sábado, 1 de outubro de 2022

NOS BASTIDORES DO ROCK PORTUGUÊS

O Rock nasceu do sangue

Os escravos podem ser julgados, vendidos, alugados, avaliados, sentenciados como sendo bens móveis na mão dos seus senhores e donos, ou dos seus carrascos, administradores e procuradores, qualquer que seja a finalidade, construção ou propósito.
Código Civil da Carolina do Sul, século XIX

Para conhecer a essência do Rock’n’Roll, temos de partir desta realidade.
Vindos de África e transportados em condições inacreditáveis, chegaram, à América, mais de dois milhões de escravos, entre 1680 e 1786.
Estes escravos trouxeram consigo a música e a tradição dos seus antepassados e seria este o embrião para o surgimento da música afro-americana, que havia de transformar o mundo musical do século XX.
Os Blues nascem nas canções de trabalho dos escravos, não podendo ser uma música alegre e feliz.
São músicas tristes, melancólicas e sofredoras, mas, simultaneamente, imaginativas, tanto na forma como no conteúdo.
Após a abolição da escravatura, as canções de trabalho perdem significado e os Blues destacam-se.
Retratam episódios concretos da existência humana: a vida, a morte, o ódio, o amor, o medo, a solidão, a angústia, o ciúme... percorrem sons pungentes, soltam gritos da alma, que ecoam e sublinham quotidianos e emoções, que lhes dão força e que lhes dão voz...
Música negra na sua origem, os Blues não são exclusivo de uma raça, sendo comungada por muitos brancos que lutaram e morreram ao lado dos negros, em prol de ideais comuns de liberdade.
Quem não entender os Blues, nunca poderá entender o Jazz nem o Rock!

O espírito do Rock tem estado presente em diversos projectos musicais, desde 1955, que inovaram e que projectaram novos movimentos sociais e culturais.
Little Richard, Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Doors ou Bruce Springsteen são exemplos de irreverência, de rebeldia, de inovação e de revolução no “status quo” instalado.
Esta é a razão de ser do Rock, mas, desde cedo, a indústria e os “comerciantes” viram, neste “produto”, uma forma de ganhar (muito) dinheiro.
Muitos projectos e grupos foram “inventados” pela indústria, numa perspectiva meramente comercial, subvertendo, por dentro, o real significado de um movimento que nasceu de uma forma ingénua, espontânea e imparável.
Em Portugal, a revolução dos cravos, em 1974, põe fim a um regime de ditadura.
As canções de intervenção – censuradas, até então – passam a dominar as ondas hertzianas.
Os jovens vivem e lutam no seio de uma sociedade em ebulição.
A instabilidade agrava problemas sociais, cada vez mais complexos, greves, inflação, taxas de juro elevadas, falências e desemprego; a juventude mergulha em experiências diversas: o álcool, a droga, a violência e a marginalidade suburbana.
Surgem grupos musicais, fartos da ditadura imposta pelas canções de intervenção, com retratos do seu inconformismo.
25 anos depois de “Rock Around The Clock”, tivemos, em Portugal, o “boom” do rock português.
Finalmente, o rock aparecia cantado na nossa língua e com grandes sucessos.
Rui Veloso, UHF, Taxi, GNR, Ja’fumega e Salada de Frutas mostravam várias imagens de um mesmo filme.
Questões sociais eram abordadas com maior ou menor profundidade, mas no ritmo certo da dança redentora.
A agitação de 80 conduz à depressão de 82 e a uma certa sustentação, anos depois.
Tudo existe porque “existiu” um “boom”.
Contudo, permanecemos com um atraso significativo em relação ao exterior...
Lá fora, em 2003, o meio musical é mais maduro.
Cá e lá, os Rolling Stones enchem estádios e ninguém se preocupa com a sua idade.
Por cá, os GNR ou os UHF são esquecidos para Festivais de Verão ou para concertos de grande dimensão.
Lá e cá, Bruce Springsteen é capa de jornais e revistas.
Por aqui, ninguém se recorda da última vez em que os UHF foram capa no Blitz.
Lá fora, Bob Dylan é falado para Nobel da Literatura.
Por cá, António Manuel Ribeiro é um poeta marginal, numa sociedade sem alma, sem causas, sem rumo.
Uma sociedade que prefere ser acéfala, fugindo da revolução que fervilha em vulcão fumegante.


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