sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

POEMAS CANTADOS DE CAETANO VELOSO

O Cu do Mundo

Caetano Veloso


O furto, o estupro, o rapto pútrido

O fétido seqüestro

O adjetivo esdrúxulo em U

Onde o cujo faz a curva

(O cu do mundo, esse nosso sítio)

O crime estúpido, o criminoso só

Substantivo, comum

O fruto espúrio reluz

À subsombra desumana dos linchadores


A mais triste nação

Na época mais podre

Compõe-se de possíveis

Grupos de linchadores


O Estrangeiro

Caetano Veloso


O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara

O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela

A Baía de Guanabara

O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a Baía de Guanabara

Pareceu-lhe uma boca banguela

E eu menos a conhecera mais a amara?

Sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela

O que é uma coisa bela?


O amor é cego

Ray Charles é cego

Stevie Wonder é cego

E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem


Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?

Uma arara?

Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara

Em que se passara passa passará o raro pesadelo

Que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o amaro

Eu não sonhei: A praia de Botafogo

Era uma esteira rolante de areia branca e de óleo diesel

Sob meus tênis

E o Pão de Açúcar menos óbvio possível

À minha frente

Um Pão de Açúcar com umas arestas insuspeitadas

À áspera luz laranja contra a quase não luz quase não púrpura

Do branco das areias e das espumas

Que era tudo quanto havia então de aurora


Estão às minhas costas um velho com cabelos nas narinas

E uma menina ainda adolescente e muito linda

Não olho pra trás mas sei de tudo

Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo

Mas eu não desejo ver o terno negro do velho

Nem os dentes quase não púrpura da menina

(Pense Seurat e pense impressionista

Essa coisa de luz nos brancos dentes e onda

Mas não pense surrealista que é outra onda)


E ouço as vozes

Os dois me dizem

Num duplo som

Como que sampleados num sinclavier


É chegada a hora da reeducação de alguém

Do Pai do Filho do Espírito Santo amém

O certo é louco tomar eletrochoque

O certo é saber que o certo é certo

O macho adulto branco sempre no comando

E o resto é o resto, o sexo é o corte, o sexo

Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita

Riscar os índios, nada esperar dos pretos

E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento

Sigo mais sozinho caminhando contra o vento

E entendo o centro do que estão dizendo

Aquele cara e aquela


É um desmascaro

Singelo grito

O rei está nu

Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nu


E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo

E entre o meu ir e o do Sol, um aro, um elo

Some may like a soft Brazilian singer

But I've given up all attempts at perfection



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