Transformar o que muitos consideram incômodo sonoro e ruído em música é uma tarefa deveras complicada. Fazer com que se compreenda as reais intenções de uma música encoberta por uma muralha de feedbacks, ruídos e efeitos é tarefa tão complicada quanto.
É difícil apontar quando o gênero noise rock tomou forma, muito menos quando surgiu, mas é fácil perceber que tem sido uma constante nos submundos da música underground e alternativa nos fins dos anos 80 e — principalmente — nos anos 90 em diante, quando literalmente fervilharam projetos que abraçaram com orgulho o rótulo de noise para si.
Como sempre, incontáveis discos ficaram fora da lista, mas como o intuito é citar apenas cinco, a matemática não me permitiu colocar 10 discos aqui. Por fim, vale repetir os mesmos dizeres que fiz em minha matéria sobre drone:
Os discos citados abaixo não são de audição fácil, portanto, se você:
- Não gosta de heavy metal;
- Não gosta de música experimental, ou;
- Acha que tudo o que vou citar abaixo nem é música de verdade, ou até;
- Está esperando Metal Machine Music.
Não se dê o trabalho de prosseguir com a leitura.
The Velvet Underground – White Light / White Heat [1968]
Goste você ou não das estranhas composições de Lou Reed a frente do Velvet Underground, há de dar o braço a torcer: surtiram influência igual — ou até maior — que os Beatles nas gerações seguintes, desde o punk, o rock avant-garde, a art-rock e, neste caso, na utilização do conceito noise no rock. A estética e sonoridade do disco é completamente atípica: ruidosa, com baixo e guitarra atravessando canais e vocais hora encobertos por toneladas de fuzz e efeitos de guitarra, hora jogados em um único canal e a volume máximo, causando um efeito realmente incômodo, mas chamativo. Está aí o espírito do estilo: incomodar, mas sempre com um propósito embutido. Talvez o principal propósito da música noise, além de causar desconforto, seja incitar o ouvinte a desvendar o que há além do caos. Ecos de rockabilly, blues, spoken word e poesias profundas sobre assuntos polêmicos, mas sempre de extrema qualidade, acabaram passando batidos por quem não teve paciência ou escopo suficiente para compreender o que estavam ouvindo. Para nossa sorte, uma geração inteira conseguiu sacar o que Lou Reed quis nos mostrar — além de barulho, claro. Seminal, e nada mais.
Lou Reed (vocal, guitarra, piano); John Cale (vocal, baixo); Sterling Morrison (vocal, guitarra, baixo); Maureen Tucker (percussão).
- White Light / White Heat
- The Gift
- Lady Godiva’s Operation
- Here She Comes Now
- I Hear Her Call My Name
- Sister Ray
Big Black – Songs About Fucking [1987]
Falar em noise rock sem ao menos citar a figura de Steve Albini seria cometer deslize semelhante ao escrever sobre rock progressivo sem falar de Pink Floyd. O Big Black na verdade é uma das várias bandas noise que Albini levou a cabo em sua carreira como músico e, mesmo com uma curtíssima carreira, viriam a ser apontados como enorme influência para futuras bandas que se consagrariam anos mais tarde. Responsável pelas vozes, guitarras e letras do grupo, Albini criou para o Big Black um som frenético e intenso, muito próximo do hardcore, tanto que Albini sempre viu o Big Black como uma banda punk. O clima industrial do disco — intensificado pelo uso de bateria eletrônica e ritmos marciais — mesclado à fúria natural do punk apenas ajudam a traçar um paralelo de semelhança com outras bandas mais conhecidas do grande público, especialmente o Ministry e o Nine Inch Nails. Em resumo, Sonds About Fucking é intenso — tal como o título sugere — e, apesar da dificultosa audição habitual do estilo, cativa rapidamente o ouvinte pelo vigor de suas canções.
Steve Albini (vocais, guitarra); Santiago Durango (guitarra); Dave Rilley (baixo)
- The Power of Independent Trucking
- The Model (cover do Kraftwerk)
- Bad Penny
- L Dopa
- Precious Thing
- Colombian Necktie
- Kitty Empire
- Ergot
- Kasimir S. Pulaski Day
- Fish Fry
- Pavement Saw
- Tiny, King of the Jews
- Bombastic Intro
- He’s a Whore (cover do Cheap Trick)
Sonic Youth – Dirty [1992]
Quando despontaram no cenário alternativo no ano de 1983 com Confusion is Sex, já chamaram a atenção pela proposta que mesclava o universo alternativo vigente com uma pegada descaradamente experimental. 9 anos e cinco discos depois, sendo três deles audição rockeira obrigatória — os seminais EVOL [1986], Daydream Nation [1988] e Goo [1990] — passamos a presenciar não apenas mais uma banda no meio de uma enxurrada, mas uma banda convicta do que estava fazendo — uma banda influente, em resumo –. Dirty chama a atenção pela evolução da forma como a guitarra é encarada em seu papel na criação de arranjos, bases e solos. Tudo é impressionantemente assimétrico, mas ao mesmo tempo cativante. Reza a lenda que inúmeros utensílios foram usados para produzir sons específicos na guitarra, como baquetas e ferramentas, algo que não é de se duvidar, pois o som obtido é realmente estupendo, mesmo sendo noise. Arranjos pop que mesclam-se a melodias sombrias e guitarras dissonantes dão o tom de um disco que pode parecer estranho à princípio, mas que cresce nas audições seguintes.
Thurston Moore (vocal, guitarra); Kim Gordon (baixo, vocal, guitarra); Lee Ranaldo (guitarra, vocal); Steve Shelley (bateria)
- 100%
- Swimsuit Issue
- Theresa’s Sound-World
- Drunken Butterfly
- Shoot
- Wish Fulfillment
- Sugar Kane
- Orange Rolls, Angel’s Spit
- Youth Against Fascism
- Nic Fit
- On the Strip
- Chapel Hill
- JC
- Purr
- Créme Brûlèe
Today is the Day – Willpower [1994]
Em se tratando de noise, o Today is the Day, norte-americanos da cidade do Tennessee, já se tornaram referências para toda e qualquer banda do estilo que viesse a surgir futuramente. O som é completamente raivoso, dissonante, provocativo e, o mais importante, imprevisível. O trabalho vocal de Steve Austin é estupendamente doentio, com vários gritos e vocais rasgados que, juntamente das guitarras agudas produzindo riffs curtos e explosivos, criam um verdadeiro caos sonoro imprevisível. O grande charme de Willpower é conseguir unir a dissonância e andamentos de math rock com trechos onde as melodias e influência de shoegaze — My Bloody Valentine, principalmente — dominam as músicas, passando de momentos de súbito peso e raiva para momentos esmagadoramente sentimentais. E isso faz todo o sentido do mundo no contexto que o disco se enquadra. Tematicamente, Willpower também não é acessível. Basicamente é um turbilhão lírico sobre desespero, depressão, suicídio e letras confessionais, tornando o panorama geral do disco ainda mais brutal.
Steve Austin (vocal, guitarra, samplers); Mike Herrell (baixo); Brad Elrod (bateria)
- Willpower
- My First Knife
- Nothing To Lose
- Golden Calf
- Sidewinder
- Many Happy Returns
- Simple Touch
- Promised Land
- Amazing Grace
Oxbow – The Narcotic Story [2007]
Diferente dos anteriores, The Narcotic Story não é um disco que abusa de distorções de guitarras, feedbacks e efeitos que procuram preencher todos os espaços da música. Utilizando sonoridades acústicas que mesclam-se a nuances produzidas por efeitos digitais e muitas vocalizações, é certamente um dos discos mais singulares a marcar presença aqui. As influências de blues e jazz são gritantes durante toda a audição, e a banda parece deixar claro que o disco é mais referencial do que uma complexa montagem de barulhos. Algo notável e onipresente nos pouco mais de 40 minutos de duração do disco é o clima esquizofrênico das faixas, sempre muito sombrias e com vocais e vocalizações — a cargo do performático Eugene Robinson — que mais se assemelham a um usuário de drogas agonizando em estágio de abstinência — o título do mesmo não é por acaso –. Um disco tortuoso de avant-garde sobre drogas que definitivamente não tem absolutamente nada de semelhante à apologia e felicidade dos discos psicodélicos dos anos 60.
Eugene Robinson (vocais); Niko Wenner (guitarra); Greg Davis (bateria, percussão); Dan Adams (baixo).
- Mr. Johnson
- The Geometry of Business
- Time, Gentlemen, Time
- Down a Stair Backward
- She’s a Find
- Frankly Frank
- A Winner Every Time
- Frank’s Frolic
- It’s the Givin, Not the Taking
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