terça-feira, 5 de novembro de 2024

“Nunca” (EMI-Odeon/Standart, 1974), Sá & Guarabyra

 


Quando Zé Rodrix (1947-2009) anunciou em 1973 que estava deixando o grupo Sá, Rodrix & Guarabyra, a jornada do trio de rock rural chegou ao fim. Enquanto Zé Rodrix partiu para a carreira solo e trilhou o caminho da publicidade compondo jingles para campanhas publicitárias, Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra decidiram seguir juntos como a dupla Sá & Guarabyra, mantendo-se fiéis ao rock rural que ajudaram a criar e difundir. 

Em 1974, a EMI-Odeon lançou o primeiro álbum de Sá & Guarabyra, Nunca, com um repertório em grande parte composto pela dupla. O conceito musical do álbum permaneceu orientado no rock rural dos tempos de Sá, Rodrix & Guarabyra. No entanto, nota-se um flerte da dupla com o rock progressivo, que estava em voga na época, resultado da colaboração com a banda de apoio O Terço, que estava em início de carreira e se mostraria . O álbum também apresenta incursões em outros estilos, como a guarânia e até mesmo a conga. 

Os maestros Rogério Duprat (1932-2006), consagrado durante o movimento tropicalista, e Eduardo Souto Neto foram responsáveis pelos arranjos de algumas faixas do disco. A faixa de abertura, "As Canções Que Eu Faço", é uma balada de beleza melódica incrível, realçada pelos arranjos de cordas, mas ao mesmo tempo guarda um grau de melancolia e tristeza. Os versos falam do ofício do compositor, sugerindo que a melhor maneira de conhecer e entender o que ele fala é através das mensagens presentes nas entrelinhas dos versos de suas canções. Além disso, os versos parecem um sutil recado da dupla para o seu público: se quisessem saber o que os dois artistas pensavam sobre o regime autoritário que o Brasil vivenciava, as mensagens estariam nas canções, ainda que de forma poeticamente discreta.

Sá, Rodrix & Guarabyra, em 1973, pouco antes do fim.

 "Justo Momento" é uma experiência de Sá & Guarabyra com a guarânia, sem os arroubos exagerados de romantismo que caracterizam o estilo. A canção é melodicamente agradável e fala da busca das pessoas tristes por uma companhia para aliviar a solidão. 

A faixa seguinte, "São Nicolau", mostra Sá & Guarabyra completamente imersos no rock progressivo, com uma base instrumental sustentada pela banda O Terço. A "cereja do bolo" nesta música é a orquestra de cordas, que dá um toque especial à faixa. Os versos fazem referência ao dia de São Nicolau, que, para o eu lírico, seria um dia de renovação. A letra evoca o desejo de mudança e de busca por um novo caminho na vida, simbolizado nos versos pelo balão dos viajantes avistado pelo eu lírico. 

"Verão do Cometa" é um divertido rock’n’roll que fala de maneira surreal sobre a chegada de um cometa que poderá decretar o fim do mundo. "Esses Cabides Vazios" trata da solidão de um indivíduo que sente a falta da mulher amada que o abandonou; a julgar pelos versos, alguém poderia dizer que ela foi embora por estar cansada de ser empregada e não esposa.

 

Sá & Guarabyra.

"Nuvens D'Água" mostra Sá & Guarabyra na fronteira do folk rock com o rock progressivo, realçado pelos teclados executados por Flávio Venturini, então membro da banda O Terço. A orquestra de cordas, mais uma vez, faz a diferença. 

A divertida e alegre conga "Divina Decadência" indica um caminho que o ex-parceiro da dupla, Zé Rodrix, iria seguir ao experimentar ritmos caribenhos durante sua carreira solo. Na bucólica "Voar É Como O Passarinho", o tema central é a liberdade representada pelo voo livre do passarinho que traz a notícia da chegada da chuva no sertão, talvez uma metáfora expressa pela dupla para ver o país livre de um regime ditatorial. 

Embora pareça tratar-se de uma canção sobre a vontade de percorrer lugares e vivenciar coisas novas, "Apreciando A Cidade" foi composta, segundo Sá & Guarabyra, depois que os dois chegaram a São Paulo e se depararam com o tamanho e o agito da megalópole, que a partir dali se mostrava um desafio para eles. Mesmo assim, eles estavam dispostos a enfrentar esse desafio. 

Detalhe da contracapa que apresenta a dupla Sá & Guarabyra, mais os
integrantes da banda O Terço.

"Terras do Sul" é mais uma interessante incursão de Sá & Guarabyra, cuja letra faz referência às terras do sul de algum lugar imaginário. O ritmo é uma mistura de rock com algum ritmo musical do leste europeu, ao menos é essa a sensação que passa ao ouvinte. 

O álbum encerra com "Coisa À Toa", uma balada folk rock sobre uma lembrança vaga e sem importância, que o eu lírico não consegue identificar e considera irrelevante compartilhar com alguém. 

Contando com os dois primeiros álbuns de Sá, Rodrix & Guarabyra, Nunca foi o último trabalho gravado de Sá & Guarabyra pela EMI-Odeon. No ano seguinte, em 1975, Sá & Guarabyra trocaram de gravadora, migrando para a Continental, através da qual lançaram o segundo disco, Cadernos de Viagem.

 

Faixas – Todas as faixas foram compostas por Sá & Guarabyra, exceto as indicadas. 

Lado 1

  1. As Canções Que Eu Faço
  2. 2ª Canção Da Estrada
  3. Justo Momento
  4. São Nicolau
  5. Verão Do Cometa
  6. Esses Cabides Vazios 

Lado 2

  1. Nuvens D'Água
  2. Divina Decadência
  3. Voar É Como O Passarinho
  4. Apreciando A Cidade
  5. Terras Do Sul (Sá - Sérgio Hinds)
  6. Coisa À-Toa (Guarabyra – Sá – Rodrix)

 

Luiz Sá e Guttember Guarabyra: vocais e violões.

Acompanhamento: O Terço - Sérgio Hinds (guitarra solo), Cezar de Mercês (guitarra base), Flávio Venturini (teclados), Sérgio Magrão (baixo) e Luiz Moreno (bateria)


As Canções Que Eu Faço


2ª Canção Da Estrada


Justo Momento


São Nicolau


Verão Do Cometa


Esses Cabides Vazios


Nuvens D'Água


Divina Decadência


Voar É Como O Passarinho


Apreciando A Cidade


Terras Do Sul


Coisa À Toa



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