Rainha da sofrência britânica, ela já provou com os seus outros três álbuns que ela não gosta muito da maneira “mainstream” de fazer música. Isso talvez conceda a ela a oportunidade de aprofundar nos próprios sentimentos de forma diferente dos outros artistas, que escalonam a produção e perdem detalhes que se fazem importante em um contexto de álbum profundo, tocante e “impressionante”. Mas isso leva tempo e processo.
Os Beatles, por exemplo, quando estavam dispostos a produzir um álbum com letras tocantes e que mexeriam com a sensação da legião de fãs, reunia o que cada um dos integrantes tinha de mais urgente em questão de sentimento e expressava isso em letras, melodias e produções que marcam até hoje. Eles eram quatro. Todos compositores.
Adele é uma e, ainda que não assine sozinha todas as suas letras, ela é a personagem central de tudo o que canta e escreve. Por isso é compreensivo que 30 tenha demorado seis anos para chegar ao público. Nesses anos, ela experimentou muitos sentimentos que, para ela, foram novos. A maternidade, a separação, a culpa, a convivência com o monstro da dor e a descoberta de si mesma foram alguns expressados em forma de canção.
A cantora quase nunca está no centro dos holofotes e em revistas de fofoca. O mundo recebe tarde as poucas notícias sobre a sua vida pessoal. Mas ela deixa claro que tudo o que ela vive é o principal combustível para que a sua arte ainda esteja viva.
Sonoridade
Falando em arte, 30 não chegou para a gente com músicas em tons de hit, como foi o caso de 21, álbum de 2011 que possui os singles “Rolling in the Deep” e “Someone Like You”. Ainda que diferente, a artista continuou reafirmando a sua sonoridade única, trazendo referências do soul, R&B, blues e do hip-hop.
Adele expressou de maneira diferente a sua melancolia nesse álbum. Começou com músicas longas e notas ainda mais altas do que já é acostumada. Conseguiu mostrar uma dor que muitas vezes era subentendida, mas não necessariamente sentida pelo público. Além disso, a cantora traz ferramentas como áudios e vozes de fundos de contextos reais vividos por ela que provam o verdadeiro “fundo do poço” que chegou com o término do seu casamento com Simon Konecki.
“My Little Love” é o perfeito exemplo desse aparato em ação. A música combina um tom diferente de melancolia, uma mistura de tristeza e solidão, com a sua voz em conversa com seu filho Angelo, demonstrando sua culpa por não conseguir proporcionar a ele “o exemplo perfeito” de família.
Depois de mostrar uma visão daquilo que foi esse temido período em sua vida, Adele trouxe músicas em uma versão mais pop. O dance e a batida mais rápida de “Oh My God” e “Can I Get It” poderiam ser o ponto alto do álbum, se não tivessem ficado um pouco desencaixados do conjunto. Mas isso não quer dizer que as duas músicas não possuam sua relevância para o trabalho ou para a história contada. O clipe de “Oh My God”, inclusive, representou uma quebra no jeito da cantora de fazer vídeos.
Com “I Drink Wine”, Adele volta a colocar o álbum no eixo. Ela trabalha tons que remetem ao tradicional gospel – aquele mesmo que há anos revela artistas mundialmente famosos; ao mesmo tempo que rememora vibrações de artistas como Elton John. Nesse compasso, que já é conhecido por muita gente, ela recria sentimentos que não são muito comuns e repensa tudo aquilo que mais a angústia.
WHY AM I OBSESSING ABOUT THE THINGS I CAN’T CONTROL? / WHY AM I SEEKING APPROVAL FROM PEOPLE I DON’T EVEN KNOW?
Ao caminhar para o fim do álbum, “Hold on”, “To be loved” e “Love is game” dão a letra. Elas concluem todo aquele pensamento forte e doloroso que o amor proporcionou para Adele. Colocam a artista em um trilho de raciocínio onde ela mesma entendeu que fez tudo o que pode. Ela organizou a própria cabeça, mostrando que nem tudo está perdido.
O fim vai em desencontro com o início. “Easy on Me”, o lead single do álbum, é uma canção suave, naquele tradicional ritmo “adeliano” de se fazer música, que abre o conceito de confusão dolorosa que permeia todo o 30. Mostra as suas intenções boas, mas que a fizeram se perder dentro do relacionamento.
I WAS STILL A CHILD / I DIDN’T GET THE CHANCE TO / FEEL THE WORLD AROUND ME / I HAD NO TIME TO CHOOSE WHAT I CHOSE TO DO
Como resultado, a artista concluiu ao chegar no fim do álbum que, mesmo perdida, fez o que pode.
O que foi o álbum 30?
Em 30, Adele mostrou a força das dores que o seu relacionamento a proporcionou. Mas, mesmo perdida, ela conseguiu encontrar um caminho que a trouxe de volta à realidade. O seu filho, a quem o álbum é dedicado, é o grande responsável por isso.
Acho que o mais incrível de Adele é, de uma maneira ou de outra, poder se ver nas músicas. A dor de um relacionamento é comum a muita gente, ainda que de formas e contextos diferentes. E, se ainda assim, não se enxergar nessas canções, é bonito poder ver o caminho que ela trilhou.
Adele se superou no quesito arte, mas o principal foi o valor pessoal. Ela colocou a sua dor para jogo e se colocou para julgamento. Por fim, foi corajosa de demonstrar tudo isso em 12 músicas, tendo o mundo inteiro como público.
Adele – 30
Lançamento: 19 de novembro de 2021
Gravadora: Columbia
Gênero: Pop, Soul, Jazz
Produção: Greg Kurstin, Inflo, Tobias Jesso Jr., Ludwig Göransson, Max Martin e Shellback.
Faixas:
01. Strangers by Nature
02. Easy on Me
03. My Little Love
04. Cry Your Heart Out
05. Oh My God
06. Can I Get It
07. I Drink Wine
08. All Night Parking (with Erroll Garner)
09. Woman Like Me
10. Hold On
11. To Be Loved
12. Love Is A Game
Sem comentários:
Enviar um comentário