do rock, quando as apostas estavam contra ele.
Xutos e Pontapés – Ao Vivo na Antena 3 (1995)
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Ao Vivo na Antena 3 é mais um marco na carreira dos Xutos e Pontapés. Até então, nunca os havíamos ouvido de forma tão óssea e tão crua. E isso foi uma enorme descoberta!
Este não foi o primeiro registo ao vivo da banda. Anos antes, em 1988, os Xutos e Pontapés haviam gravado Ao Vivo, resultado sonoro das célebres apresentações no Pavilhão do Clube de Futebol “Os Belenenses”, nos três últimos dias de Julho desse mesmo ano. Na sua versão original em vinil, o álbum conta com vinte e três temas, o que faz dele o trabalho de gravação mais extenso de sempre da banda. Já no caso do disco em questão, o Ao Vivo na Antena 3 é bem mais contido, bem mais económico no número de canções que apresenta, se quisermos perder tempo fazendo a comparação entre ambos. São apenas doze, mas que no seu formato acústico (a estreia desse modelo menos elétrico da banda dá-se precisamente aqui, neste registo) conquistaram um novo público, tendo sido igualmente bem recebido pelo fãs mais antigos. Mais importante ainda, o álbum lançado em 1995 tornou-se um registo histórico, mostrando uma banda segura, despida da eletricidade de todos os trabalhos anteriores, mais próxima da delicadeza que provavelmente desconhecíamos existir em canções como “Circo de Feras”, “Chuva Dissolvente” ou “Para Ti, Maria”. Assim, treze anos depois da estreia com 78/82, a banda de Tim, Zé Pedro, Kalú e companhia desligavam a ficha da tomada e faziam-se ouvir da forma mais despojada possível.
A moda unplugged tem na MTV a sua origem, como bem sabemos. Iniciou-se como programa de série nesse conhecido canal de televisão norte-americano no ano de 1989, e o Ao Vivo na Antena 3 será mais um reflexo dessa circunstância. Henrique Amaro, nome há muito ligado à locução radiofónica e à própria Antena 3, resolveu convidar a banda a gravar um disco especial. Foi assim o pontapé de saída. O resto é história, como se sabe. Foi a primeira vez que tal coisa se fez, uma banda a tocar em direto e ao vivo para o país inteiro. O Zé Pedro foi o único a torcer o nariz ao projeto, mas acabou por alinhar. Não se terá arrependido, seguramente. Quando a gravação foi feita, nem sequer havia a ideia de poder vir a ser editada em disco.
Em quase cinquenta minutos de música, é bom poder voltar a ouvir os clássicos acima mencionados, assim como “O Que Foi Não Volta a Ser”, “As Torres da Cinciberlândia“, tema que há muito não fazia parte dos alinhamentos elétricos da banda mas que em boa hora decidiram recuperar, ou “Remar Remar”, este último contando com a participação muito especial de Jorge Palma, artista convidado para dar som ao piano que se pode ouvir na canção dos “mares convulsos” e das “ressacas estranhas”. É difícil escolher um momento (uma canção) que se destaque verdadeiramente dos restantes. No entanto, se tal coisa nos exigissem, talvez tivéssemos de optar por “Homem do Leme“, que aqui se revela ainda mais bonita e repleta de particulares encantos. Mas logo outra nos vem à cabeça. A versão acústica de “Longa Se Torna a Espera” faz dela mesma uma nova canção. Suave e melódica como nunca havia soado. Ou ainda “Pequenina”, onde se ouve o excelente trabalho de guitarra do João Cabeleira, bem como os coros cheios de ternura. Nascia, desta forma, mais um álbum marcante na carreira do grupo.
Boa parte da escolha do repertório de Ao Vivo na Antena 3 foi pensado em virtude do formato acústico em causa. Assim se percebe a inclusão de “Doçuras” no alinhamento do espetáculo, por exemplo. Para poucos meios, as melhores soluções. O disco resultou tão bem que dele se fez uma tour acústica, o que depois de Direito ao Deserto calhou muito bem. É bom lembrar que os Xutos estavam com problemas na editora, e o sucesso deste Ao Vivo na Antena 3 foi bastante positivo para a banda voltar de novo e em grande ao panorama discográfico nacional. Esse foi o último registo para a Polygram, e a despedida fez-se com estrondo nas tabelas de vendas, chegando à platina.
Uma derradeira nota para a capa do álbum. Ela parece ser uma metáfora sobre aquilo que a banda representa. Os Xutos e Pontapés sempre foram elétricos, roqueiros até à medula, vibrantes e enérgicos. Para um disco acústico, nada melhor do que uma fotografia que os apanha de costas, do avesso, em contramão, digamos assim. Uma espécie de outra face menos conhecida da moeda que todos sabiam facilmente distinguir.
Teresa Salgueiro – O Horizonte (2016)
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Ao terceiro disco a solo, Teresa Salgueiro afirma-se uma artista de corpo inteiro, tendo em O Horizonte uma obra maior e incontornável na música portuguesa.
A terna voz dos Madredeus nunca nos abandonou realmente. Basta ouvi-la, na rádio, por uma janela entreaberta, e sabemos imediatamente quem estamos a escutar. Aquele timbre, aquela frescura, aquele sentimento, aquele fado desfadado na voz.
O Horizonte, lançado no final de 2016, é já a terceira investida a solo da cantora e compositora. Depois de O Mistério e da curiosa aventura que foi La Golondrina y El Horizonte – canções mexicanas e latino-americanas com edição exclusiva no México mas disponível em streaming – chegou a vez do novo disco.
E que disco! Teresa volta a assumir a responsabilidade de todas as letras e a direcção musical, contando com um quarteto de músicos de grande qualidade à sua volta.
E o que temos neste Horizonte? Temos, numa palavra, Portugal. Temos as serras, os campos, as aldeias, sim. Mas também a solidão das cidades, o mar, o cheiro da nossa terra. Este é um disco que soa profundamente português sem ser, de todo, provinciano. Está ali entre o popular e o erudito, entre o intrinsecamente local e o cosmopolita, num equilíbrio delicioso mas difícil de conseguir.
Temos temas lentos, serenos, mas temos também entusiasmo, como o vento, frieza, como a chuva, calor, como a boa lareira da aldeia.
Como diz a letra de “Horizonte”, que abre o disco:
“Ali se eleva o meu canto
É às distâncias que grito
Este delírio, este espanto
Que em tantos dias eu sinto
Pertenço aos montes longínquos
É dali que eu quero ser
Se não for por amar tanto
De que me serve viver?
Aqui me entrego
Entre a Terra e o Céu
Cumpro cantando
Um destino que é meu”.
O Horizonte é um disco que nos emociona e nos arrepia, profundamente enraizado na natureza mas completamente humano ao mesmo tempo.
Não o deixem escapar, seria um enorme pecado.
King Gizzard & the Lizard Wizard with Mild High Club – Sketches of Brunswick East (2017)
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Na companhia dos Mild High Club, os King Gizzard lançam um dos discos mais ecléticos e surpreendentes da sua carreira.
Em 2016 os australianos King Gizzard & the Lizard Wizard anunciaram o seu plano hercúleo de lançar cinco discos em 2017. Depois das experimentações microtonais de Flying Microtonal Banana e do spoken-word metálico de Murder of the Universe surgiu, sem aviso prévio, Sketches of Brunswick East. Saído em agosto, o disco é uma colaboração com Mild High Club, projeto indie rock do americano Alexander Brettin. O resultado é um disco mais atmosférico, jazzístico e, acima de tudo, subtil vindo de uma banda reconhecida pela sua extravagância musical.
As origens da colaboração são tão casuais como o lançamento do álbum. Stu McKenzie e Alex Brettin, líderes das suas respetivas bandas, encontraram-se depois do segundo ter tocado no Gizzfest de 2016, trocando ideias que eventualmente se transformaram nestes Sketches. É de salientar que este é provavelmente o trabalho mais variado da carreira de ambas as bandas. Discos anteriores eram alicerçados por conceitos que, embora interessantes, não permitiam grande variedade musical. A falta de um tema coerente permite-lhes esticar as suas asas e fazer algo que seria impossível se este se tratasse de um projeto individual de cada banda.
Depois da primeira de três faixas-título, começa “Countdown” uma canção ligeira e relaxada que prova que os King Gizzard não sabem apenas tocar música pesada (como, aliás, o subvalorizado Paper Mâché Dream Balloon de 2015 nos havia já demonstrado). A seguir, “D-Day” é um instrumental microtonal de atmosfera circense que contém alguns elementos de música oriental. A influência de Mild High Club nota-se na dorminhoca “Tezeta” que funde influências do doo-wop dos anos 50 com o jazz de fusão dos 70. O rock psicadélico faz-se sentir em “The Book” com os seus riffs microtonais e vocais cavernosos, recebendo a distinção de ser o momento mais pesado do álbum. “A Journey to (S)Hell” que lhe sucede, é um freak-out espacial que deixaria Syd Barrett orgulhoso. “Rolling Stoned” reencaminha-nos para paisagens mais relaxadas e sua transcendência oriental torna-a num dos momentos mais altos desta colaboração.
É interessante notar que aquele que é, discutivelmente, um dos projetos menos ambiciosos dos King Gizzard (especialmente quando comparado ao seu irmão mais velho Murder of the Universe), acaba por se tornar num dos seus melhores álbuns. Com dois discos no horizonte, talvez este venha a ser apenas o terceiro melhor disco que a locomotiva australiana lança este ano.
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