sexta-feira, 28 de junho de 2024
Review: Spirit Adrift – Divided by Darkness (2019)
Review: Demon – The Plague (1983)
Review: Bad Religion - Age of Unreason (2019)
Can – Tago Mago (1971)
Quando se junta o pulsar funk da bateria à dissonância futurista das texturas isso é Tago Mago.
O rock vanguardista alemão dos anos 70, o chamado krautrock, foi um dos períodos mais inventivos da história da pop. Os Can são a típica banda desta estética: eruditos e libertários, fazendo filtros para os joints com as pautas do Conservatório. Fosse numa palestra do Stockhausen, fosse num concerto dos Floyd, jogavam sempre em casa. Esta promiscuidade cultural qualificava-os para o mais demente dos projectos: fazer uma síntese de toda a música contemporânea. E foi isso mesmo que alcançaram no ambicioso Tago Mago, reunindo a electrónica e o minimalismo do avant garde; a improvisação e a dissonância do free jazz; a melodia e o blues do acid rock; e o groove maníaco da bateria, roubado ao funk. O que mais sobressai nesta mescla é, justamente, a bateria, eufórica e hipnótica, subjugando com a sua omnipotência todos os outros instrumentos.
O caldo resultante é algo inteiramente novo, e a geração do pós-guerra precisava desesperadamente dessa novidade (se se colassem à música anglófila, perderiam a sua individualidade; se seguissem a tradição alemã, seriam cúmplices do nazismo). A pátria concreta era um tabu? Não faz mal, inventa-se uma pátria imaginada. Tago Mago é esse novo país, espacial e futurista, mais sonho do que coisa real.
Para gravar esta obra-prima, os Can viveram juntos num castelo durante cerca de um ano. Nada era muito premeditado. O que faziam, fundamentalmente, era improvisar. Essas sessões – que por vezes se prolongavam durante horas a fio – eram gravadas secretamente. Grande parte de Tago Mago resulta da edição dessas longas jams. Daí a sua frescura e fluidez.
À época, Tago Mago passou meio despercebido. Era um disco demasiado à frente do seu tempo. Mas a posterioridade ouviu-o com atenção. Eno, Bowie, Joy Division e Radiohead são alguns dos seus herdeiros. Recordá-lo nada tem de revivalismo. Ainda hoje sabe a futuro e a nada mais.
The Specials – The Specials (1979)
O álbum de estreia dos Specials capta na perfeição o espírito tumultuoso do tempo. E fá-lo escolhendo um lado da barricada: o das pessoas decentes contra a estupidez do racismo.
Os Clash já tinham apontado o caminho, mostrando que era possível misturar punk com música jamaicana, mas os Specials fizeram desse cruzamento a sua própria identidade. Era o ska de segunda vaga acabadinho de chegar, o primeiro revivalismo de uma música nascida duas décadas antes em Kingston. Do ska, traziam a alegria dançante; do punk, a raiva e o desmazelo.
O interesse pela música caribenha era natural. Desde o pós-guerra que milhares de jamaicanos haviam imigrado para o Reino Unido, trazendo consigo a riqueza da sua tradição musical. Os próprios Specials são o resultado desse melting pop, misturando brancos e negros na sua formação. Os dois tons da 2 Tone Records.
O álbum de estreia dos Specials é mais conhecido pelas soalheiras “A Message to You, Rudy” e “Monkey Man”, mas quem ouvir o disco com atenção encontrará um feeling bem mais sombrio, cheio de referências às tensões raciais das ruas de Coventry. Recordemos as circunstâncias históricas. A crise económica agudizava-se. Muitas fábricas fechavam, lançando milhares para o desemprego. A extrema-direita aproveitava a confusão para crescer (1979 foi, justamente, o auge da influência da National Front). Brancos, pretos, carecas, punks- todos se guerreavam na “Concrete Jungle” que era a Inglaterra de então. O disco capta na perfeição o espírito tumultuoso do tempo. E fá-lo escolhendo um lado da barricada: o das pessoas decentes contra a estupidez do racismo.
O som dos Specials é uma orgulhosa caldeirada. O elemento mais punk no seu som é a voz inexpressiva e despenteada de Terry Hall. A guitarra-ritmo é puro ska, nervosa e percussiva, duplicando as batidas em relação ao reggae. O baixo é funky e irrequieto, trazendo para o bolo o groove da música negra americana. A guitarra-solo brinca na areia ao rockabilly. A segunda voz, bateria e sopros são jamaicanos até ao tutano. Last but not the least, surge o órgão vintage de Jerry Dammers (o líder da banda, criador do conceito e principal escritor de canções).
A produção de Elvis Costello é irrepreensível, conseguindo captar em fita a vivacidade dos seus concertos. Destaca o baixo na mistura, como mandam as boas etiquetas jamaicanas. Realça também as vozes, para que todas as palavras sejam perfeitamente compreendidas. As letras inteligentes e espirituosas assim o exigem.
Há bandas que nos fazem pensar e combater, outras que nos fazem rir e dançar. Só os especiais fazem quatro em linha.
Nacho Vegas – Violética (2018)
Nacho Vegas foi beber em Violeta Parra alguma da inspiração para fazer seu mais recente disco. O menino sombrio da música moderna espanhola inflou-se de uma dolente luminosidade redentora, e deu-nos em Violética um duplo álbum de imenso requinte e bom gosto.
Despachemos as apresentações em duas ou três linhas de texto: Nacho Vegas é um nome de grande importância na música do país vizinho. Pertenceu aos Eliminator Jr., Lucas 15 e fundou os históricos Manta Ray, banda fulcral da primeira fornada indie espanhola. Depois, um pouco antes do virar do século, iniciou uma carreira a solo de prestígio e tem até hoje inúmeros trabalhos gravados. Em Portugal, como seria de esperar, é gloriosamente desconhecido.
A meio do ano passado, Nacho Vegas estreou Violética, álbum que mistura em quase duas dezenas de canções alguns dos seus maiores tiques e vícios: Tom Waits anda por algumas delas com perfeito à-vontade, mas também se respira Nick Cave num ou noutro tema, notando-se ainda alguns ecos de The Jesus and Mary Chain. Nada de muito novo, portanto. O inesperado é Nacho Vegas ter pensado um disco (ou parte dele, pelo menos) à sombra da parra de Violeta, essa enorme folclorista chilena que há muito é estrela brilhante na história do seu país, e que cada vez mais cintila um pouco por todos os ouvidos nos quatro cantos do mundo. O disco, como dissemos, é duplo e ouve-se como quem come um pitéu michelin, embora sem as cagâncias e bazófias típicas que rodeiam o prémio dado às mais famosas comezainas. Na primeira parte de Violética, o prato principal. Na segunda, a sobremesa e o digestivo. Assim mesmo, até nos empanturrarmos com tanta e tão boa fartura.
O primeiro disco é verdadeiramente irrepreensível. Não há uma única canção menor, antes e apenas o crème de la crème de um autor que todos deveriam conhecer e que ao longo de décadas já nos brindou com trabalhos como Esperanza, Estratexa ou Torres de Electricidad (enquanto Manta Ray) ou, em nome próprio, com pequenas pérolas de estilo e gosto como Actos Inexplicables, Desaparezca Aquí, El Manifesto Desastre, La Zona Sucia, entre outros. Em Violética, o tom dolente mas imenso de brilho e luz faz-se com canções sublimes. “Ser Árbol”, por exemplo, é tão bonita que apetece chorar de prazer. Ouçam-lhe atentamente os coros, ingrediente angelical que confere ao tema aquilo que poderá muito bem ser descrito como um delicado pedaço de paraíso. Ou a Waitsiana “Bajo El Puente de L`Ará”, tão arrastada e cheia de pó. Mas se tivéssemos de escolher os melhores momentos dessa primeira fatia sonora (tarefa difícil, e sobretudo escusada) então ficaríamos com “Desborde” (oh, meu Deus!), “Las Palabras Mágicas” (oh, meu Deus!) e “Todo o Nada” (oh, meu Deus), sempre conscientes de que não devemos nunca utilizar o nome do Criador em vão. É que são divinais, as três, e por isso parecem ser a conta que tantas vezes dizemos ser-Lhe devida.
Depois, o segundo momento do banquete. O problema (é apenas uma força de expressão, entenda-se) do segundo disco é, ou começa por ser, não nos querermos separar do primeiro. Mas quando avançamos pela exuberante e dura “Maldigo Del Alto Cielo”, tema original de Violeta Parra, cantado a meias por Nacho Vegas e pela sua querida Christina Rosenvinge, percebemos que o delicioso repasto sonoro continua, embora um pouco menos gourmet. No entanto, é bom ouvirmos com atenção”Tengo Algo Que Decirle”, por exemplo.
Violética é um disco com canções de amor, mas também político e muito lúcido, olhando para o presente e para o futuro que nos espera logo ao virar da esquina, interrogando ambos os momentos. É um disco soberbo, como Nacho Vegas há muito não nos dava. Podemos agora, tranquilamente, permitir que o músico asturiano volte a desaparecer por mais algum tempo. Violética chega e sobra para nos entretermos com ele durante alguns anos.
quinta-feira, 27 de junho de 2024
Dead Kennedys – Fresh Fruit For Rotting Vegetables (1980)
Hardcore salpicado com surf rock, ironia e humor negro. Agressividade e inteligência em partes iguais.
Na capa, vemos carros de polícia a arder em San Francisco. Não é montagem. O motim aconteceu mesmo, na sequência do assassinato de George Moscone e de Harvey Milk (e da sentença happy meal que recebeu o assassino). Fresh Fruit for the Rotting Vegetables é a banda-sonora desses anos turbulentos e a sujidade do punk de ’77 não bastava para expressar toda a raiva necessária. Era preciso uma música ainda mais rápida, ainda mais barulhenta e ainda mais agressiva. Os Dead Kennedys foram um dos pioneiros dessa versão mais radical do punk a que se chamou hardcore. A velocidade estonteante de “Drug Me” é um dos seus primeiros exemplares.
Porém, o que é interessante no hardcore emergente dos Dead Kennedys é a sua despreocupada contaminação.
Impureza nº1. Para os seus congéneres mais puritanos – como os Black Flag e os Minor Threat -, uma melodia que ficasse no ouvido era já o Satanás. Fresh Fruit está-se a marimbar para esses pruridos, oferecendo-nos canções que se podem trautear no elevador. Quem nunca assobiou “California Uber Alles” na banheira que atire a primeira pedra.
Impureza nº 2. Onde o hardcore 1º escalão pretende fazer um corte radical com a história do rock, os Dead Kennedys gostam de, aqui e ali, dar umas pinceladas revivalistas. O doo-wop em “Kill the Poor”, o surf rock em “Let’s Lynch the Lord”, o rockabilly em “Stealing People’s Mail” e o rock gótico em “When Ya Get Drafted” são quatro apontamentos retro que só tornam o disco mais interessante.
Impureza nº 3. Se o hardcore purista é obcecado com a simplicidade radical, a banda de Jello Biafra não tem problemas em abraçar estruturas mais complexas quando os temas assim o exigem. É o que sucede com a subtil dinâmica de “Holiday in Cambodia”, que vai acumulando tensão nos assombrosos primeiros riffs até explodir no catártico refrão.
No capítulo ideológico, os Dead Kennedys estarão alinhados com o anti-capitalismo típico do hardcore, mas com diferenças na relação com o “exterior”. Enquanto o hardcore impoluto fecha-se em si próprio, isolando-se do “odioso sistema”, os Dead Kennedys tentam dialogar com o mainstream, agitando-o, provocando-o, escandalizando-o. E a esquerda libertária de Biafra é mais articulada e acutilante do que a dos seus comparsas. Jello pode ser panfletário mas a inteligência do seu sarcasmo redime-o. Ninguém bate Biafra na sofisticação e crueldade do seu sentido de humor. Que o diga “I Kill the Poor”.
Só fazem é bem em demarcar-se da mentalidade de seita dominante no movimento hardcore. Se o punk é, acima de tudo, pensar pela própria cabeça, então os Dead Kennedys serão um espécimen bem mais interessante.
Destaque
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