Inimiga De Classe
Rui Veloso
Eu era um combatente de causas meritórias
Meu verbo inteligente floria em oratórias
Eu era mais austero que monge ou faquir
Eu odiava veludo eu não sabia rir
Um dia tu chegaste vinda dos lugares
Onde brilha o podernas gemas dos colares
Olhando como quem não vê quem mais ali passasse
E logo ali fiz de ti uma inimiga de classe
Uma inimiga de classe
Depois de um volte-face dos que só há em novela
Perdi toda a firmeza quase virei cinderela
E num instante de glória foste princesa que olhou
Ao materialismo da história o amor se adiantou
Comi na tua mesa bebendo teus movimentos
E como um escanção provei-te em tragos lentos
Analisei com cuidado o fundo do teu coração
E depois de analisado não vi sinal de exploração
Uma inimiga de classe
Toda essa bastilha que eu tinha em mim inflamada
Tremeu de maravilha abriu mesmo pela fachada
Tu mudaste a minha vida em cento e oitenta graus
Torceste-me as raízes por ti juntei-me aos maus
Agora não sei quem sou não sei mais o que fazer
Sei que me aburguesaste com o teu savoir-faire
Sentado nos teus sofás de criador afamado
Eu canto os amanhãs e não me sinto culpado
Já NãO Há CançõEs De Amor
Rui Veloso
Um deste dias vou poder
apaixonar-me outra vez
sem me importar de saber
se vai durar um ano ou um mês
Correr e saltar num dia
depois não dormir tranquilo
pensar que o amor é isto
e descobrir que afinal é aquilo
Já não há canções de amor
como havia antigamente
já não há canções de amor
Um destes dias vou ser capaz
de encontrar a felicidade
avançar em marcha atrás
ir de verdade em verdade
Dizer que o amor é aquilo
que ontem estava descoberto
e ver que o fim duma paixão
espreita sempre um deserto
Já não há canções de amor
por não haver quem acredite
já não há canções de amor
por não haver quem acredite
E vós almas tão ingénuas
cujo amor não tem saída
que buscais nas tolas canções
o açúcar que adoça a vida
Não percebeis que é o engano
que prova que há uma chance
acertar à primeira não é humano
é a essência do romance
Já não há canções de amor
como havia antigamente
já não há canções de amor
vou investigar o caso
com o máximo rigor
tirar a limpo a verdade
que há nas canções de amor
vou saber se ainda é possível
escrever canções de amor
Jura
Rui Veloso
Jura que não vais ter uma aventura
Dessas que acontecem numa altura
E depois se desvanecem
Sem lembrança boa ou má
E por isso mesmo se esquecem
Jura que se tiveres uma aventura
Vais contar uma mentira
Com cuidado e com ternura
Vais fazer uma pintura
Com uma tinta qualquer
Que o ciúme é queimadura
Que faz o coração sofrer
Jura que não vais ter uma aventura
Porque eu hei-de estar sempre à altura
De saber
Que a solidão é dura
E o amor é uma fervura
Que a saudade não segura
E a razão não serena
Mas jura que se tiver de ser
Ao menos que valha a pena
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