quarta-feira, 8 de junho de 2022

Poemas cantados de Chico Buarque

Chico Buarque




Garota de Ipanema

Chico Buarque

 

Olha que coisa mais linda,

Mais cheia de graça,

É ela menina, que vem e que passa,

Num doce balanço, a caminho do mar.

Moça do corpo dourado,

Do sol de Ipanema,

O seu balançado é mais que um poema,

É a coisa mais linda que já vi passar.


Ah! Como estou tão sozinho.

Ah! Como tudo é tão triste.

Ah! A beleza que existe,

A beleza que não é só minha

E também passa sozinha.


Ah! Se ela soubesse que quando ela passa

O mundo interinho se enche de graça

E fica mais lindo por causa do amor.


Só por causa do amor...





Geni e o Zepelim
Chico Buarque

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada

Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato

E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim

A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geleia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: Mudei de ideia!

Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniquidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir

Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro

Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos

Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai, Geni!
Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco

Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado

Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!



Gota D'água

Chico Buarque


Já lhe dei meu corpo, minha alegria

Já estanquei meu sangue quando fervia

Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta

Pro desfecho da festa

Por favor


Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não

Pode ser a gota d'água


Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não

Pode ser a gota d'água


Já lhe dei meu corpo, minha alegria

Já estanquei meu sangue quando fervia

Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta

Pro desfecho da festa

Por favor


Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não

Pode ser a gota d'água


Pode ser a gota d'água

Pode ser a gota d'água





Hino da Repressão
Chico Buarque

Se atiras mendigos no imundo xadrez
Com teus inimigos, e amigos, talvez
A lei tem motivos pra te confinar
Nas grades do teu próprio lar!

Se no teu distrito tem farta sessão
De afogamento, chicote, garrote e punção
A lei tem caprichos, o que hoje é banal
Um dia vai dar no jornal!

Se manchas as praças com teus esquadrões
Sangrando ativistas, cambistas, turistas, peões
A lei abre os olhos, a lei tem pudor
E espeta o seu próprio inspetor!

E se definitivamente a sociedade
Só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo
És um estorvo, és um tumor
Que Deus te proteja, és preso comum
Na cela faltava esse um!





Hino de Duran
Chico Buarque

Se tu falas muitas palavras sutis
Se gostas de senhas, sussurros, ardis
A lei tem ouvidos pra te delatar
Nas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravenção
Muambas, baganas e nem um tostão
A lei te vigia, bandido infeliz
Com seus olhos de raios X

Se vives nas sombras, frequentas porões
Se tramas assaltos ou revoluções
A lei te procura amanhã de manhã
Com seu faro de doberman

E se definitivamente a sociedade
Só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo
És um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
Depois chamam os urubus

E se pensas que burlas as normas penais
Insuflas, agitas e gritas demais
A lei logo vai te abraçar infrator
Com seus braços de estivador

Se pensas que pensas
Estás redondamente enganado
E como já disse, o Dr. Eiras
Que vem chegando aí
Junto com o delegado
Pra te levar




 

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