segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Discografias Comentadas: Vintersorg

 



O grupo Vintersorg (“Tristeza do Inverno”, em sueco) surgiu em 1994 na cidade de Skellefteå , na Suécia, com o nome de Vargatron (“Trono do Lobo”) e a intenção de fazer um black metal com vocais limpos, ao contrário do usual rasgado/gutural. Com o fim do projeto em 1996, o vocalista e multi-instrumentista Andreas Hedlund (que já utilizava o nome artístico Vintersorg) decidiu continuar com o projeto como uma one-man band, lhe dando o seu nome artístico.
Desde então, o grupo já lançou sete discos e um EP, partindo de uma mistura de black metal e pagan/viking metal (com letras exaltando a natureza e temas nórdicos) e alterando o seu som para uma grande mescla de estilos, onde cabia praticamente tudo, principalmente após o guitarrista Mattias Marklund ter se tornado membro permanente, formando dupla com Andreas Hedlund, e ambos terem adotado uma temática ligada a temas do universo, da ciência e da tecnologia em suas músicas.
Vale citar que Vintersorg é também vocalista de diversas bandas, como Otyg, Borknagar, Waterclime, Havayoth, Fission e Cronian.
Com vocês, a discografia da Tristeza do Inverno.

Hedniskhjärtad [1998]

Neste EP de estreia (cujo o título significa “Paganhearted” em inglês, algo como “com o coração pagão”, em português), Andreas reuniu as ideias não aproveitadas para o Vargatron, além de outras compostas após o fim da banda, e deu início à saga do Vintersorg. Já aqui se pode perceber o amplo espectro musical que o projeto iria atingir em seus futuros discos. Vocais hora limpos, hora rasgados, às vezes extremamente agressivos e em outras próximos ao gutural (sem contar as vocalizações femininas em “Stilla“, um dos destaques do EP, feitas pela cantora Cia Hedmark), melodias quase folk misturadas à sonoridades tipicamente black metal, violões suaves misturados à guitarras distorcidas, que por vezes perfazem melodias que lembram bandas da NWOBHM, por exemplo, além de teclados muito bem encaixados e de uma bateria que, embora programada, não soa repetitiva ou chata em nenhum momento. Aqui, Vintersorg foi auxiliado pelo músico Vargher, que tocou os teclados e fez a programação da bateria. Um belo começo para o grupo (apesar da produção ainda se ressentir de uma maior qualidade), no qual merecem destaque também as faixas “Norrskensdrömmar” e “Tussmörkret“, sendo o EP completado pelas não menos apreciáveis “Norrland” e “Hednaorden”.
Till Fjälls [1998]

Em Till Fjälls (“Para as Montanhas”, em português), Vintersorg basicamente seguiu o estilo do EP de estreia, embora dando mais ênfase às melodias que às partes mais agressivas. Os vocais rasgados típicos do black metal perdem espaço (embora ainda governem “Jökeln“, a mais agressiva e uma das melhores do disco), e as vozes limpas sobressaem-se em canções como a diversificada faixa-título (a maior do álbum), “Vildmarkens Förtrollande Stämmor” (outra bastante agressiva) e na curta “Hednad I Ulvermånens Tecken”. Novamente com a participação de Vargher e Cia Hedmark (que, desta vez, participa de duas músicas, a melódica “Isjungfrun” e a de encerramento, “Fångad Utav Nordens Själ“, com belas passagens com flauta e violão), ainda participam os músicos Andreas Frank (solo em “För Kung Och Fosterland” e “Asatider“, que com seu começo em clima de guerra e seu ritmo empolgante se configura na melhor faixa do disco) e Nisse Johansson (teclados adicionais). Se o black estava perdendo espaço para o metal mais “tradicional”, os elementos folk continuavam presentes através das belas passagens de violão, no que pode ser considerado um álbum que apontava as mudanças que haveriam na sonoridade do grupo nos próximos anos.
Ödemarkens Son [1999]
Neste terceiro álbum, o lado folk volta a prevalecer sobre a faceta black do grupo, cada vez mais substituída por um heavy metal mais orientado para as melodias. Se “Under Norrskenets Falland” e “När Alver Sina Runor Sjun” ainda apresentam partes bastante agressivas, “Trollbunden” é totalmente focada nos pianos, violões e teclados, sendo uma bela vinheta. “Offerbäcken” talvez seja a que melhor equilibra os lados black e folk de Vintersorg, e a faixa título dá mostras do estilo progressivo que apareceria de vez nos álbuns seguintes. Para mim, os grandes destaques são a melódica e veloz (na maior parte de sua duração) “I Den Trolska Dalens Hjär” e a climática “Svältvinter“, que mais uma vez tem Cia Hedmark nos vocais, assim como acontece em “Månskensmän”. Com os mesmos músicos colaboradores de Till Fjälls (à exceção de Nisse Johansson), Ödemarkens Son (“Filho da Vastidão”, em português) é um disco superior aos trabalhos anteriores, mas ainda aquém daquilo que o grupo poderia atingir.
Cosmic Genesis [2000]
Cosmic Genesis pode ser considerado o álbum que inicia a segunda fase do Vintersorg. Marcando a estreia de Mattias Marklund nas guitarrs, e com as letras agora em inglês (com exceção da de “Om Regnbågen Materialiser”), e dedicadas a assuntos como a física quântica, o cosmos e a astronomia, deixando um pouco de lado os temas nórdicos e ligados à natureza dos discos anteriores (que tinham letras em sueco), o grupo também alterou o seu som, acrescentando generosas doses de progressivo, além de compor músicas mais longas e com ainda mais variações. Isso é sentido já na segunda faixa “Algol”, que possui efeitos eletrônicos em sua introdução até então inéditos na discografia da banda. Este é o disco que, para mim, contém a melhor música já composta por Vintersorg, a empolgante “A Dialogue With The Stars” (é impossível não ficar repetindo os “ô-ô-ô” de seu refrão), mas as demais canções não deixam a bola cair. A faixa título mostra um estilo completamente diferente de vocais em seu início (em se tratando do usual nos trabalhos anteriores), depois voltando à voz limpa do vocalista, além de riffs quebrados e mais alguns elementos eletrônicos na introdução. “Ars Memorativa” é outro destaque, bastante variada e apresentando alguns efeitos nos vocais durante sua execução, bem como “Naturens Galleri“, levada em um ritmo bastante empolgante, e com vocais limpos na maior parte de sua execução. O cover para “Rainbow Demon” (original do Uriah Heep, que também faz parte do disco tributo “A Return To Fantasy”) pode assustar aos mais puristas, mas eu gosto bastante da faceta mais obscura que os suecos lhe deram. Se a abertura com “Astral And Arcane” tem alguns dos momentos mais agressivos do álbum, “The Enigmatic Spirit” fecha o disco com as sonoridades dos violões e dos teclados mescladas em uma bela balada, que demonstra que o lado folk do Vintersorg continuava presente, apesar da temática das letras estar diferente, e novamente apresenta alguns efeitos interessantes nos vocais. Contando apenas com a participação de Nils Johansson nas programações e teclados (além da dupla “Mr. V” e Marklund), a banda reinventava sua sonoridade, sem no entanto abandonar de vez sua origem. Um grande álbum (melhor que os anteriores até aqui), mas o auge ainda não havia chegado.

Visions From The Spiral Generator [2002]

Este é o primeiro disco gravado com um baterista humano (no caso, Asgeir Mickelson, do Borknagar e diversas outras bandas), além de contar com o monstruoso baixista Steve DiGiorgio (Sadus, Death, Testament e muitas outras), que dá uma verdadeira aula de como executar linhas de baixo criativas e complexas (como em “E.S.P. Mirage“), além de Lars “Lazare” Nedland (do Solefald, que faz o Hammond em “A Metaphysical Drama”) e do velho conhecido Nils Johansson (teclados e programações). Basicamente, Visions From The Spiral Generator segue de onde Cosmic Genesis havia parado, mantendo a mesma temática lírica e acrescentando ainda mais influências e estilos à sonoridade do grupo, enriquecida pelos talentos de DiGiorgio e Mickelson. Se “Trance Locator” (a mais curta – à exceção da vinheta de abertura “Quotation” – e a mais “porrada” do álbum) parece sobra de um dos primeiros discos, canções como a quase balada “A Star-Guarded Coronation” (para mim, a melhor do play), “Spegelsfären” (com algumas das melhores linhas de teclado já gravadas pelo grupo, além de uma aula de DiGiorgio), “Vem styr symmetrin?” (que mescla muito bem porradaria e calmaria ao longo de sua duração), “Universums Dunkla Alfabet” (e seus vários climas) e “The Explorer” (que soa bastante calma perto de outras do disco, apesar dos vocais rasgados em seu começo), soam mais progressivas e menos agressivas que as anteriores da discografia da banda, mas não significa que sejam piores que estas. Pelo contrário, pois muitos consideram este o melhor trabalho do grupo, mas a verdade é que ele forma uma trilogia com seu antecessor e seu sucessor onde a qualidade é mantida lá em cima, sendo bastante difícil escolher qual deles é o “melhor”, constituindo-se este período no auge criativo do grupo.


The Focusing Blur [2004]

O quinto álbum completo do grupo é basicamente uma continuação do que o Vintersorg havia feito nos dois trabalhos anteriores, porém é também o mais esquizofrênico até então, devido às muitas variações dentro das mesmas músicas, pois em um momento podemos estar “batendo cabeça” alucinadamente com uma “pauleira” das boas, e no seguinte a música apresenta violões e teclados quase etéreos, em um clima de calma e beleza que contrasta extremamente com o momento anterior (ou com o seguinte), além de apresentar elementos eletrônicos e outros que parecem retirados de um parque de diversões bizarro, e dos vocais variarem constantemente entre o limpo, o rasgado e o gutural. A constante mudança de climas pode desconcertar um ouvinte neófito, mas não aqueles que já conhecem a sonoridade do grupo, já acostumados a esta faceta do Vintersorg, que aqui encontra o seu ponto máximo. Este é o único disco até aqui a contar com letras apenas em inglês, e tem novamente as participações de Asgeir Mickelson na bateria, Lars Nedland (que faz o Hammond em “Star Puzzled”, além de diversas narrações ao longo das músicas) e de Steve DiGiorgio, mais uma vez dando aulas de baixo, como acontece em “Matrix Odyssey“. O disco apresenta duas vinhetas, a abertura mais eletrônica com “Prologue Dialogue – The Reason” e a instrumental “Artifacts of Chaos”, além da “quase balada” “Epilogue Metalogue – Sharpen Your Mind Tools“, com seus violões e teclados “viajantes” e um show de DiGiorgio no baixo. A qualidade de canções como “The Essence”, “The Thesises Seasons”, “A Sphere in a Sphere? (To Infinity)“, “A Microscopical Macrocosm” (que possui o melhor refrão do álbum) e “Dark Matter Mystery (Blackbody Spectrum)” torna difícil uma descrição mais adequada de cada uma, pois as muitas alternâncias de estilos e climas dentro de uma mesma composição precisariam de linhas e mais linhas para serem detalhadas com precisão. O melhor é ouvir esta maravilha, admirando a enorme capacidade criativa de Vintersorg e seu parceiro Mattias Marklund.

Solens rötter [2007]

Solens rötter (Raízes do Sol, com a segunda palavra iniciando com letra minúscula mesmo) é uma espécie de “volta às raízes” para Vintersorg. As letras voltam a ser em sueco, a bateria volta a ser programada, o baixo sai das mãos do virtuoso Steve DiGiorgio e passa ao não mais que competente Johan Lindgren, além do velho conhecido Nils Johansson nos teclados e programações. No lado musical, são as melodias folk que ganham com essa retomada, pois o álbum é bem mais calmo que os anteriores, com muito uso do violão e poucos efeitos eletrônicos, ao contrário de seus três antecessores diretos. O que não significa que as guitarras não apareçam com maior destaque em certas composições, como é o caso de “Naturens Mystär“, uma das mais agitadas e velozes do play, e de “Att Bygga en Ruin”, que tem um final bem folk. “Spirar Och Gror” é a que mais lembra a trinca anterior, mas mesmo assim é bem menos esquizofrênica e bem mais calma que as canções de The Focusing Blur, e “Från Materia Till Ande” tem algo em sua construção que lembra as canções solo do mestre King Diamond. No geral , as músicas estão mais diretas e melódicas do que no disco mais recente antes deste, sendo assimiladas com maior facilidade pelo ouvinte comum, e a constante troca entre vocais limpos e gritados/rasgados continua, sendo que o gutural é usado em poucas partes, como na melódica “Kosmosaik“. Se com a mudança na sonoridade houve uma queda na qualidade, isso cabe a quem ouve julgar, mas eu prefiro a fase anterior. De qualquer modo, canções como “Döpt I en Jökelsjö” (que abre – e muito bem – os trabalhos), “Strålar” (que pode ser considerada a “balada” do álbum) e a instrumental “Vad Aftonvindens Andning Viskar” (que encerra o disco) se deixam ouvir sem nenhum desgosto, embora o andamento seja bem mais cadenciado do que aquele a que o fã do grupo estava acostumado.

Jordpuls [2011]
Após quatro anos (nos quais Andreas Hedlund dedicou-se às suas bandas e projetos paralelos), o Vintersortg lançava um novo disco. E a “volta às raízes” iniciada em Solens rötter continua neste CD, porém desta feita com composições mais agressivas do que em seu antecessor. Isso já é percebido logo de cara na faixa de abertura, “Världsalltets Fanfar“, que abre com as guitarras rasgando em uma das melhores composições da carreira do grupo. “Klippor och skär” mantém alguns teclados e violões ao longo de sua duração, mas o foco está mesmo nas passagens mais agressivas,assim como em “Skogen Sover” e “Till Dånet Av Forsar Och Fall”. “Eld Och Lågor” poderia ser encarada como a balada do álbum, com seu belo arranjo acústico, enquanto “Mörk Nebulosa” tem trechos bastante agressivos misturados a outros que lembram o metal melódico, e “Vindögat” e “Palissader” apresentam um pouco das contantes variações de discos anteriores, mas em muito menor número do que as canções daquela época. A linha de composições mais diretas adotada em Solens rötter também se repete aqui, sem a esquizofrenia dos álbuns com letras em inglês. Isso torna mais fácil assimilar as músicas deste Jordpuls (“Pulso da Terra”, em Sueco), e após poucas ouvidas você já consegue cantarolar boa parte dos trechos do álbum (claro que acertar as letras em sueco é quase impossível, mas o “embromation” cumpre bem seu papel nessas horas!). Talvez aqueles que não curtam muito as variações sonoras dos discos anteriores tenham este álbum como seu preferido devido a este fator, mas, apesar de ser melhor que seu antecessor, ainda prefiro a louca genialidade da trilogia “Cosmic/Vision/Focusing”.
Mattias Marklund e Andreas “Vintersorg” Hedlund
Até onde eu sei, a tour de promoção para Jordpuls (se é que haverá uma), ainda não começou, e o grupo encontra-se em recesso após o lançamento do álbum.
Resta-nos aguardar o que esta criativa dupla nos trará nos anos futuros. Mantendo, espera-se, a qualidade e criatividade de sempre, é claro!

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