Duas lendas septuagenárias do country-rock fazem um dos discos mais bonitos e profundos dos últimos anos.

Em 1968, Stephen Stills e Judy Collins viveram um romance arrasador, que acabou mal. Stills estava a subir na vida, depois do sucesso com os Buffalo Springfield, que tinham chegado ao fim, e preparava-se para se estrear a solo e embarcar na sempre atribulada viagem com os Crosby, Stills & Nash, aos quais se juntaria, pouco depois, o imprevisível Neil Young. Já Judy Collins, um pouco mais velha, começara na música de protesto e na folk, e tinha já uma carreira bem sucedida com a sua mistura de folk, country e composições pop.

Stills apaixonou-se por Judy e arranjou maneira de se juntar à sua banda de estúdio, envolvendo-se de imediato com a cantora, compositora e guitarrista. O romance foi curto mas atribulado, e fecundo. Quando Judy voltou para Nova Iorque, um destroçado Stills ficou na costa Oeste e virou-se para a música, compondo temas que falavam abertamente da relação e da sua tristeza, como o clássico “Suite: Judy Blue Eyes”, que gravou de seguida com os Crosby, Stills & Nash. Se ele escreveu de imediato sobre o sucedido, Collins também o fez, com “Houses”, mas apenas seis anos depois.

Os antigos namorados continuaram a dar-se e foram falando da hipótese de fazerem um disco juntos. Disco que chega agora, cinquenta anos depois do público romance que apaixonou a comunidade de Laurel Canyon, com ambos os autores bem acima dos 70 anos de idade.

Everybody Knows joga sempre com a relação de ambos, o passado, a separação, o reencontro, o carinho mútuo. Dos dez temas, só metade são da pena de Stills e/ou de Collins, e com canções já editadas noutras roupagens. O resto vem da inspiração de gente tão respeitável como os Traveling Wilburys, Leonard Cohen ou do próprio Dylan, sendo que o segredo está no tratamento uniforme que Stills e Collins lhes dão e na forma como as músicas encaixam na narrativa que está sempre subjacente ao disco.

Num álbum com um nível sempre alto, destacamos o tema-título, de Cohen; a beleza das harmonias vocais de “So begins the task” – escrita há várias décadas por Stills – sendo a tarefa esquecer a antiga namorada; o country-rock clássico e relaxado de “Judy”; e, acima de tudo, a lindíssima “River of gold”. Composta por Collins, é uma desarmante balada sobre a natureza, o passado, a passagem do tempo. Uma música arrasadora e comovente que só um empedernido cínico poderia alguma vez ignorar.

Everybody Knows é um disco maduro, carinhoso, bonito, um clássico moderno de country-rock. Só quem não tem nada a provar, do alto dos seus mais de 70 anos e de muitas décadas de carreira, poderia fazer uma obra assim. Obrigado por tamanha beleza.