Nunca foi certamente fácil para os filhos de músicos o trilhar de um caminho num espaço comum. Se bem que não faltem (bons) exemplos, o peso da assinatura por vezes é tal que, antes mesmo de escutarmos as primeiras notas, já temos aberta a caderneta de referências dos pais para que eventuais (quase inevitáveis) comparações possam emergir. E convenhamos que a rota das comparações pode não ser a mais indicada para encontrar alguém que sabe que tem de vencer essa sombra gigante para eventualmente poder brilhar. Foi bom dar espaço a Jeff para que não nos focássemos em eventuais heranças do pai Tim (Buckley). Já os irmãos Lennon não conseguiram nunca vencer o peso do nome do pai John sempre que um novo disco entrava em cena… Vale a pena agora darmos a Lexi o que concedemos a Jeff. Lexi Jones… E não é preciso fazer um grande esforço para detetar a genealogia (que depois vamos contornar). Jones, tal como em Duncan (o irmão, realizador do magnífico “Moon”). Jones como o pai David, que o mundo conheceu como Bowie (que chegou a partilhar vídeos caseiros, à mesa da cozinha, a tocar num teclado com a filha).

Lexi (de seu nome real Alexandria Zahra Jones) fez por si mesma o caminho. As canções são suas. Ela mesma definiu as rotas da produção que as moldou. E é também sua a imagem que vemos na capa de “Xandri”, um álbum de estreia que deve ter conhecido uma das mais discretas campanhas de lançamento dos últimos tempos. E de facto, depois de breves teasers, o disco chegou às plataformas de streaming este mês sem sururu maior. De resto, e até ver, o que nos vai valer serão amigos atentos que o possam ir encontrando e partilhando e aos “velhos” gatekeepers (imprensa, bloggers, etc) perante um lançamento que está a apresentar música nova fora das esferas hoje mais frequentes dos grandes espaços de talk shows e afins onde desfilam os lançamentos com comunicação mais vitaminada. Entende-se o tom discreto do lançamento de “Xandri” pela forma fácil como a comunicação mainstream iria olhar mais para a memória do pai do que para as belas e frágeis canções que aqui escutamos. E, convenhamos, Lexi acaba assim por dar passos seguros (e seus) rumo à afirmação de uma personalidade que em breve a pode juntar a um firmamento onde estão uma Mitski, uma Vera Sola, uma Couteney Bartnett, uma Sharon Van Etten, e não a classe mais habituais dos “filhos de”…
“Xandri” (palavra grega que traduz uma ideia de “defensor da humanidade”) é na verdade uma das mais belas estreias em disco dos últimos tempos. E de facto vive por si independentemente do que um passaporte ou um teste de ADN possa indicar. Esta é uma música carregada de personalidade (firme desde logo no poder da reflexão e da expressão de ideias nas palavras cantadas onde se fala identidade e lutas pessoais) e que nas formas caminha entre terrenos indie e de uma pop de alma mais desafiante (face aos algoritmos do momento), cruzando eletrónicas em planos cenográficos com arranjos elaborados que servem uma voz de timbre grave e tons melancólicos que nos seduz e conduz. Canções como “Along The Road”, “Cracks Of Me” ou o belíssimo “The Edge” são apenas possíveis portas de entrada para um disco que justifica que o mapa musical de 2025 conte em lugar de destaque com uma Jones. Lexi Jones.
“Xandri”, de Lexi Jones, está disponível nas plataformas de streaming num lançamento que surge na própria etiqueta da cantora.
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