Robyn Hitchcock é o último disco de Robyn Hitchcock. Tem apenas três anos de vida, mas já nasceu maior de idade. O músico londrino continua a espalhar a magia do costume, nós é que, por vezes, não damos conta disso.
Já tudo se disse sobre Robyn Hitchcock, embora cada vez se saiba menos sobre ele. Vai aparecendo com regularidade, vai dando digressões, mas é cada vez mais (embora sempre tenha sido) um artista de culto, sem a exposição que mereceria se o mundo fosse justo e benévolo em relação aos grandes, que verdadeiramente nunca o foram em termos de aceitação massiva. Não nos queixemos. Não vale a pena, sobretudo quando vamos tendo, mesmo assim, todos os meios para continuarmos a ouvir aqueles que muitos outros põem de lado, à borda do prato.
Para os que não se enquadram no culto Hitchcockiano, lembremos que o músico inglês não começou em nome próprio, mas escondido por detrás dos saudosos The Soft Boys, banda que surgiu nos finais dos anos 70, e que lançou, por exemplo, o ótimo Underwater Sunlight (1980). Depois disso, lançou-se numa carreira a solo, digamos assim, com um ou outro intervalo para se fazer acompanhar pelos Egyptians ou para fazer nascer e crescer uma banda de amigos, os The Venus 3, com Peter Buck (R.E.M.), Scott McCaughey (Young Fresh Fellows) e Bill Rieflin (Ministry), tendo editado 3 álbuns de estúdio. Toda a sua longa carreira foi marcada por discos de génio, canções maiores do que a vida, e uma enorme resiliência em manter-se à tona da turva e enganadora água que tantos talentos foi afogando ao longo dos anos. Robyn Hitchcock, felizmente, está vivo, bem vivo até, e a sua última prova de vitalidade fez-se com Robyn Hitchcock, disco homónimo que agora apreciamos.
Pode ser que não entre à primeira, mas vale a pena insistir. É quase sempre assim com o músico nascido em Paddington, Londres. Mas há um foicinho de fascínio que vai ficando, vai entrando até tomar conta dos nossos ouvidos de maneira segura. Com este disco de 2017, há canções que, de tão orelhudas, se acomodam imediatamente em nós. São exemplos perfeitos do que dizemos os temas “I Want To Tell You About What I Want”, “Mad Shelley’s Letterbox” ou “Sayonara Judge”, sendo esta última a mais bonita e delicada de todo o disco. No entanto, outras vão ganhando o seu espaço até ficarem na “linha da frente”, firmes nas suas elegantes identidades. “Time Coast”, “Detective Mindhorn”, “I Pray When I’m Drunk” e “1970 in Aspic” cabem bem nesse lote. Ou seja, Robyn Hitchcock (o álbum) acaba por ser mais um dos muitos triunfos que Robyn Hitchcock (o músico) foi sabendo fazer nas várias décadas que leva nas pernas.
A voz continua inconfundível e extraordinariamente melodiosa, as guitarras insistem em ser protagonistas, as canções continuam a fazer eco das principais referências do músico inglês (Dylan, Beatles, Syd Barrett), mas também fazendo lembrar XTC, The Feelies e Julian Cope dos anos 80 e 90, entre outros mais. No entanto, todo este caldeirão de influências e referências são traduzidas numa voz artística bastante única, facilmente identificável e recomendável.
O prazer de ouvir Robyn Hitchcock ganha-se com o tempo, não fosse o tempo o maior filtro para todas as coisas, sobretudo para a qualidade. O seu pop-rock alternativo, o seu particular psicadelismo, o seu college rock, mas sobretudo a sua límpida escrita de canções, todos esses aspetos são os ingredientes que nos fazem gostar tanto de Robyn Hitchcock, tanto o músico como o disco de 2017, o seu último trabalho de estúdio até à data. Esperemos pelo próximo, portanto. Mas se entretanto a espera se prolongar, há tanto para ouvir que o difícil é escolher por onde começar. Felizmente!
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