terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Review: Frank Zappa – Zoot Allures (1976)

 


O lado satírico da obra de Frank Zappa, presente principalmente nas letras mas também na parte musical, não me agrada. Primeiro, porque o contexto se perde totalmente na tradução e no desconhecimento da língua inglesa que limita – e muito – o alcance de sua obra pelo público brasileiro, além do próprio descolamento temporal, já que muitas das críticas de Zappa funcionavam de maneira mais efetiva na época em que foram compostas. O segundo ponto diz está relacionado à parte musical, pois não sou fã do aspecto circense e humorístico presente muitas vezes em seus discos, inclusive nos considerados clássicos como Freak Out! (1966) e We’re Only in It for the Money (1968). Prefiro muito mais a aproximação com o jazz de álbuns sensacionais como Hot Rats (1969) e The Grand Wazoo (1972).

Zoot Allureslançado em 20 de outubro de 1976, equilibra esses dois lados da personalidade artística de Frank Zappa. O trabalho abre com “Wind Up Workin’ in a Gas Station”, fruto da fascinação do vocalista e guitarrista pela cultura germânica e cuja letra ataca o sistema educacional norte-americano através da repetição da frase "show me your thumb if you're really dumb" ("mostre-me seu polegar se você for realmente burro"). Sua estrutura e variações vocais conversam com o lado mais irônico, crítico e gozador de Zappa.

No outro lado da moeda e logo na sequência, o álbum entrega duas das peças musicais mais conhecidas e aclamadas do bigodudo. A sensacional “Black Napkins”, gravada ao vivo em Osaka, no Japão, em fevereiro de 1976, é um dos mais belos solos gravados por Zappa, que sempre foi um guitarrista sensacional e, muitas vezes, tem esse lado de sua musicalidade negligenciado. Aqui, estamos mais próximos da conversação entre o rock e o jazz presente em Hot Rats e The Grand Wazoo.

Já a densa e hipnótica “The Torture Never Stops”, cantada de forma monocromática por Zappa, possui elementos de ambient music e intervenções vocais femininas que ficam no limite entre o som de pessoas sendo torturadas ou alcançando o ápice do prazer. Esses gemidos foram feitos por Gail, sua esposa e mãe de seus quatro filhos – Moon, Dweezil, Ahmet e Diva – e uma amiga. Em entrevista publicada no The Daily Mirror em 14 de fevereiro de 1977, Zappa disse: "Os efeitos sonoros de 'The Torture Never Stops' foram um trabalho noturno. Fizemos a maior parte no quarto da minha casa. Havia duas garotas lá - uma era minha esposa - e eu. Acho que elas gostaram muito. Gravamos quatro horas e reduzimos para pouco menos de dez minutos. Minha amiga começa com o primeiro grunhido e continua a partir dali. Acho que não vale a pena contar exatamente o que aconteceu ... você não teria permissão para publicar”. Há uma versão instrumental da canção no álbum Sheik Yerbouti (1979), que na verdade é o solo de guitarra de “The Torture Never Stops” gravado ao vivo em fevereiro de 1978 em Berlim, na Alemanha, e rebatizado como “Rat Tomago”.

O álbum segue com “Ms. Pinky”, que acelera o clima hipnótico de “The Torture Never Stops” e que, de acordo com estudiosos da obra de Zappa, foi influenciada pelo então nascente heavy metal. “Find Her Finer” traz Zappa cantando sobre um groove sensual. A letra sugere que a melhor maneira de conquistar uma garota é mostrar que você é menos inteligente do que ela, seguindo o raciocínio de que as mulheres não se importam com homens inteligentes mas sim com um cara romântico, além de fazer um paralelo com a crença estereotipada de que os homens preferem mulheres pouco inteligentes. A instrumental “Friendly Little Finger” retoma a exuberância e precisão técnica e traz alguns ecos de Jimi Hendrix, enquanto Zappa sola alucinadamente em sua guitarra.

“Wonderful Wino” é a mais pesada do disco e uma versão para uma música do baixista e guitarrista Jeff Simmons presente no seu álbum de estreia, Lucille Has Messed My Mind Up (1969). Simmons integrou a Mothers of Invention, banda de apoio de Zappa, entre 1970 e 1974, e tocou em discos como Chunga’s Revenge (1970), Waka/Jawaka (1972) e Roxy & Elsewhere (1974). 

A música título, “Zoot Allures”, é uma das mais belas composições de Frank Zappa, onde sua guitarra surge limpa e com um timbre lindo, e que, de certa forma, se desenvolve em uma estrutura que remete à clássica “Rumble”, gravada por Link Wray em 1958. O disco fecha com a pesada “Disco Boy”, ao lado de “Find Her Finer” as duas únicas canções de Zoot Allures lançadas como single. A letra ironiza os estereótipos associadas à disco music, enquanto a canção traz uma apelo conscientemente mais pop.

Zoot Allures, no fim das contas, é um dos melhores trabalhos de Frank Zappa por equilibrar com precisão diversos aspectos de sua arte. O lado satírico é limitado, em grande parte, às letras, respingando pouco no aspecto musical, o que me agrada muito. A aproximação com o jazz rock é frequente, em canções instrumentais ou não, que mostram toda a rica musicalidade de Zappa. E a guitarra, o instrumento principal de Zappa, está presente em todo o disco com destaque, notadamente nas sensacionais “Black Napkins”, “Friendly Little Finger” e na canção que intitula o álbum.

Ainda que mais experimental que Hot Rats The Grand Wazzo, é uma boa indicação para quem quer dar os primeiros passos na monumental, vasta e singular obra de Frank Zappa, um dos maiores e mais influentes músicos da história do rock - e além.



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