Romance de Um Dia na Estrada
Sérgio Godinho
Andava há já vinte dias
Ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos para a morte
Um dia fraco, outro forte
Quando um barulho de cama
A voltar-se de impaciente
Me fez parar de repente
Era noite e o casarão
Não tinhas lados nem frente
Dentro havia luz e pão
Me fez parar de repente
Ó da casa, abram-me a porta
Fiz as luzes se apagarem
Cheguei-me mais à janela
Vi acender-se uma vela
Passos de mulher andarem
E uma mulher muito bela
Chegou-se mais à janela
Não tenhas medo, eu não trago
Nem ódio nem espingardas
Trago paz numa viola
Quase que não fui à escola
Mas aprendi nas estradas
O amor que te consola
Trago paz numa viola
Meu marido foi pra longe
Tomar conta das herdades
Ela disse "Companheiro"
Eu disse "Vem", ela "Tu primeiro"
"Tu que me falas de estradas"
"E eu só conheço um carreiro"
Ela disse "Companheiro"
A contas com a nossa noite
Afundados num colchão
Entre arcas e um reposteiro
Descobrimos um vulcão
Era o mês de Fevereiro
E o Inverno se fez Verão
Descobrimos um vulcão
E eu que falava de estradas
E só conhecia atalhos
E ela a mostrar-me caminhos
Entre chaminés e orvalhos
Pela manhã, sem agasalhos
Voltei a rumos sozinhos
E ela a mostrar-me caminhos
Andarei mais vinte dias
ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos para a morte
Um dia fraco, outro forte
Um dia fraco, outro forte
Salão de Festas
Sérgio Godinho
Benvindos todos ao salão de festas
faz bem andar metido nestas andanças
se agora danças
logo pensas
e mais
fazes diferentes
dias que eram iguais
ora puxa o corpo pra cá
quero o eco aqui que é de lá
faz por mexer, mexe
faz por mexer, mexe
e faz com que (oxalá!)
amanhã seja o que não há
Que bem se canta na Sé
mas é só para quem é
um sentado, outro em pé
mas aqui quem canta
é quem quiser (olha quem!)
isto enquanto é um canto
está sentado o desdém
Benvindos todos ao salão de festas
desbravaremos de florestas
e mares
se vais pelos ares
logo pousas e penso
melhor irás entre o furor e o bom senso
ora puxa o corpo pr´aqui
quero o eco cá que é daí
faz por fazer
o que hoje queres para ti
e que amanhã seja o que não vi
Que bem se canta na Sé
mas é só para quem é
um sentado, outro de pé
mas aqui quem canta
é quem quiser (olha quem!)
isto enquanto é um canto
está sentado o desdém
Quem dera que a energia que trouxe pudesse
habitar um só dia que fosse
o calor da tua hospedaria
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