sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

“Jagged Little Pill” (Maverick Records, 1995), Alanis Morissette

 


O ano era 1995, e em meio à “ressaca” do grunge e a ascensão do britpop, o canto histriônico e libertário de uma garota de 21 anos invadia as paradas de sucesso em todo o mundo. A garota era a canadense Alanis Morissette, que através do seu primeiro sucesso em escala mundial, “You Oughta Know”, tornava-se a grande sensação dos adolescentes, sobretudo das garotas, que viam naquela jovem cantora um exemplo a ser seguido.

Mas até chegar ao topo das paradas e se tornar uma estrela internacional do rock, Alanis já batalhava por um lugar ao sol da fama desde a infância. Filha de uma professora e de um diretor de escola de ensino médio, Alanis nasceu em 1º de junho de 1974, em Ottawa, Canadá, junto com seu irmão gêmeo Wade Morissette. Sua carreira artística começou em 1986, aos 12 anos de idade, como apresentadora de um programa infantil, o You Can’t Do That On Television. No ano seguinte, lançou de forma independente o seu primeiro single, “Fate Stay With Me”, que não causou grande repercussão.

Em 1988, assinou contrato com a MCA Records. Através dessa gravadora, Alanis lançou seus dois primeiros álbuns, Alanis (1991) e Now Is The Time (1992), dois trabalhos voltados para o estilo dance pop e que só foram lançados no Canadá. O repertório dos dois álbuns era formado por canções pop ingênuas, superficiais, em que nada lembravam a Alanis que viria surgir poucos anos depois. Naquele momento da carreira, Alanis estava mais para uma Debbie Gibson, uma cantora pop de canções “açucaradas” e inofensivas muito popular no início dos anos 1990.

Capa de Alanis, primeiro álbum de estúdios de Alanis Moissette, lançado em 1991. 

Disposta a dar uma guinada na sua carreira, Alanis Morissette deixou Ottawa em 1993, com apenas 19 anos, e partiu para Toronto, onde acreditava ter mais chances para mostrar a sua música. No entanto, sem alcançar o seu objetivo, foi incentivada a tentar Los Angeles, nos Estados Unidos, um dos polos da indústria musical americana. E para Los Angeles, Alanis partiu, por volta de 1994, e lá conheceu o produtor Glen Ballard, profissional experiente que já havia trabalhado com grandes estrelas da música pop como Michael Jackson, Quincy Jones, Paula Abdul e Pointer Sisters. Ballard ficou impressionado com talento e a determinação da jovem cantora canadense, que deixou o seu pais de origem e partiu com a cara e a coragem para os Estados Unidos em busca do sonho de tornar a sua música conhecida por tanta gente. E para isso, Alanis não mediu esforços: deixou o Canadá com pouco dinheiro rumo a um país estranho e até dormiu de favor em sofá na casa de amigos que fez nos Estados Unidos.

Não demorou muito para que Alanis e Ballard se tornassem parceiros musicais. Ela escrevia as letras das canções, boa parte delas autobiográficas. A Ballard cabia “vestir” os versos de Alanis com os arranjos que ele criava. As gravações do que viria a ser Jagged Little Pill começaram em março de 1994, num estúdio caseiro de Ballard, em San Francisco Valley, na Califórnia, onde gravaram uma demo. Apenas Alanis cantando e tocando gaita, e Ballard na guitarra, baixo, teclados, programação de bateria e fazendo a produção.

O produtor Glen Ballard foi fundamental na concepção do álbum Jagged Little Pill.

Com o tempo a sessões de gravação contaram com participações de convidados especiais como o guitarrista Dave Navarro e o baixista Flea, ambos do Red Hot Chili Peppers, que tocaram na faixa “You Oughta Know”. Os outros músicos convidados foram o tecladista Benmont Tench (do Tom Petty & The Heartbreakers), o experiente guitarrista Michael Landau (trabalhou com Joni Mitchell, Dionne Warwick, Rita Lee, Rod Stewart, Cher, Michael Jackson, James Taylor, B.B. King entre outros), o baterista Matt Laug e demais músicos convidados.

Antes de finalizar todo o material, algumas canções foram apresentadas às gravadoras, mas não demonstraram nenhum interesse, exceto a Maverick Records, selo de ninguém menos que a estrela pop Madonna. Em dezembro de 1994, Alanis assinou contrato com a Maverick, e as gravações do restante do álbum prosseguiram, sendo finalizadas em abril de 1995.

Alanis Morissette e ao lado de Madonna, que além estrela da música pop,
era proprietária do selo Maverick Recods, responsável pelo lançamento 
de Jagged Little Pill.


Lançado em 13 de junho de 1995, Jagged Little Pill aborda nas suas 12 faixas temas e assuntos que dizem muito sobre a vida de Alanis Morissette. As letras das canções são confessionais, reveladoras, e tratam sobre angústia, frustrações, sexualidade, desilusões amorosas, assuntos abordados de uma maneira que dialogavam muito bem com o público jovem, sobretudo as garotas adolescentes, que se identificaram cm conteúdo das letras. Não à toa, Alanis se tornou uma referência para elas.

O álbum abre com “All I Really Want”, cuja introdução é um riff conjunto de gaita e guitarra. Através do seu canto histriônico nesta fase inicial de sua carreira, Alanis canta sobre seus desejos e suas insatisfações num relacionamento a dois, revelando a personalidade forte e decidida da cantora.

Primeira música de Jagged Little Pill a fazer sucesso, “You Oughta Know” é uma das faixas mais confessionais de Alanis presentes no álbum. Trata sobre um fato que teria acontecido com a cantora quando um antigo namorado a trocou por outra garota, e ela descarregou tudo que sentia na frente dele após descobrir tudo. A letra é forte, direta, sem rodeios e nem floreios. O refrão é berrado, carregado de muita fúria. É a faixa que conta com as participações especiais do baixista Flea e do guitarrista Dave Navarro, ambos do Red Hot Chili Peppers.

Dave Navarro e Flea, ambos do Red Hot Chili Peppers,
colaboraram na faixa "You Oughta know"

O clima fica um pouco mais ameno com a faixa seguinte, “Perfect”, uma balada que começa acústica e depois evolui para uma sonoridade mais elétrica do rock. A canção trata sobre as pressões que os jovens sofrem dos seus pais para que sejam tudo aquilo que eles não conseguiram ser na juventude. “I'll live through you / I'll make you what I never was / If you're the best, then maybe so am I” (“Viverei através de você / Farei de você o que nunca fui / Se você é o melhor, então talvez eu também seja”). Nos trechos mais intensos da canção, a voz de Alanis se torna mais esganiçada, irritante.

Em “Hand In My Pocket”, outra faixa do álbum que se tornou um grande sucesso radiofônico, Alanis canta sobre o período difícil que viveu quando chegou em Los Angeles com pouco dinheiro, passou dificuldades e morou de favor na casa de amigos. Todo um sacrifício em nome de um objetivo que era construir uma carreira artística e viver da própria música.

“Right Through You” parece ser um recado de Alanis a todos aqueles que recusaram o seu trabalho. Reflete sobre todos os dissabores pelos quais a cantora canadense passou antes da fama. Pesada e agressiva, “Forgiven” é um rock em que Alanis traça uma crítica à sua criação religiosa fundamentada no catolicismo: “I sang Alleluia in the choir / I confessed my darkest deeds to an envious man / My brothers they never went blind for what they did / But I may as well have / In the name of the Father, the Skeptic and the Son” (“Eu cantei Aleluia no coral / Eu confessei meus piores pecados a um homem invejoso / Meus irmãos, eles nunca nunca foram castigados pelo o que fizeram / Mas eu bem que posso ser / Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”).

“You Lern” é uma das faixas mais populares de Jagged Little Pill. Tocou à exaustão nas programações radiofônicas de todo o mundo. A música casa muito bem as guitarras de rock com as batidas eletrônicas do dance pop, que diga-se de passagem, são bem parecidas com a de “Mr. Loverman”, hit de Shabba Ranks que fez muito sucesso em 1991. “You Lern” passa a mensagem de que os erros e acertos são um aprendizado na vida do ser humano.

Alanis Morissette durante a gravação da faixa "You Learn".

Se em “You Oughta Know”, Alanis descarrega toda a sua raiva e fúria contra aquele que a traiu e a menosprezou, em “Head Over Feet”, Alanis demonstra todo o seu amor e atração por um rapaz que a trata bem, é paciente, gentil e atencioso. 

“Mary Jane” é uma canção bonita, mas um tanto quanto melancólica. A canção se refere a uma garota que vive reclusa voluntariamente, distante do mundo exterior, talvez por se sentir fora dos padrões impostos pela sociedade. É um comportamento comum em alguns adolescentes. Os arranjos são bastante interessantes; num determinado trecho da música, o andamento é um misto de balada pop rock com valsa.

Azar é o tema central de “Ironic”, que trata sobre o assunto de maneira divertida e irreverente. “Ironic” traz em seus versos, uma coleção de fatos azarados como a de um velhinho que aos 98 anos, ganhou na loteria, mas morreu no dia seguinte ao sorteio. A faixa fez um enorme sucesso nas rádios, assim como o seu videoclipe que foi bastante veiculado na MTV na época.

Alanis Morissette em cena do videoclipe "Ironic".

Em “Not The Doctor”, uma garota exige um lugar importante na vida do seu namorado, um tratamento mais companheiro e maduro. Ela se nega a ser apenas uma espécie de “muleta sentimental” dele: “I don't want to be to be your baby-sitter / You're a very big boy now / I don't want to be you mother / I didn't carry you in my womb for nine months / Show me the back door” (“Eu não quero ser sua babá / Agora você é um menino bem crescidinho / Eu não quero ser sua mãe / Não carreguei você na barriga por nove meses / Mostre-me a porta dos fundos”).

Última música do álbum, “Wake Up” é um pop rock sobre conformismo e passividade. Aqui, Alanis tece uma crítica àqueles que vivem se lamentando sem tomar atitude para reverter a situação em que se encontram.

A recepção de Jagged Little Pill por parte da crítica foi positiva. Comercialmente, o álbum demorou para decolar. Estreou na parada Billboard 200 em 118º lugar. É bem verdade que o próprio selo responsável pelo lançamento do disco, a Maverick Records, não guardava grandes expectativas em termos de vendas para o álbum. Esperava-se que vendesse umas 200 mil cópias.

Porém, com o estouro de “You Oughta Know” nas rádios e seu videoclipe massificado na MTV americana, as vendas de Jagged Little Pill cresceram, e o álbum subiu nas paradas da Billboard. Só nos Estados Unidos, Jagged Little Pill  vendeu mais de 16 milhões de cópias. No Brasil, alcançou a marca das 550 mil cópias vendidas, tornando-se o álbum de artista estrangeiro mais vendido nos anos 1990 no país. Em todo o mundo, Jagged Little Pill vendeu cerca de 35 milhões de cópias, entrando assim na lista dos álbuns mais vendidos em todos os tempos.

Intitulada The Can’t Not Tour (também chamada de Intellectual Intercourse Tour), a turnê mundial para promover Jagged Little Pill durou cerca de 17 meses. The Can’t Not Tour começou em 1º de julho de 1995, na cidade de Tempe, no Arizona, nos Estados Unidos, e terminou em 14 de dezembro de 1996, em Honolulu, no Havaí. Passou pelos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Áustria, Alemanha, França, Escócia, Itália, Irlanda, Holanda, Escócia, Japão, Hong Kong, Coréia do Sul, Singapura, Austrália, Brasil e Argentina.

A turnê passou pelo Brasil em outubro de 1996, quando Alanis fez três apresentações em São Paulo e uma no Rio de Janeiro. Ela ainda teve tempo para se apresentar na televisão brasileira. Alanis e sua banda tocaram ao vivo no Programa Livre, de Serginho Groismann, no SBT, e ela fez uma participação especial num dos capítulos da série Malhação, da TV Globo.

Durante a turnê pelo Brasil, em 1996, Alanis Morissette e sua banda
fizeram aparições  em programas de algumas emissoras de TV brasileiras,
como no  SBT, onde se apresentaram no Programa Livre (foto).

Duas curiosidades interessantes nessa turnê. A primeira é que Alanis contou com a presença do baterista Taylor Hawkins, que após a conclusão da turnê, foi convidado a integrar os Foo Fighters. Uma outra curiosidade é que dentre as seis bandas de abertura da turnê de Alanis, estava ninguém menos que a Radiohead, ainda pouco conhecida. As outras cinco bandas foram a Imperial Drag, K’s Choice, Loud Lucy, Our Lady Peace e Frente!.

Além do ótimo desempenho comercial, Jagged Little Pill ganhou vários prêmios, dentre os quais, quatro prêmios Grammy em 1996: “Melhor Performance Rock Vocal Feminino”, “Melhor Canção Rock”, “Melhor Álbum de Rock” e “Álbum do Ano”.

Jagged Little Pill foi o maior sucesso da carreira de Alanis Morissette. Os álbuns posteriores da canadense não conseguiram repetir o mesmo desempenho comercial de Jagged Little Pill. O álbum cravou o nome de Alanis entre as mais importantes mulheres da história do rock, o que por si só não é pouca coisa. O álbum é considerado um dos dez melhores da década de 1990. Em 2020, Jagged Little Pill ficou em 69º lugar na lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone. 

Faixas

Todas as canções compostas por Alanis Morissette e Glen Ballard. Todas as letras por Alanis Morissette.


  1. “All I Really Want”      
  2. "You Oughta Know
  3. "Perfect" 
  4. "Hand in My Pocket" 
  5. "Right Through You" 
  6. "Forgiven" 
  7. "You Learn"    
  8. "Head over Feet" 
  9. "Mary Jane" 
  10. "Ironic" 
  11. "Not The Doctor"  
  12. "Wake Up" 

 

 
"You Oughta Know" 
(videoclipe original)

"Hand in My Pocket" 
(videoclipe original)


"You Learn" 
(videoclipe original) 

"Head over Feet" 
(videoclipe original)

"Ironic" 
(videoclip)

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