sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

POEMAS CANTADOS DE SERGIO GODINHO

Romance de Um Dia na Estrada

Sérgio Godinho


Andava há já vinte dias

Ao frio, ao vento e à fome

Às escondidas da sorte

Um dia fraco, outro forte

Que o dia em que se não come

É um dia a menos para a morte

Um dia fraco, outro forte


Quando um barulho de cama

A voltar-se de impaciente

Me fez parar de repente

Era noite e o casarão

Não tinhas lados nem frente

Dentro havia luz e pão

Me fez parar de repente


Ó da casa, abram-me a porta

Fiz as luzes se apagarem

Cheguei-me mais à janela

Vi acender-se uma vela

Passos de mulher andarem

E uma mulher muito bela

Chegou-se mais à janela


Não tenhas medo, eu não trago

Nem ódio nem espingardas

Trago paz numa viola

Quase que não fui à escola

Mas aprendi nas estradas

O amor que te consola

Trago paz numa viola


Meu marido foi pra longe

Tomar conta das herdades

Ela disse "Companheiro"

Eu disse "Vem", ela "Tu primeiro"

"Tu que me falas de estradas"

"E eu só conheço um carreiro"

Ela disse "Companheiro"


A contas com a nossa noite

Afundados num colchão

Entre arcas e um reposteiro

Descobrimos um vulcão

Era o mês de Fevereiro

E o Inverno se fez Verão

Descobrimos um vulcão


E eu que falava de estradas

E só conhecia atalhos

E ela a mostrar-me caminhos

Entre chaminés e orvalhos

Pela manhã, sem agasalhos

Voltei a rumos sozinhos

E ela a mostrar-me caminhos


Andarei mais vinte dias

ao frio, ao vento e à fome

Às escondidas da sorte

Um dia fraco, outro forte

Que o dia em que se não come

É um dia a menos para a morte

Um dia fraco, outro forte

Um dia fraco, outro forte


Salão de Festas

Sérgio Godinho


Benvindos todos ao salão de festas

faz bem andar metido nestas andanças

se agora danças

logo pensas

e mais

fazes diferentes

dias que eram iguais

ora puxa o corpo pra cá

quero o eco aqui que é de lá

faz por mexer, mexe

faz por mexer, mexe

e faz com que (oxalá!)

amanhã seja o que não há


Que bem se canta na Sé

mas é só para quem é

um sentado, outro em pé

mas aqui quem canta

é quem quiser (olha quem!)

isto enquanto é um canto

está sentado o desdém


Benvindos todos ao salão de festas

desbravaremos de florestas

e mares

se vais pelos ares

logo pousas e penso

melhor irás entre o furor e o bom senso

ora puxa o corpo pr´aqui

quero o eco cá que é daí

faz por fazer

o que hoje queres para ti

e que amanhã seja o que não vi


Que bem se canta na Sé

mas é só para quem é

um sentado, outro de pé

mas aqui quem canta

é quem quiser (olha quem!)

isto enquanto é um canto

está sentado o desdém


Quem dera que a energia que trouxe pudesse

habitar um só dia que fosse

o calor da tua hospedaria

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