sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Mount Eerie – Now Only (2018)

 

Depois da tareia sentimental que foi o disco de 2017, Phil Elverum regressa em águas igualmente turvas e salgadas por via do choro profundo que ainda nele habita. A razão mantém-se. É a mesma. No entanto, Mount Eerie mostra agora que depois da tragédia vem o desamparo, embora um ou outro raio de sol vá já espreitando por detrás da neblina da alma.

Now Only é um disco de teor memorialístico, um tratado pós-existencialista, puzzle de sentimentos e imagens de dor, de feridas que ainda sangram e de outras já com crostas visíveis de resignação. Mas tudo está ainda muito fresco, tudo está ainda muito sensível, à flor da pele. Phil Elverum é, por ora, “um novelo enrolado para dentro”, e se ouvirmos com atenção as longas letras dos seis longos temas que compõem o mais recente longa duração do músico norte-americano, o mais provável é que choremos com ele, acabando o disco passando-lhe a mão pelo ombro na tentativa de lhe amparar o tão ainda visível desamparo. Phil Elverum continua perdido, mas a recordação dos caminhos percorridos pode muito bem ser a sua salvação.

Mas que dor é esta que aqui mencionamos? De que falamos, afinal? De duas coisas distintas, mesmo que interligadas. A primeira prende-se com o facto de Geneviève Castrée, mulher de Phil Elverum, ter falecido em 2016 com apenas 35 anos, vítima de cancro no pâncreas. Por outro lado, e como resultado dessa dolorosa perda, temos em conta o processo artístico e confessional desenvolvido por um músico com a vida despedaçada. Vem sendo assim desde A Crow Looked At Me, o disco anterior de Mount Eerie, e o recente Now Only é um segundo momento sonoro resultante dessa perda física, afetiva e sentimental que permanece intensa e viva, embora no álbum se revele também a consciência de que a vida é assim mesmo, e há que seguir em frente, mesmo que mutilado por um passado ainda muito recente.

“Tintin in Tibet”, a faixa de abertura, começa com os versos “I sing to you, Geneviève / You don’t exist / I sing to you though” e continua folheando recordações a dois, lembrando os primeiros momentos vividos por ambos, o livro de Hergé lido a meias, em francês (Geneviève era ilustradora e cartunista, amante da linha clara do criador de Tintin), a forma como a sua mulher descascava laranjas, uma viagem à Colúmbia Britânica, até que o pensamento o leva a imaginar Geneviève desintegrando-se (dançando) no espaço. Tudo de forma muito tranquila, com guitarra acústica a acompanhar o canto e apenas alguma elegante percussão. Segue-se “Distortion”, e com ela Phil Elverum muda um pouco o rumo, desviando-se da ideia da presença feminina tão amada, para evocar tempos muito remotos (o primeiro corpo morto que chegou a ver, por exemplo), anteriores à fulminante e recente tragédia.

Now Only é também um álbum-diário. Um disco valioso, não só pela vertente musical como (sobretudo) pelo que diz, pelo texto das composições. Em “Now Only”, o tema-título, canta-se o post-mortem, o que teve de ser levado em frente, uma criança pequena, fazer música, tocar em concertos, conversas com amigos como Father John Misty e Weyes Blood, a vida como ela tem de ser. Mas depois, e até à última gota de som de Now Only, volta o fantasma de Geneviève Castre. É ela (ou o que sobra dela em memórias quase físicas de tão sensíveis) que volta a ser o centro das atenções artísticas e sentimentais de Phil Elverum. Geneviève está omnipresente em “Earth”, “Two Paintings by Nikolai Astrup” e “Crow, Pt.2”. Por isso, diz-nos o músico, “I don’t want to live with this feeling any longer than I have to / But also I don’t want you to be gone”. Ou ainda, na mesma canção (“Earth”), “I guess I didn’t bury you deep enough”. A vida é uma merda, quando nos arrancam uma boa parte dela…

Embora o tom de Now Only seja o que se depreende do que aqui vai escrito, também parece ser verdade que ele nos diz que a vida prossegue, e todos teremos de continuar nela até um dia saírmos de cena. O mais recente trabalho de Mount Eerie parece mais um livro do que um disco. Ou melhor, um disco-livro (ou disco-diário, como já havíamos dito) e há que perceber isso antes de o ouvirmos. Um disco-de-cabeceira, portanto. Mas atenção: Now Only não nos garante bons sonhos nem boas sensações, antes recolhimento, recato, respeito e um certo brilhozinho nos olhos que nada tem a ver com contentamento ou satisfação.



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