domingo, 2 de outubro de 2022

Resenha Clássica: Arnaldo Baptista – Loki? (1974)

 

Resenha Clássica: Arnaldo Baptista – Loki? (1974)



Artista: Arnaldo Baptista
Disco: Loki?
Data de lançamento: 1974
Selo: Philips
Tempo total: 33:35
Disponível em: LP, CD & Digital

Perturbador, caótico, agonizante, paradoxalmente belo. Esse é ‘Loki?’, o disco de estreia da carreira solo do ex-Mutante Arnaldo Baptista. Um dos grandes clássicos do rock nacional, nascido nos conturbados (e por vezes não tão distantes) anos 70.

A LOUCURA ESTEVE PERTO

‘Loki?’, se olhado de longe, é um álbum um tanto quanto simplista.
Para compreendê-lo, é necessário entender (se é que isso é possível) a situação do Arnaldo naquela época.

O cara tinha acabado de sair d’Os Mutantes e se separado da sua esposa Rita Lee. Vivia um momento de muitas dúvidas profissionais e amorosas.
A ditadura estava cada vez mais violenta.
Além disso, ele estava afundado no LSD.

Completamente na lama, o disco ‘Loki?’ saiu com um desabafo, um diário de seus delírios e sentimentos.

UM DIÁRIO SEM BORRACHA

O instrumental é extremamente simples. Arnaldo revolucionou musicalmente e fez algo diferente de qualquer coisa já produzida até então. Tudo acontece ao redor do piano, e todas as músicas foram gravadas no primeiro take. Sem ensaios, sem repetições.

Reza a lenda que esse fato gerou diversos atritos com os músicos e a gravadora, que queriam refazer algumas coisas para dar uma melhorada no trabalho, corrigir erros e imperfeições.
Mas Arnaldo permaneceu irredutível. ‘Loki?’ foi encarado por ele como um diário escrito sem borracha ou rascunhos.

Obviamente essa postura gera um efeito colateral. Nem tudo soa tão certo, e algumas coisas ficam demasiadamente improvisadas.
Entretanto, isso não é motivo para subestimar o poder de ‘Loki?’. A citação abaixo, ligeiramente adaptada e retirada de um ótimo texto do Carlos Viegas (clique AQUI para ler), é irrefutável.

“Sem querer, Arnaldo compôs baladas suicidas muito antes do Joy Division e produziu um disco sem guitarras 30 anos antes do Keane se achar inovador por fazer exatamente a mesma coisa. Mesmo a um passo do manicômio, ele era capaz de transformar a sua loucura.”

Arnaldo gravou Loki? mais louco que o Batman de 1966.

SALADA DE SENTIMENTOS

As letras são o espelho da cabeça de Arnaldo Baptista.
A abertura, com Será Que Eu Vou Virar Bolor?”, é emblemática. Parece que o resto do álbum é feito sobre essa faixa. Ela mostra um resumo das preocupações de Arnaldo, com várias pequenas e sutis sacadas ao longo da letra, que vão mostrando o seu lamentável estado de espírito.

De cara ele já fala da dificuldade em lidar com seu passado, esquecer Rita Lee e Os Mutantes (“Venho me apegando ao passado/ E em ter você ao meu lado…”). Nela também fica claro o medo que ele tinha de ser esquecido (“Será que eu vou morrer de dor?/ Será que eu vou virar bolor?”).
Mas o principal detalhe fica por conta da curta frase “Eu vou voltar pra Cantareira…”. Era naquela região que Arnaldo tinha uma casa com Rita.

As referências à Rita Lee pipocam por todo o trabalho e evidenciam a dificuldade dele lidar com a separação. É difícil não imaginar que Te Amo Podes Crer” e Desculpe” não tenham sido escritas para ela (“Não sou perfeito/ Nem mesmo você é/ Me abrace/ Diga-me o meu nome/ Diga-me que você me quer”).
E o fato de Rita ter participado da gravação de ‘Loki?’ é mais um ponto que evidencia esse vínculo.

Mas ‘Loki?’ não é só amor. É uma salada de sentimentos.
Por vezes, beira o nonsense. Algumas frases são jogadas e elas não ligam nada a lugar nenhum. Uma Pessoa Só” é um exemplo de que a viagem pode passar da dose, e a loucura sobrepõe qualquer possibilidade de entendimento.
“Navegar De Novo” é um desabafo pseudo-politizado, em que Arnaldo reclama da inflação e má distribuição de renda, de maneira quase infantil (fora as brisas sobre velocidade da luz, quando ele resolve falar de física no meio do surto).

É possível quebrar a velocidade da luz, pois ela é relativa. Arnaldo quebrou Einstein.
Tentativas de reagir e “ligar o foda-se” (Não Estou Nem Aí”), a busca de um novo amor, ou uma nova paixão (Vou Me Afundar Na Lingerie”), a loucura e as drogas (Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?”)… ‘Loki?’ é um espelho de uma mente andando na linha fina da loucura e razão.

O SURTO

É uma obra de difícil digestão, apesar de sua simplicidade musical. A complexidade psicológica imposta pelo disco é certamente uma barreira. Quando ouvido fora do contexto soa cruelmente como uma viagem sem nexo. Hoje consagrado, ‘Loki?’ não foi compreendido em seu tempo.

O disco foi um fracasso de vendas, mesmo carregando o famosíssimo nome de Arnaldo Baptista e participações de ex-Mutantes.
E as causas foram muitas.
Além de problemas na divulgação e uma sonoridade totalmente estranha para os anos 70, a capa horrível certamente funcionou como um repelente natural. O cara sem camisa, apoiado em uma cadeira, com o espaço sideral e parte das suas costas ao fundo… Nada muito convidativo.

O ostracismo de ‘Loki?’ contribuiu para que Arnaldo se afundasse ainda mais, sendo internado um pouco mais adiante. A primeira, de muitas internações.

Cê tá pensando que eu sou lóki, bicho? Malandro velho não se mete no enguiço.

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FICHA TÉCNICA:
Artista: Arnaldo Baptista
Ano: 1974
Álbum: Loko?
Gênero: Piano Rock / Rock Psicodélico
País: Brasil
Integrantes: Arnaldo Baptista (vocal e piano), Dinho Leme (bateria), Liminha (baixo), Rita Lee (vocal).

MÚSICAS:
1 – Será que eu vou virar bolor?
2 – Uma pessoa só
3 – Não estou nem aí
4 – Vou me afundar na lingerie
5 – Honky Tonky (Patrulha do Espaço)
6 – Cê tá pensando que eu sou lóki?
7 – Desculpe
8 – Navegar de novo
9 – Te amo podes crer
10 – É fácil

Ouça


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